De início mesmo com a pressão do orçamento reduzido, que já se anunciava como insuficiente para cobrir, por exemplo, as bolsas durante todo o ano, o pessoal da academia parecia, sim, triste, mas também bastante desmotivado e um tanto resignado. Era o ruim, mas seria inevitável, o lance seria tentar se ajeitar com o que se desenhava - iniciativas como ciência com orçamento baixo ou zero vão um tanto nesse sentido (oquei, é algo pragmático e até prudente, porém pode soar um tanto quanto conformista). Em suma, apesar de reclamações em conversas e postagens de redes sociais a temperatura parecia baixa para protestos.
De um lado, o astronauta Marcos Pontes, titular do MCTIC, apesar de aparentemente sem poder para efetivamente reverter os cortes e contingenciamentos do orçamento na pasta, ao menos se mostrava solícito e solidário. Pelo menos tomava para si a tarefa de dialogar com os demais departamentos do governo e com o legislativo, além de representantes da comunidade científica, para minorar os efeitos. Boa vontade era demonstrada.
Do lado do MEC... o então ministro Ricardo Vélez Rodrigues se mostrava de uma inoperância que paralisava as ações do ministério da educação. Praticamente um cone fora colocado na cadeira frente à pasta. Depois de ser severamente admoestado pelos deputados em sabatina na Câmara, acabou caindo em pouco mais de três meses de governo. Já depois de criar entreveros como a desastrosa sugestão de fazer com que os alunos das escolas pronunciassem o lema de campanha do atual presidente em cerimônias de hasteamento da bandeira, num ato patentemente ilegal por personalismo vetado à administração pública; e que elas fossem filmadas cantando o hino, outra ilegalidade, já que, sem anuência dos pais, imagens de menores de idade não podem ser veiculadas.
Mal o novo ministro da educação, Abraham Weintraub, assumiu, em 8 de abril, o cargo e os atritos com a comunidade educacional e acadêmica escalaram. Inicialmente anunciou o corte (ou contingenciamento - trato como corte no restante do texto) de verbas discricionárias de três universidades federais: a de Brasília, a Fluminense e a da Bahia, supostamente por mau desempenho e por promoverem "balbúrdia", isto é, atos contrários ao governo federal. Como mau desempenho era uma mentira crassa, as federais de modo geral (inclusive as três) estão entre as melhores universidades brasileiras e estão entre as melhores do mundo e, além disso, as avaliações delas vêm melhorando; e o corte por "balbúrdia" é ilegal, seria uma represália do governo federal; anunciou-se que os cortes seriam em todas as IFES e também em institutos e colégios técnicos federais. E pouco depois o ministro falou em cortar as verbas de cursos como Sociologia e Filosofia por não serem úteis. O presidente só piorava a situação ao mentir em entrevista dizendo que pouco se faz pesquisa em universidades públicas (que estariam concentradas em instituições privadas e, depois, também em institutos militares).
A coleção de atos contra a educação e a ciência foi acumulando mal estar entre os pesquisadores e alunos.
Para o dia 8 de maio, um grupo de estudantes da USP organizou um protesto em São Paulo, - que contou com apoio da SBPC, dos Cientista Engajados e da Marcha pela Ciência em São Paulo - com concentração em frente ao Masp a partir das 14h. Entre 600 (minha contagem) e 3.000 (estimativa da organização) pessoas compareceram.
Para o dia 15 de maio, havia um protesto de Greve Geral da Educação convocada pelos sindicatos de profissionais da educação. A pauta inicialmente se referia à reforma da previdência, cujo projeto apresentado pelo atual governo é considerado deletério para a categoria. Mas, com os ataques do governo federal, a pauta se ampliou e o movimento estudantil e dos acadêmicos afluiu para o ato. Era uma defesa geral da educação contra as ações do Palácio do Planalto. Em cerca de 170 cidades houve atos que, segundo algumas estimativas, totalizaram mais de 1,5 milhão de participantes - inclusive secundaristas e estudantes de universidades particulares. O tom belicoso do governo federal se manteve, com o presidente classificando os participantes de "idiotas úteis e imbecis". À véspera chegou a circular o anúncio de que o presidente havia cancelado os cortes, desmentido logo depois por setores do governo. Deputados da base, que testemunharam o presidente anunciar o cancelamento, criticaram o desmentido do recuo e a desinformação gerada. Desinformação também foi a tática do ministro Weintraub, ao comparar o corte de cerca de 30% no orçamento discricionário - o que efetivamente entra no caixa das universidades para o custeio e outras despesas - com o orçamento total (incluindo a parte que não pode ser mexida: salários e aposentadorias) para dizer que seria um corte de apenas 3,5%, ilustrando com chocolates.
A dose se repetiu em 30 de março, com protesto convocado pela UNE e o movimento estudantil. Mais de 130 cidades registraram atos. A tática desinformacional do MEC também se repetiu, com vídeo performático de Weintraub com um guarda-chuva negando os cortes no orçamento do Museu Nacional, prontamente rebatido pela UFRJ. O ataque aos educadores também se repetiu, com o ministro enviando nota às escolas para denunciar professores e pais que divulgassem em horário de aula os protestos, atitude ilegal que fez o MPF solicitar o cancelamento da nota.
O conjunto da obra dos ataques verbais e verborrágicos do novo ministro da educação lhe rendeu um processo pelo MPF, que pede indenização de 5 milhões de reais por danos morais aos estudantes.
Enquanto isso, uma greve geral para o dia 14 de junho está convocada pelas centrais sindicais e provavelmente contará com adesão do setor da educação.
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Enfim o setor acadêmico parece haver aderido às mobilizações de rua e parece contar com apoio da população em geral. Foi necessário um conjunto de ações deliberada e abertamente hostis e persecutórias contra os educadores e os cientistas para se romper a passividade - no limite de total inviabilização das atividades das universidades. Mas, é isso, agora é questão de sobrevivência. Venceremos?*
*Havemos de vencer. Como sociedade.
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quarta-feira, 5 de junho de 2019
sábado, 3 de setembro de 2016
Regra 11: a instabilidade presidencial na América Latina
Hochstetler 2011, em sua revisão de três livros sobre impedimento e crise do presidencialismo no mundo e, em especial, na América Latina, observa que desde 1977-8 os episódios de colapsos de regimes democráticos ('democratic regimes breakdowns') tornaram-se mais raros na região. Porém essa estabilização tem sido acompanhada do aumento dos casos de presidentes que não terminam seus mandatos: por afastamento, destituição, renúncia, fuga... (Fig. 1)
Os fatores apontados como contribuintes ou influenciadores do processo de impedimento, segundo os autores das obras avaliadas por Hochstetler, são: provisão legal do impedimento/número mínimo de votos necessários para a aprovação do impedimento, estrutura dos partidos políticos/composição partidária, apoio presidencial ('presidential patronage') popularidade presidencial/opinião pública... A questão partidária e, em menor grau, a popularidade sendo os fatores mais investigados pela academia.
Sendo o Executivo e o Legislativo eleitos de modo independentes e como instâncias separadas de poder, ambos podem alegar pela legitimidade democrática e não há nenhum meio direto para resolver a questão quando os dois poderes se chocam,
Smith & Taylor 2003, analisaram os episódios dos julgamentos para o impedimento dos presidentes americanos Richard Nixon e Bill Clinton. Uma vez que o caso Watergate afetou pouco a popularidade de Nixon e o affair Lewinsky não teve nenhum impacto na aprovação da administração Clinton, os autores concluem que as diferenças dos desfechos: a renúncia daquele diante de um impedimento certo e a permanência deste após rejeição do processo no Senado, o principal fator influenciador do resultado é a situação macroeconômica.
Talvez a análise de Smith & Taylor possa ser estendida à América Latina. Observamos que há um grande aumento durante a década de 1990, uma relativa estabilidade durante a década de 2000 e um novo aumento a partir de 2008. O período de 2000 a 2008 coincide com uma estabilidade econômica na região - com crescimento médio do PIB acima de 4% ao ano (Fig 2).
Hochstetler 2011 analisa se o 'presidencialismo' necessita de uma nova definição. A autora destaca as características clássicas na definição do sistema presidencialista: o chefe de estado 1) é eleito pela população; 2) tem um mandato de duração determinada, não determinado pelo parlamento; 3) governa ou comanda o gabinete por ele montado, independentemente do parlamento. Em situação de colapso presidencial ('presidential breakdown'), ainda mais com a frequência que tem ocorrido sobretudo na América Latina desde a década de 1990, a característica de mandato fixo e independência do parlamento tem sido colocado em xeque.
Mas uma questão fundamental feita pelos acadêmicos é se o colapso presidencial é salutar para o futuro político da América Latina. Os autores dos livros analisados na revisão de Hochstetler tendem a uma visão algo pessimista. Embora a possibilidade de remoção de presidentes ineficientes e envolvidos em escândalos possa ser menos traumática do que conviver com ele até o fim do mandato (ou mesmo do que a ação anteriormente muito comum da ruptura democrática e do golpe militar), o mecanismo do impedimento, por outro lado, permite dar um véu legalista para os agentes que pretendem derrubar um presidente.
Figura 1. Tendência de pedidos de impedimentos no mundo (painel superior) e na América Latina (painel inferior). Linhas azuis: tentativas bem sucedidas; Linhas laranjas: tentativas totais. Fontes: Wikipedia; Pérez-Liñán 2007; +HON2009; +PRY2012; +BRA2016.
Os fatores apontados como contribuintes ou influenciadores do processo de impedimento, segundo os autores das obras avaliadas por Hochstetler, são: provisão legal do impedimento/número mínimo de votos necessários para a aprovação do impedimento, estrutura dos partidos políticos/composição partidária, apoio presidencial ('presidential patronage') popularidade presidencial/opinião pública... A questão partidária e, em menor grau, a popularidade sendo os fatores mais investigados pela academia.
Sendo o Executivo e o Legislativo eleitos de modo independentes e como instâncias separadas de poder, ambos podem alegar pela legitimidade democrática e não há nenhum meio direto para resolver a questão quando os dois poderes se chocam,
Smith & Taylor 2003, analisaram os episódios dos julgamentos para o impedimento dos presidentes americanos Richard Nixon e Bill Clinton. Uma vez que o caso Watergate afetou pouco a popularidade de Nixon e o affair Lewinsky não teve nenhum impacto na aprovação da administração Clinton, os autores concluem que as diferenças dos desfechos: a renúncia daquele diante de um impedimento certo e a permanência deste após rejeição do processo no Senado, o principal fator influenciador do resultado é a situação macroeconômica.
Talvez a análise de Smith & Taylor possa ser estendida à América Latina. Observamos que há um grande aumento durante a década de 1990, uma relativa estabilidade durante a década de 2000 e um novo aumento a partir de 2008. O período de 2000 a 2008 coincide com uma estabilidade econômica na região - com crescimento médio do PIB acima de 4% ao ano (Fig 2).
Figura 2. Crescimento econômico médio da América Latina em porcentagem do PIB. Fonte: iMFdirect.
Hochstetler 2011 analisa se o 'presidencialismo' necessita de uma nova definição. A autora destaca as características clássicas na definição do sistema presidencialista: o chefe de estado 1) é eleito pela população; 2) tem um mandato de duração determinada, não determinado pelo parlamento; 3) governa ou comanda o gabinete por ele montado, independentemente do parlamento. Em situação de colapso presidencial ('presidential breakdown'), ainda mais com a frequência que tem ocorrido sobretudo na América Latina desde a década de 1990, a característica de mandato fixo e independência do parlamento tem sido colocado em xeque.
Mas uma questão fundamental feita pelos acadêmicos é se o colapso presidencial é salutar para o futuro político da América Latina. Os autores dos livros analisados na revisão de Hochstetler tendem a uma visão algo pessimista. Embora a possibilidade de remoção de presidentes ineficientes e envolvidos em escândalos possa ser menos traumática do que conviver com ele até o fim do mandato (ou mesmo do que a ação anteriormente muito comum da ruptura democrática e do golpe militar), o mecanismo do impedimento, por outro lado, permite dar um véu legalista para os agentes que pretendem derrubar um presidente.
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