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segunda-feira, 15 de julho de 2013

Passando a borracha... Munições de elastômero. Parte 2: Neurofisiologia

ResearchBlogging.orgNa postagem anterior, discuti um pouco os aspectos físicos envolvidos na ação da bala de borracha. Nesta parte final, apresento os detalhes neurofisiológicos do impacto de um projétil de elastômero no corpo humano.

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A sensação de dor é codificada por fibras nervosas do tipo Aδ e C com terminais livres na região cutânea e subcutânea - o limiar de disparo dos receptores mecânicos de dor é muito mais alto do que a de mecanorreceptores táteis também presentes na pele (Purves et al. 2001).

Os detalhes moleculares da transdução do estímulo mecânico doloroso em sinais elétricos da dor não são bem conhecidos (Eilers & Schumacher 2005). Baseando-se em modelos invertebrados e bacterianos, dois grandes modelos de transdução molecular são propostos: um processo mecanoquímico e um sistema de controle mecânico de abertura de canais (Julius & Basaum 2001).

No mecanoquímico, células sob pressão ou em tecidos mecanicamente deformados liberariam sinais químicos (como ATP) para o meio extracelular. Receptores nos terminais nervosos livres ligar-se-iam a esses compostos e disparariam ondas de despolarização da membrana (Fig 1a). No sistema de controle mecânico de abertura, canais iônicos de membrana teriam porções proteicas ligadas fisicamente ao meio extracelular e ao citoesqueleto - a movimentação causada pelo estímulo mecânico tensionaria as proteínas abrindo o canal (Fig. 1b) - alternativamente, alteração da forma ou volume da célula criaria uma tensão horizontal na membrana celular, levando à abertura do canal (Fig. 1c).

Figura 1. Mecanismos de transdução de estímulos mecânicos nocivos. a) sistema mecanoquímico - quando submetidas à pressão ou deformação, células da pele liberam sinais químicos (ligantes) no meio extracelular, os sinais ligam-se a canais de membrana dos terminais nervosos livres, abrindo o canal: o processo de liberação do sinal químico pode ser como em (b) ou (c); b) sistema mecânico com ancoragem física de canais de membrana a elementos da matriz extracelular: deformação do tecido desloca da matriz extracelular, provocando a abertura do canal iônico; c) sistema mecânico por distensão da membrana celular: deformação ou alteração da curvatura da membrana celular abre os canais iônicos. Modificado de Julius & Basaum 2001.

Com o impacto do projétil, o processo de transdução produz a despolarização da membrana e o disparo do sinal nos neurônios nociceptores. As fibras conduzem o sinal até o gânglio dorsal da medula. De lá sobe até as vias superiores, onde é processado como sinal doloroso (Fig. 2). Na medula, o sinal dispara um arco reflexo que afasta a parte do corpo da fonte do estímulo.

Figura 2. Via de processamento de sinais dolorosos. Fonte: Etherpedia - Post-Operativa Pain.


A lesão do tecido libera também sinais químicos como ATP, adenosina, prótons, bradicinina, e, via células do sistema imunológico recrutadas ao local, histamina, serotonina, interleucinas, NGFs (fatores neurotróficos), etc. que disparam o processo inflamatório. Vários desses compostos - como os prótons - ativam vias de nocicepção química, incluindo os canais VR1, o que proporciona a sensação de ardência da laceração da pele. (Scholz & Woolf 2002; Basbaum et al. 2009.)

Prostaglandinas e bradicininas ligam-se a receptores associados à proteína G. A ativação desta leva a uma cascata que aciona as cinases de proteína, que fosforilam canais de membrana, isso resulta na diminuição do limiar de disparo: a região inflamada passa a ter uma maior sensibilidade e estímulos que antes não causavam nenhum incômodo passam a ser percebidos como dolorosos. (Scholz & Woolf 2002; Basbaum et al. 2009.)

Mesmo não havendo uma laceração da pele, vasos periféricos podem ser danificados, havendo vazamento e acúmulo de sangue no local formando o hematoma. Pode ainda ocorrer a formação de hematomas em tecidos profundos.

Interpreta-se a dor como um mecanismo adaptativo. A dor aguda chama a atenção para a fonte do estímulo nocivo - o reflexo prontamente afastando a parte do corpo da fonte e o processamento superior associando emoções negativas e eliciando respostas mais complexas, como fuga da fonte ou ataque contra ela, bem como a geração de memória que evite experiências similares no futuro. Em havendo lesão, a dor subcrônica ocasionada protege a região afetada, evitando o indivíduo que a área seja tocada enquanto ocorre o processo natural de reparo. (Scholz & Woolf 2002.)

Referências
Basbaum AI, Bautista DM, Scherrer G, & Julius D (2009). Cellular and molecular mechanisms of pain Cell, 139 (2), 267-284 DOI: 10.1016/j.cell.2009.09.028

Eilers H, Schumacher MA. 2005 Mechanosensitivity of Primary Afferent Nociceptors in the Pain Pathway. In: Kamkin A, Kiseleva I, editors. Mechanosensitivity in Cells and Tissues. Moscow: Academia.

Julius, D, & Basbaum, AI (2001). Molecular mechanisms of nociception Nature, 413, 203-210 DOI: 10.1038/35093019

Purves D; Augustine GJ; Fitzpatrick D et al. (eds.) 2001. Nociceptors. In Neuroscience 2nd. ed. Sunderland (MA): Sinauer Associates.

Scholz, J., & Woolf, C.J. (2002). Can we conquer pain? Nature Neuroscience, 5, 1062-1067 DOI: 10.1038/nn942

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Passando a borracha... Munições de elastômero. Parte 1: Física

ResearchBlogging.orgA munição de elastômero, popularmente conhecida como bala de borracha, pertence à classe de munições de impacto controlado (junto com projéteis e balins de plástico e "bean bags") "não-letais, antipessoais e restrição física". Possui várias apresentações e formatos - podem ser balins dentro de cartuchos de plástico ou tarugo único; projéteis de borracha maciça ou com núcleo metálico... calibre 38, 9mm, 40 mm; o tamanho mais comumente utilizado (especialmente no Brasil) é o calibre 12.

Segundo manual da Polícia Federal, "[s]eu emprego visa à intimidação psicológica do agressor, preservando uma distância de segurança entre este e o vigilante"; uso similar é preconizado pela Polícia Militar do Espírito Santo "[u]tilizadas principalmente pelo atirador, carregadas com munições de elastômero, a fim de assegurar que manifestantes ou detentos rebelados não se aproximem da tropa". Não deve ser, portanto, empregada para simplesmente dispersar a multidão (ou para proteção patrimonial). Não rara vez, no entanto, é utilizada exatamente para debandada de pessoas agrupadas (ou para impedir invasão de prédios públicos).

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O elastômero é um polímero elástico. Sendo um dos mais comumente empregados em munições a borracha butílica: um copolímero de isobutileno e isopreno (IIR) (Fig. 1).


Figura 1. Fórmula molecular de borracha butílica IIR (copolímero de isobutileno e isopreno). Fonte: Wikimedia Commons.

Por meio da vulcanização, formam-se ligações covalentes esparsas entre as longas cadeias do polímero. Em seu estado normal, as cadeias da borracha se enovelam por meio de interações eletrostáticas, adquirindo uma configuração compacta (Fig. 2a). Quando submetida à tensão, essas interações eletrostáticas se rompem e as moléculas se alinham - permitindo o estiramento da borracha no sentido das forças (Fig. 2b). Assim que a tensão é liberada, as cadeias tornam a se enovelar. Quando forças de compressão são aplicadas à borracha, criam-se tensões nas ligações intramoleculares à medida em que a cadeia se dobra - essa tensão permite a recomposição do formato da borracha quando as forças compressivas desaparecem. Se houver microbolhas de ar na textura da borracha, elas também podem se deformar e acumular pressão, que também auxilia no retorno da forma do composto após a liberação da força compressiva.

Figura 2. a) Configuração compacta da borracha. b) Configuração estirada. Fonte: Wikimedia Commons.

Ao atingir uma superfície dura, como pavimento asfáltico, a força de impacto deforma a munição de elastômero, acumulando parte da energia cinética do projétil. Essa energia é liberada ao fim do processo de impacto, acelerando o projétil à medida em que a bala readquire sua forma normal. Parte da energia é dissipada no choque, na forma de calor e ondas mecânicas (som e tremulação do solo) e na quebra de ligações covalentes da borracha - fragmentos podem ficar retidos no local do impacto e alguma deformação permanente pode ocorrer.

A elasticidade do projétil de borracha produz um amortecimento do impacto - prolongando o período de transferência de momento e diminuindo a força média de interação. A deformação também permite um aumento da superfície de contato, reduzindo a pressão.

Dessa forma, uma bala de elastômero tem um menor potencial de dano em comparação a uma munição rígida metálica. Mas será mesmo não-letal?

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Considerando-se uma energia de dissociação da ligação C-C de 348 kJ/mol, uma massa molar de 150.000 g/mol do colágeno, uma espessura cutânea média de 1,2 mm, densidade cutânea de 1,09 g/cm3 e uma composição de 60% de água; a energia necessária para romper todas as moléculas de colágeno em uma área de 1 mm2 da pele seria de cerca de 0,001 J. Considerando-se uma dissipação esférica, um projétil a atingir a superfície com uma densidade energética de 0,1 J/mm2 seria o suficiente para penetrar 1 cm - a depender da região atingida, seria o suficiente para danificar órgãos internos.

Um projétil de 19 g atingindo um alvo a uma velocidade final 137 m/s quando disparado de 20 m de distância tem uma energia cinética de 178,3 J (caso do principal projétil de tarugo único utilizado pelas forças policiais no país). Com 18,5 mm de diâmetro (calibre 12), isso representa uma densidade energética de 0,083 J/mm2. Mais do que o suficiente para lacerar a pele e muito próximo de valores suficientes para atingir órgãos internos. Com não pouca frequência são disparadas a distâncias muito menores, a despeito de recomendações em contrário.

O tecido adiposo subcutâneo na região abdominal varia de 1,5 mm a 18 mm em espessura em pessoas normais (chegando a 70 mm em pessoas obesas) (Lancerotto et al 2011). A parede muscular abdominal tem uma espessura média total de 20 mm (Whittaker et al. 2013). A parede torácica tem uma espessura entre 30 e 60 mm (Britten & Palmer 1996) e uma média de 42,4 mm (Givens et al. 2004). Seria necessário algo como 2 J/mm2 ao se atingir a superfície do corpo para se penetrar 4 cm: 23 vezes o valor da densidade energética, nas condições de uso especificadas pelo fabricante, do projétil de elastômero de uso mais comum no Brasil. Mesmo assim há casos de ferimentos internos graves ocasionados pelo impacto de balas de borrachas nessas áreas. Pelo menos um caso resultou em perfuração torácica; os tipos mais comuns de lesões no tórax são fraturas das costelas, contusão pulmonar, pneumotórax; podendo ocorrer lesões no coração (Rezende-Neto et al. 2009).

A espessura do tecido mole externo na cabeça de um indivíduo adulto varia de acordo com a etnia e a região. Na região supraorbital pode ir de 3,6 mm a 8,25 mm; na região maxilar (acima do segundo molar), de 12,3 mm a 22 mm. (Phillips & Smuts 1996.) Considerando-se uma densidade de energia de fratura de 1.700 J/m2 para ossos (0,0017 J/mm2) e uma espessura craniana entre 16,1 e 20,2 mm (Ross et al. 1976), um projétil com densidade energética de 0,67 J/mm2 poderia atingir o cérebro. É um valor 8 vezes maior do que o de condições especificadas pelo fabricante. Porém em outras regiões, os ossos são mais finos e há registro de penetração de projétil - como uma bala de borracha alojada no sino etmoidal (Gross et al. 2005); além de danos ao globo ocular (Lavy & Asleh 2003).

Em um estudo de 90 casos de ferimentos a munição de elastômero no Reino Unido (principalmente da ação da polícia britânicado exército britânico* contra manifestantes norte-irlandeses), 41 necessitaram internação, 17 resultaram em deformidades e deficiências permanentes, e 1, em morte (Millar et al 2005). Outro, com 152 palestinos atingidos pelas forças israelenses; 39 apresentaram perfurações, houve 3 mortes - 2 por penetração da bala até o cérebro com a perfuração do olho e 1 durante cirurgia do ferimento no joelho; dos 201 ferimentos, 73 foram nos membros; 61, na cabeça e no pescoço; 39, no peito; 16, nas costas e 12 no abdômen (Mahajna et al. 2002).

As recomendações de uso nos manuais das forças brasileiras de segurança são de mirar na região das pernas, ainda assim várias pessoas são feridas na região do baixo ventre, tórax e cabeça - algumas por projéteis ricocheteados ou por falta de precisão da munição (particularmente os balins), outras por simplesmente o atirador, contrariamente às recomendações, mirar nas porções superiores do corpo.
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Referências
Britten S, & Palmer SH (1996). Chest wall thickness may limit adequate drainage of tension pneumothorax by needle thoracocentesis. Journal of accident & emergency medicine, 13 (6), 426-7 PMID: 8947807

Givens ML, Ayotte K, & Manifold C (2004). Needle thoracostomy: implications of computed tomography chest wall thickness. Academic emergency medicine : official journal of the Society for Academic Emergency Medicine, 11 (2), 211-3 PMID: 14759970

Gross M, Regev E, Hamdan K, & Eliashar R (2005). Penetrating rubber bullet into the ethmoid sinus: should the bullet be removed? Otolaryngology--head and neck surgery : official journal of American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery, 133 (5), 814-6 PMID: 16274819

Lancerotto L, Stecco C, Macchi V, Porzionato A, Stecco A, & De Caro R (2011). Layers of the abdominal wall: anatomical investigation of subcutaneous tissue and superficial fascia. Surgical and radiologic anatomy : SRA, 33 (10), 835-42 PMID: 21212951

Lavy T, & Asleh SA (2003). Ocular rubber bullet injuries. Eye (London, England), 17 (7), 821-4 PMID: 14528243

Mahajna A, Aboud N, Harbaji I, Agbaria A, Lankovsky Z, Michaelson M, Fisher D, & Krausz MM (2002). Blunt and penetrating injuries caused by rubber bullets during the Israeli-Arab conflict in October, 2000: a retrospective study. Lancet, 359 (9320), 1795-800 PMID: 12044373

Millar R, Rutherford WH, Johnson S, & Malhotra VJ (1975). Injuries caused by rubber bullets: a report on 90 patients. The British journal of surgery, 62 (6), 480-6 PMID: 1148650

Phillips, V.M., & Smuts, N.A. (1996). Facial reconstruction: utilization of computerized tomography to measure facial tissue thickness in a mixed racial population Forensic Science International, 83, 51-59 DOI: 10.1016/0379-0738(96)02010-5

Rezende-Neto J, Silva FD, Porto LB, Teixeira LC, Tien H, & Rizoli SB (2009). Penetrating injury to the chest by an attenuated energy projectile: a case report and literature review of thoracic injuries caused by "less-lethal" munitions. World journal of emergency surgery : WJES, 4 PMID: 19555511

Ross MD, Lee KA, & Castle WM (1976). Skull thickness of Black and White races. South African medical journal = Suid-Afrikaanse tydskrif vir geneeskunde, 50 (16), 635-8 PMID: 1224277

Whittaker JL, Warner MB, & Stokes M (2013). Comparison of the sonographic features of the abdominal wall muscles and connective tissues in individuals with and without lumbopelvic pain. The Journal of orthopaedic and sports physical therapy, 43 (1), 11-9 PMID: 23160368


*Upideite(09/jul/2013): corrigido a esta data.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Pimenta nos olhos dos outros é... arma antimotim.

ResearchBlogging.orgO spray de pimenta é aerossol (micropartículas líquidas em suspensão no ar) de uma emulsão (microgotículas de líquido em outro com o qual não se mistura) aquosa com óleo-resina de pimenta, tendo como ingrediente ativo a capsaicina (N-vanilil-8-metil-6- (E)-noneamida) (Fig. 1).



Figura 1. Estrutura molecular da capsaicina. Fonte: Wikimedia Commons.

A capsaicina é um metabólito secundário presente em plantas do gênero Capsicum, a qual pertencem as pimentas do tipo malagueta. Em contato com mucosas, ela causa sensação de ardência e dor nos mamíferos, mas não em aves - que são as dispersoras das sementes da planta.

Ela age sobre o receptor de vaniloide tipo 1 (VR1 - Fig. 2) que é um canal não-seletivo de cátions, presente em fibras sensórias periféricas (C - de pequeno diâmetro - e Aδ - de diâmetro médio) e em alguns núcleos cerebrais. Quando ativado, o VR1 permite o fluxo de íons positivos como Ca2+ e K+,  despolarizando a membrana celular e ativando as fibras, em estímulo interpretado como dor. (Caterina & Julius 2001.)


Figura 2. Estrutura molecular do receptor VR1. Fonte: Wikimedia Commons.

O VR1 é ativado por vários tipos de estímulos potencialmente nocivos: pH baixo, temperaturas acima de 43°C e compostos vegetais: como a própria capsaicina e isocianato de alila (composto ativo de mostarda e wasabi)* - o que explica a mesma sensação de ardência no contato com ácido, fogo, pimenta e mostarda. Os diversos estímulos podem interagir potenciando o efeito - por exemplo, em pH abaixo de 5,9, temperatura ambiente pode ativar o receptor, o VR1 é, então, um nociceptor polimodal (Tominaga et al. 1998 - Fig 3).

Figura 3. Representação esquemática de interação de estímulos na potencialização do efeito sobre o receptor VR1. Fonte: Tominaga et al 1998.


Em 2002, foi descritao a ação de um análogo endógeno da capsaicina, a N-araquidonil-dapamina (NADA). Sua estrutura molecular (Fig. 4) e efeito é similar ao do composto da pimenta. (Huang et al. 2002.)


Figura 4. Estrutura molecular da N-araquidonil-dopamina. Fonte: Wikimedia Commons.

O papel fisiológico da NADA (sem trocadilhos, e perdoem-me o cacófato) parece ser o de modular a ação de neurônios dopaminérgicos (DA). Na parte compacta da substância negra (substantia nigra pars compacta - SNpc), núcleo da base cerebral que produz dopamina e tem papel no sistema de recompensa e no desenvolvimento do vício. A NADA, através da ativação do VR1, aumenta a transmissão glutaminérgica pelos neurônios (DA), e reduz através da ativação do receptor de canabinoide tipo 1 (CB1-R). (Marinelli et al. 2006.)

Como os mamíferos herbívoros mastigam seus alimentos, as sementes frágeis de pimenta são destruídas. As aves engolem as sementes inteiras, que sobrevivem a seu trato digestório e são eliminadas com as fezes em outro local, sendo, assim, dispersas. Essa diferença pode ter sido o fator seletivo para a evolução da capsaicina. (Levey et al 2006.) A substância tem também um efeito antifúngico (Fieira et al. 2013).

A exposição prolongada à capsaicina leva a uma dessensibilização pelo esgotamento dos cátions (O'Neill 1991), assim a capsaicina, um tanto ironicamente, também pode ser usada como analgésico.

O spray de pimenta é usado como arma sub-letal na incapacitação temporária de agressores (humanos e animais): atingindo os olhos causa intenso lacrimejamento e irritação, cegando do indivíduo de modo reversível, a dor intensa também reduz a capacidade do indivíduo em se locomover. Nos EUA, a taxa de sucesso de subjugamento do indivíduo é de 90% (apud Busker & Van Helden 1998). Embora frequentemente denominado de não-letal, o spray pode ocasionalmente provocar a morte do indivíduo exposto. Estudos de casos de morte durante ação policial e modelos animais indicam que a capsaicina potencializa o efeito letal da cocaína (Mendelson et al. 2010). Há também preocupações acerca do efeito do spray sobre o trato respiratório (Billmire et al. 1996).

Como a capsaicina é lipofílica, lavagem com água tende a contribuir pouco para sua remoção das mucosas. O vinagre, sendo solução aquosa, também é ineficiente para diluir o composto, além disso, seu pH reduzido pode potencializar o efeito. Na mucosa oral, substâncias oleosas e gordurosas como o leite podem diminuir a sensação de queimação (Nasrawi & Pangborn 1990) - não se recomenda a aplicação delas sobre a mucosa dos olhos, no entanto.

Referências
Billmire DF, Vinocur C, Ginda M, Robinson NB, Panitch H, Friss H, Rubenstein D, & Wiley JF (1996). Pepper-spray-induced respiratory failure treated with extracorporeal membrane oxygenation. Pediatrics, 98 (5), 961-3 PMID: 8909494

Busker RW, & van Helden HP (1998). Toxicologic evaluation of pepper spray as a possible weapon for the Dutch police force: risk assessment and efficacy. The American journal of forensic medicine and pathology, 19 (4), 309-16 PMID: 9885922

Caterina MJ, & Julius D (2001). The vanilloid receptor: a molecular gateway to the pain pathway. Annual review of neuroscience, 24, 487-517 PMID: 11283319

Fieira, C., Oliveira, F., Calegari, R., Machado, A., & Coelho, A. (2013). In vitro and in vivo antifungal activity of natural inhibitors against Penicillium expansum Ciência e Tecnologia de Alimentos, 33, 40-46 DOI: 10.1590/S0101-20612013000500007

Fieira, C., Oliveira, F., Calegari, R., Machado, A., & Coelho, A. (2013). In vitro and in vivo antifungal activity of natural inhibitors against Penicillium expansum Ciência e Tecnologia de Alimentos, 33, 40-46 DOI: 10.1590/S0101-20612013000500007


Huang SM, Bisogno T, Trevisani M, Al-Hayani A, De Petrocellis L, Fezza F, Tognetto M, Petros TJ, Krey JF, Chu CJ, Miller JD, Davies SN, Geppetti P, Walker JM, & Di Marzo V (2002). An endogenous capsaicin-like substance with high potency at recombinant and native vanilloid VR1 receptors. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 99 (12), 8400-5 PMID: 12060783


Marinelli S, Di Marzo V, Florenzano F, Fezza F, Viscomi MT, van der Stelt M, Bernardi G, Molinari M, Maccarrone M, & Mercuri NB (2007). N-arachidonoyl-dopamine tunes synaptic transmission onto dopaminergic neurons by activating both cannabinoid and vanilloid receptors. Neuropsychopharmacology : official publication of the American College of Neuropsychopharmacology, 32 (2), 298-308 PMID: 16760924

Mendelson JE, Tolliver BK, Delucchi KL, Baggott MJ, Flower K, Harris, CW, Galloway GP & Berger P. (2010) Capsaicin, an active ingredient in pepper sprays, increases the lethality of cocaine. Forensic Toxicology, 28(1), 33-37. DOI: 10.1007/s11419-009-0079-9

Nasrawi CW, & Pangborn RM (1990). Temporal effectiveness of mouth-rinsing on capsaicin mouth-burn. Physiology & behavior, 47 (4), 617-23 PMID: 2385629
Levey DJ, Tewksbury JJ, Cipollini ML, & Carlo TA (2006). A field test of the directed deterrence hypothesis in two species of wild chili. Oecologia, 150 (1), 61-8 PMID: 16896774

O'Neill TP (1991). Mechanism of capsaicin action: recent learnings. Respiratory medicine, 85 Suppl A, 35-41 PMID: 1709750


Tominaga M, Caterina MJ, Malmberg AB, Rosen TA, Gilbert H, Skinner K, Raumann BE, Basbaum AI, & Julius D (1998). The cloned capsaicin receptor integrates multiple pain-producing stimuli. Neuron, 21 (3), 531-43 PMID: 9768840

*Upideite(28/jun/2013): A Profa. Dra. Marília Zaluar Guimarães informa pelo facebook que o AITC (isotiocinato de alila) ativa outro receptor, o TRPA1 (que é o canal de atuação do gás lacrimogêneo). E, além da NADA, outro endocanabinóide que atua sobre o VR1 e CB1 é a anandamida. O VR1 também é chamado de TRPV1 - transient receptor potential vanilloid type 1 (channel).

quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Não deixemos o Rock com Ciência morrer

O programa de rádio e podcast Rock com Ciência, criado, produzido e mantido pelo Prof. Dr. Rubens Pazza (que também comanda o blogue DNA Cético) da Universidade Federal de Viçosa vai ser encerrado por... falta de espaço (físico).

Não foi cedida para a produção do programa uma simples salinha nas instalações do câmpus do Rio Paranaíba para os equipamentos e gravação dos episódios.

Você que curte ciências e/ou roque; você que sabe da importância da divulgação científica; você ouvinte do Rock com Ciência; você membro da comunidade da gloriosa Federal de Viçosa; você que está preocupado com a educação no país; você metazoário cordado mamífero primata; precisamos deixar bem claro para a direção do câmpus do Rio Paranaíba e outras instâncias da UFV que não concordamos com esse fim.

Proteste (sempre com o devido respeito, claro):
(34) 3855-9300
diretoriacrp@ufv.br* (direitoria do câmpus do Rio Paranaíba)
dex@ufv.br (pró-reitoria de extensão da UFV)

Eu enviei a mensagem abaixo:
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From: Roberto Takata 
Date: 2012/12/20
Subject: Sobre o fim do programa Rock com Ciência
To: diretoriacrp@ufv.br

Excelentíssimo Diretor Geral do Campus de Rio Paranaíba Prof. Dr. Luciano Baião Vieira,

Soube que o valiosíssimo trabalho de divulgação científica Rock com Ciência produzido no câmpus do Rio Paranaíba será descontinuado por falta de espaço para acomodação de equipamentos de produção e sala para a gravação do programa.(1)

Gostaria assim de registrar meu profundo pesar e protesto pela perda de mais um meio para a tão necessária popularização das ciências. No momento em que um presidiário**, acompanhando as transmissões, inspira-se em retomar os estudos para ingressar no ensino superior, não há como negarmos o caráter transformador (e até revolucionário) da iniciativa do Prof. Dr. Rubens Pazza.

Queria instar a toda a comunidade do câmpus do Rio Paranaíba a rever essa decisão e também colocar-me a disposição para tentar encontrar uma solução e a colaborar para a viabilidade da continuidade do projeto Rock com Ciência.

Cordialmente,

Roberto Takata

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*Upideite(20/dez/2012): Rubens Pazza informa que a diretoria do câmpus de Rio Paranaíba está solidária.
**Upideite(20/dez/2012): Rubens Pazza corrige, era funcionário de um presídio, não presidiário - não, o feito não é menor (em certo sentido, até maior, já que tem menos tempo livre para estudar).
Upideite(17/jun/2013): O Rock com Ciência está de volta!

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