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sábado, 20 de novembro de 2010

Discutindo ciências palpiteiramente: resposta (2)

Luiz Bento do Discutindo Ecologia deu prosseguimento à discussão. Respondo abaixo.

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Luiz,

Certamente há um bom dinamismo nas ciências, mas, de um lado, há núcleos que têm uma permanência maior - por exemplo, em essência, a teoria atômica continua válida, a teoria da evolução como formulada por Darwin e Wallace também; de outro, os programas não precisam ter um caráter permanente: isto é, o dinamismo do conhecimento científico leva ao dinamismo do ensino de ciências (ou, no caso, da autoaprendizagem de ciências) e não à inutilidade de apreensão de qualquer conteúdo.

Mas vamos partir do princípio de que houve um fracasso geral dos modelos dos anos de 1960 a 2000 de ensino de ciências - e vamos aceitar que isso indique que o mesmo modelo fracassaria de igual modo em uma situação de autoalfabetização. Tem um problema nas críticas feitas: cada autor acha que sabe exatamente o que deu errado - em muitos casos, seria "essencialmente tudo". O problema é que o modelo não é algo simples - há diversas pressuposições assumidas: o que as pessoas sabem, como elas absorvem o conhecimento, como elas se apropriam do conhecimento, como elas reagem a determinada metodologia, etc. (E tanto não é simples que aparentemente cada crítico do chamado "modelo do déficit" tem seu próprio "modelo do déficit" a criticar...)

Embora eu não seja um especialista, do pouco que tenho acompanhado, parece que não há bons estudos isolando cada pressuposto. Uma dificuldade séria que encontro em minha busca pelos trabalhos sobre divulgação científica é a escassez de trabalhos quali-quantitativos. Há vários de conceituação e de modelagem a partir de princípios - mas não é fácil de se encontrar trabalhos que procurem validar (ou melhor, refutar) modelos com base em sua aplicação em grupos testes e comparação com o resultado em grupos controle. Em que pese a limitação natural de se estudar seres humanos e seu processo de aprendizagem e enculturação, são dados essenciais para que possamos tentar escapar um pouco de achismos.

A respeito de "não se ensinar método científico de forma clássica" porque "as pseudociências podem usar as regras em benefício próprio". Bem, é possível se criticar o ensino de um "método científico", mas não pelo aproveitamento dos pseudocientistas - eles irão se aproveitar mesmo da ausência do ensino de um "método científico" ou de um "ensino em forma não-clássica".

Quanto a creditar ao "modelo do déficit" as crises de credibilidade das ciências... Não vou dizer que seja uma crítica injusta. Mas me parece que seja uma crítica precipitada. Novamente, há poucos estudos quali-quantitativos que permitam sustentar essa relação. Na verdade, os dados atuais sugerem até que a relação seja invertida: quanto mais as pessoas conhecem os processos científicos, *menos* elas confiam nas ciências (certamente isso depende do ambiente pró ou anticiência em que as pessoas vivam).

Bom deixar claro que, com o dito acima, *não* se deve concluir que seja melhor então não se ensinar às pessoas como o processo científico se dá. Apenas que me parece haver motivo de reticiências quanto a se imaginar que o conhecimento do processo aumente a confiança no conhecimento científico.

Até por toda essa complicação que não propus como desafio um programa de alfabetização científica e sim de *auto*alfabetização científica - entre outras etapas, a questão da motivação já está superada (quem quer se alfabetizar já tem alguma noção da importância - ao menos pessoal - das ciências).

O desafio é: - uma pessoa pensa "
oquei, gosto de ciências ou as acho suficiente importantes para dispensar tempo para aprender sobre isso; agora, o que eu devo saber sobre ciências para poder me considerar suficientemente bem informado/a sobre o tema? e como devo proceder para atingir esse estado de conhecimento?"
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Um comentário:

Luiz Bento disse...

Acho que o problema está em correr atrás deste estado. Não existe o "suficientemente bem informado" sobre o tema. A minha crítica principal está em focar nisso.

Se procurarmos este estado vamos cair no mesmo problema dos americanos. Qual conhecimento é o mais importante? Num mundo onde a tecnologia avança cada vez mais rápido estaríamos correndo atrás de algo que nunca alcançaríamos. Melhor seria que as pessoas fossem críticas e soubessem receber a informação e não absorver de forma direta.

Um exemplo interessante é em relação ao que nós da academia sentimos a ler um artigo de fora da nossa área específica de conhecimento. Nós não temos total base para discutir esses assuntos, mas sabemos onde procurar, a quem recorrer, um "sentimento" se aquela pesquisa está parecendo estranha demais ou que ainda faltam outros artigos para embasar. Temos uma visão crítica, independente da área que está sendo discutida.

Temos advogados para nos ajudarem a entender a complexa legislação. Engenheiros para montarem nossas casas. Porque o público comum precisaria ter um conhecimento tão vasto de todas as áreas da ciência? Acho que precisamos focar na formação crítica e menos no conteúdo. Isso é o que importa cada vez mais para mim.

Abraços.

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