Lives de Ciência

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sábado, 24 de março de 2012

Por que investir em ciências? Uma palavra: Embrapa

Complementando a postagem anterior em que comento de passagem minha preocupação com os cortes de investimentos em CT&I.

Mês que vem deve ser publicado o Balanço Social da Embrapa de 2011. No de 2010, registra-se que os R$ 1.941.173.948,11 aplicados no orçamento da empresa corresponderam a um valor de R$ 17.672.803.529,00 de retorno em tecnologias desenvolvidas e transferidas. Mais de 9,1 vezes o valor investido. O gráfico abaixo mostra a evolução do investimento realizado na Embrapa e o retorno obtido.


Figura 1. Evolução dos investimentos e retornos na Embrapa. ROL - receita operacional líquida (repasses da União, receita com vendas de produtos e serviços, restituições e outros); TD - valores correspondentes à tecnologia desenvolvida e transferida à sociedade. Fontes: Balanços Sociais da Embrapa.

Havia analisado antes a importância de se investir em ciências. O exemplo da Embrapa é bem ilustrativo. Em uma avaliação do projeto Fapesp PIPE (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas) entre 2007 e 2009, cada real investido resultou em um retorno de 6 reais.

Gostaria de ver balanços sociais de outras instituições de pesquisa e desenvolvimento - especialmente as públicas. Alguém sabe se tem de universidades federais e estaduais (da USP em particular)? Claro, fazer balanço de universidades de pesquisa deve ser bem mais complicado, especialmente para avaliar os inúmeros projetos de extensão. (Sim, há dimensões outras a se considerar além dos ganhos econômicos, porém mesmo aqui é possível vislumbrar que os cortes no orçamento de CT&I realizados nos últimos anos poderá ter um impacto negativo bem maior.)

Upideite(24/mar/2012): Via @ciencianamidia, editorial do Estadão sobre os 30 anos da Embrapa, sua importância e os desafios frente às multinacionais e a tecnologia transgênica.

terça-feira, 20 de março de 2012

Ciência nos bRiCs

Brasil
Depois de atingir um pico de 7,9 bilhões de reais em 2010 (e um crescimento constante desde 2003), o orçamento do MCTI vem minguando cerca de 20% ao ano; para 2012 o orçamento será de apenas R$ 5,2 bilhões. O gráfico abaixo mostra a evolução orçamentária para CT&I com valores corrigidos pela inflação oficial.



Figura 1. Evolução do orçamento do MCTI. Valores corrigidos. Diversas fontes. LOA - orçamento aprovado no congresso após emendas parlamentares. pós-corte - valores após contingenciamentos anunciados.

Os cortes são justificados em função da crise econômica mundial, mas criticados pelas entidades científicas por minar a capacidade brasileira de inovação - componente essencial para o desenvolvimento econômico sustentado. Alguns efeitos do contingenciamento são observados como a participação brasileira na construção do telescópio ESO. Em franco constraste com a expectativa que havia há dois anos, como no editorial da Nature (High hopes for Brazilian science) e da Science (no embalo também da descoberta das reservas de pré-sal, Brazilian science: riding a gusher).

Ainda durante a gestão Mercadante à frente do MCT (que ele rebatizou de MCTI), foi criado o programa Ciência Sem Fronteiras, oferecendo bolsas para estudantes brasileiros no exterior e financiamento para pesquisadores estrangeiros no Brasil. Mas as bolsas de pós-graduação dos programas federais estão há quatro anos sem reajustes.

Rússia
O recém-eleito presidente russo Vladmir Putin anunciou a pretensão de dar um gás na ciência do país com um ambicioso programa que pretende implantar várias universidades de pesquisa de ponta até 2020. Diz ainda que dará transparência ao processo de financiamento às pesquisas e aumentará o orçamento das agências de fomento de US$ 500 milhões para US$ 830 milhões, descentralizando a receita das mãos da Academia Russa de Ciências. Segundo a Nature, no entanto, o anúncio é recebido com bastante ceticismo pelos cientistas.

Índia
O vigoroso crescimento dos investimentos em ciência nos últimos 5 anos (incremento de cerca de 25% anuais) também foi afetado pela crise econômica mundial. Não haverá cortes como no Brasil, mas o aumento mais modesto previsto para o biênio 2012-13, entre 2% e 18%, deverá ser comido pela inflação anual na casa de 7%.

China
Em termos orçamentários, a ciência chinesa continuará muito bem, obrigado. Em 2012, os investimentos governamentais em C&T deverá ser de US$ 36,1 bilhões - cerca de 12,6 MCTIs - aumento de mais de 12% em relação ao ano passado.

África do Sul
O orçamento sul-africano deve sair em maio. Ano passado as verbas públicas para C&T foram de US$ 628 milhões, aumento de 7,3% em relação aos valores de 2010/11.
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As situações atuais e as perspectivas para o futuro próximo das ciências nos países do BRICS são bastante heterogêneas - como são em diversas outras áreas. Em termos relativos, a situação brasileira é a mais preocupante e os esforços da academia e instituições científicas como a ABC e a SBPC parecem não surtir muito efeito na sensibilização do governo para a questão.

Upideite(21/mar/2012): Nos comentários, Sibele Fausto, sugere o sítio web SJR para comparar dados cientométricos (ou cienciométricos como preferem alguns). Bastante interessante. Embora seja uma pena que os dados sejam referentes somente até 2010, não permitindo ainda analisar os efeitos dos cortes orçamentários no Brasil, mostra algumas tendências. A produção científica, desde 1996, aumentou modestamente na África do Sul, de modo mais vigoroso no Brasil e na Índia, explodindo na China e estagnando-se na Rússia. Os índices de citações caíram de modo correspondente - o que leva à discussão da quantidade x qualidade (o que leva à discussão dos índices de citação como medida de qualidade). Medida de colaboração internacional nos artigos tem oscilado entre os BRICS.

segunda-feira, 5 de março de 2012

Divagação científica: divulgando ciências cientificamente - 17

Uma importante questão a respeito da divulgação científica é como os diferentes discursos afetam a visão do público a respeito de um determinado tema.

Seguem minhas anotações a respeito de um artigo que testa a questão da contextualização e da controvérsia a respeito da certeza do público sobre o aquecimento global.

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Corbett, J.B. & Durfee, J.L. 2004. Testing Public (Un)Certainty of Science: Media Representations of Global Warming. Science Communication 26(2): 129-51. doi: 10.1177/1075547004270234

209 voluntários (alunos de curso de Comunicação) foram divididos em quatro grupos que leram artigos noticiosos sobre aquecimento global: A) 53, sem contextualização nem apresentação de controvérsias (controle); B) 54, sem contextualização e com apresentação de controvérsias (controvérsia); C) 51, com contextualização sem apresentação de controvérsias (contexto) e D) 51, com contextualização e apresentação de controvérsias (c&c).

Depois todos responderam a um questionário com 19 questões*:
4 demográficas;
2 (combinada na análise em um único fator) mediam o grau de certeza sobre o aquecimento global (em uma escala de 1 a 6 de nível de concordância)
- uma especificamente sobre aquecimento global ("According to this news story, global warming is a scientific certainty." ["Segundo a notícia, o aquecimento global é uma certeza científica."]) e
- outra sobre mudanças climáticas ("In this article, scientists are unsure whether global climate change is occurring." ["Neste artigo, os cientistas estão incertos se mudanças climáticas globais estão em curso."]);
4 avaliaram o grau de ideologia ambiental dos respondentes
- "When humans interfere with nature, it very rarely produces bad consequences." ["Quando os seres humanos interferem na natureza, isso muito raramente tem consequências ruins."],
- “Economic growth should be given priority even if the environment suffers to some extent.” ["O crescimento econômico deve ser prioritário mesmo se o ambiente sofrer um pouco."],
- "Would you say that the amount of money we spend as a nation on the environment is too little, too much, or about the right amount?" ["Você diria que a quantia de dinheiro que gastamos como nação para o meio ambiente é muito pouco, em excesso ou mais ou menos adequada."],
- "The balance of nature is delicate." ["O equilíbrio da natureza é delicado."]
1 foi a respeito do posicionamento do indivíduo sobre o tema antes da leitura do texto
- "Before you read this article today, how sure were you that global climate change was taking place?"["Antes de ler o artigo de hoje, quão certo você estava de que as mudanças climáticas globais estavam ocorrendo?"]

Na ordem decrescente, os grupos que apresentaram mais incertezas a respeito do aquecimento global foram: 'A' (controle); 'B' (controvérsia); 'D' (c&c); 'C' (contexto). Houve diferenças significativas entre A e D, A e C e B e C. (Figura 1)


Figura 1. Efeito de apresentação de contexto e controvérsia no grau de certeza dos leitores. Modificada de Corbett & Durfee 2004.

Ignorância: sentido amplo, inclui ausência de conhecimento, incerteza, incompletude, viéses, erros e irrelevância. (Stocking and Holstein 1993)
Incerteza: construto social, negociado entre os atores de um sistema social com vários públicos; manifestada por indivíduos de vários modos diferentes, por diferentes razões e com variados resultados. (Einsiedeland Thorne 1999)

*Obs (09/mar/2012): naturalmente, estão faltando 8 que não foram listadas pelosas autoresas no artigo.
**Upideite (09/mar/2012): As autoras detectaram um efeito da ideologia ambiental no grau de incerteza. Esse fator interagia com os tipos de tratamento, diminuindo o efeito deste. Porém, a diferença no tratamento se constituiu no principal fator. (Ideologia política, ativismo ambiental, idade, gênero, hábito de leitura de jornais ou número de horas trabalhadas por semana não tiveram nenhum efeito observado no grau de incerteza.)

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