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sábado, 9 de janeiro de 2021

Como se saiu o modelo do Imperial College nas previsões sobre a covid-19?

Em 26 de março, o Imperial College publicou o relatório 12 prevendo os impactos da covid-19 no mundo todo ao longo do ano de 2020.

O modelo levava em conta alguns cenários de acordo com o que fosse feito ou não para conter a doença. Um em que nada era feito, um em que haveria um esforço pra supressão da doença com isolamento total das pessoas (com a quarentena iniciada a cada vez que um certo nível de taxa de mortalidade era atingida) e um intermediário com mitigação realizada por diminuição do contato entre as pessoas.

No pior cenário, basicamente todas as pessoas seriam contaminadas (7 bilhões de habitantes) com 40 milhões de mortos ao redor do mundo. No cenário com medidas mais severas de restrição, haveria 1,3 milhão de mortes ao redor do globo (com restrições impostas a partir de 0,2 mortes a cada 100.000 habitantes). No cenário intermediário, 20 milhões de pessoas seriam mortas pela covid-19 em todo o planeta até o fim de 2020.

Em 27 de dezembro, oficialmente, eram contados mais de 1,7 milhão de mortos, segundo relatório semanal de atualização do estado epidemiológico compilado pela OMS. Analisei o desempenho do modelo da Imperial College considerando 27 países para os quais o jornal Financial Times levantou estimativas de mortalidade em excesso (isto é, quantas mortes a mais - ou a menos - ocorreram num período em relação à média esperada para a época), além da Índia (Tabela 1).

Tabela 1. Estimativas de mortalidade por covid-19 em alguns países ao longo de 2020 e mortos contabilizados pela OMS e estimativas de mortes em excesso.

Em rosa as mortes registradas pelo relatório da OMS ou a estimada por mortalidade em excesso causadas pela covid-19 que ficaram abaixo do cenário mais restritivo do modelo da Imperial College. Essas exceções são: Dinamarca, Noruega, Islândia, Índia e Coreia do Sul. Os países nórdicos, com exceção da Suécia, implementaram medidas bastante restritivas e tiveram um excesso de mortalidade ou nula ou até negativa (menos gente morreu no período do que a média esperada); a Coreia do Sul também teve um excesso de mortalidade negativa, embora o país não tenha implementado quarentenas, adotou uma política de fazer muitos testes e rastrear os contatos dos casos positivos, isolando rapidamente as pessoas doentes e as com quem ela teve contato. A Índia chegou a adotar por um tempo um lockdown muito severo, mas relaxou depois, como não há uma estimativa do excesso de mortalidade, não temos uma medida independente para avaliar os números oficiais de mortos pela covid-19 (pode haver subestimativa).

Para os demais países, os números de mortos ficaram dentro dos projetados pelo modelo no cenário de imposição de restrição de movimentação da população - com gatilhos para a quarentena a partir de um nível baixo (0,2 morto por 100.000 hab.) ou mais alto (1,6 morto por 100.000 hab.) de taxa de mortalidade: os valores se aproximaram mais do gatilho mais alto. (Assumindo um número reprodutivo básico, isto é, quantas pessoas são infectadas por uma única pessoa infectada, de R0=3.) Alguns países como Rússia, Peru, Espanha, África do Sul e México há forte discrepância entre o número oficial de mortos e o de mortos em excesso, indicando uma subnotificação. Em alguns, a mortalidade em excesso é sensivelmente menor do que a contagem oficial como na França, Itália e República Tcheca (Chéquia). Claro, é esperado que em alguns países a mortalidade fique mais alta e em outros mais baixa do que o esperado, esse efeito precisa ser mais bem isolado antes de concluir que há realmente uma subnotificação ou as mortes tenham se reduzido de modo generalizado (p.e., com lockdowns, o número de atropelamentos caem; o uso de máscaras protege também contra outras doenças que se espalham pelo ar como a gripe).

Levando em conta que à época da previsão ainda não se conheciam bem parâmetros importantes da doença, como o próprio R0, e a letalidade, além dos avanços no tratamento e prevenção à doença desde então, parece um grau de acerto muito relevante: 23 em 28 aqui.

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Os efeitos das quarentenas na pademia de covid-19

Embora experimentos que coloquem em risco vidas humanas normalmente sejam barrados (com toda razão) em um comitê de ética, experimentos naturais ou quase naturais ocorrem em por diversos motivos, entre os quais a visão ideológica de governantes.

Governadores de sete estados americanos decidiram não emitir ordem de ficar em casa aos seus cidadãos (não por coincidência, todos republicanos). Isso permite a comparação do efeito de medidas restritivas a aglomerações e deslocamentos na evolução epidemiológica da covid-19. Mesmo nos estados em que a ordem de ficar em casa não foi dada, outras medidas foram tomadas como fechamento temporário de escolas e de comércio não essencial. A Fig. 1 inclui dois estados sem a ordem de ficar em casa (Arkansas e Oklahoma) e dois estados (Louisiana e Texas) com a ordem emitida em algum momento da região sudoeste central dos EUA; a Fig. 2 inclui quatro estados sem a ordem de ficar em casa (Iowa, Nebraska, Dakota do Norte e Dakota do Sul) e três em que a ordem foi emitida em algum momento (Kansas, Minnesota e Missouri).

Figura 1. Evolução epidemiológica de covid-19 - log do total cumulativos de casos e de mortes ao longo do tempo nos estados americanos da região sudoeste central dos EUA. Barras verticais indicam o tempo de tomadas de medidas restritivas (triângulos amarelos) e de abertura (triângulos verdes); o início (triângulo vermelho para baixo) e o fim (triângulo vermelho para cima) de ordem de ficar em casa.

Figura 2. Evolução epidemiológica de covid-19 - log do total cumulativos de casos e de mortes ao longo do tempo nos estados americanos da região noroeste central dos EUA. Barras verticais indicam o tempo de tomadas de medidas restritivas (triângulos amarelos) e de abertura (triângulos verdes); o início (triângulo vermelho para baixo) e o fim (triângulo vermelho para cima) de ordem de ficar em casa.

Nos sete estados sem a emissão de ordem de ficar em casa há algum achatamento da curva com a diminuição do ritmo de crescimento do número de casos e de mortos. Há efetividade das medidas restritivas adotadas. Mas, nos estados das mesmas regiões em que a ordem de ficar em casa foi emitida em algum momento, há uma tendência de haver um maior achatamento da curva.

Isso está de acordo com achados relatados em artigos científicos publicados mostrando o efeito do lockdown (confinamento) na região chinesa de Wuhan e também na Itália e na Espanha. Uma revisão de estudos de modelagem e de análise de dados observacionais feita pela Colaboração Cochrane por Nussbaumer-Streit e colaboradores (2020) concluiu que, embora com nível de certeza baixo, sim, medidas quarentenárias de restrição de movimentação e aglomeração (especialmente em combinação com outras medidas - como fechamento de escolas e de comércio) são efetivos na redução das taxas de transmissão.

Os efeitos econômicos são mais incertos, mas um estudo ainda não formalmente publicado de um grupo do MIT analisando os efeitos das medidas de combate à pandemia por restrição de movimentação e ajuntamento concluiu que as cidades americanas que adotaram as medidas com mais severidade tiveram menos pessoas afetadas pela pandemia da gripe espanhola de 1918 e se recuperaram economicamente mais cedo.

Upideite(29.mai.2020): Dados de casos e mortos nos EUA, daqui. Datas de início de medidas de restrição daqui. Data de reabertura daqui.

sexta-feira, 27 de março de 2020

A pandemia de COVID-19 *NÃO* é uma gripezinha

Embora alguns insistam no erro de chamar a doença provocada pelo novo coronavírus (com o complicado nome de SARS-CoV-2 - 'Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2', isto é, uma segunda linhagem de coronavírus que causa uma doença parecida com a SARS) de "gripezinha", outros, como o caso da neurocientista e divulgadora científica Suzana Herculano-Houzel revêem a posição.

Por que o mais provável é que a COVID-19 ('Coronavirus Disease 2019' - doença do coronavírus de 2019) seja mais letal e se espalhe mais do que, por exemplo, a famigerada gripe espanhola - uma das pandemias mais graves enfrentadas recentemente pela humanidade com uma linhagem especialmente letal de vírus da gripe.

Uma pessoa infectada com a cepa do vírus da gripe espanhola, em média, acabava infectando outras 1,7-2,0 pessoas (o nome técnico para isso é 'número básico de reprodução' e é simbolizado por R0). Já alguém infectado pelo SARS-CoV-2, na média, passa o vírus para outras 2,24 a 3,58 pessoas.

Além disso, a cada mil pessoas infectadas pelo vírus da gripe espanhola, algo entre 5 e 24 pessoas morriam, isto é, tinham uma CFR ('case fatality rate', taxa de casos fatais) entre 0,05 e 2,4%. Já para a COVID-19, a CFR é algo entre 0,15 e 5,25%.

Outras doenças atuais que enfrentamos tem um potencial maior de se espalhar e é mais letal. Caso da febre amarela: R0 entre 1,5 e 5 e CFR de até uns 7%. Mas há uma vacina eficaz contra a doença, coisa que ainda não temos contra a COVID-19. A febre do vírus zika não tem vacina e também tem um poder maior de disseminação:  R0 entre 1 e 7, mas a letalidade em adultos é virtualmente zero - e há formas de enfrentamento que não necessitam o isolamento de doentes e suspeitos: combatendo o vetor: no caso da COVID-19, ela pode passar de pessoa para pessoa através de gotículas de saliva no ar. A dengue, embora tenha vacinas contra os tipos circulantes no país, a aplicação desta ainda está em fase de testes (há a complicação porque a forma hemorrágica pode se desenvolver em pessoas que têm a dengue mais de uma vez), mas também pode ser combatida com a evitação do vetor, o mesmo mosquito que transmite a zika.

Sendo uma doença nova e, assim, contra a qual ainda não há vacinas nem medicamentos curativos (o tratamento é sintomático e paliativo), nem uma imunidade natural na maioria da população, com um nível de letalidade razoável e também de potencial de espalhamento, é um perigo subestimá-la - especialmente no caso de autoridades que precisam traçar e implementar estratégias eficientes em seu combate. Não se trata de negligenciar outras doenças também graves e potencialmente danosas, mas é preciso enfrentar também a COVID-19, pelo potencial grande de dano.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Pode haver bem mais do que 5 mil ou 7 mil mortos se a economia não "parar" e nada for feito

Parece equivocado o argumento de uma importante figura empresarial brasileira contra as medidas de restrição de deslocamentos da população no enfrentamento da pandemia de COVID-19 (como adotadas em vários países). Na verdade, se não houver nenhuma restrição, o total de mortos pode chegar ou ultrapassar facilmente a cada do milhão de mortos.

A fração atual de mortos no Brasil é de cerca de 2% do total de casos confirmados (47 mortes em 2.201 em 23.mar) de infecção pelo SARS-CoV-2 (o novo coronavírus). Se apenas 50% dos brasileiros se infectarem com o vírus - o que daria cerca de 100 milhões de pessoas -, seriam 2 milhões de mortos. A China conseguiu conter os casos no nível de algumas dezenas de milhares justamente pelas medidas de restrição - com quarentenas, testes e monitoramentos. O nível de 5 mil a 7 mil mortos totais mencionados pelo empresário como sendo poucos diante do que a economia nacional pode sofrer com as medidas são os projetados exatamente se tais restrições foram adotadas: a comparação com eventuais perdas econômicas das quarentenas e toques de recolher seria com o cenário em que eles *não* fossem adotados. Além das mortes, há que se contabilizar também os casos graves - que necessitam de interação e tratamentos intensivos.

Adotando-se o padrão de casos graves e mortes por idade observado nos Estados Unidos (Fig. 1) e a distribuição etária da população brasileira em 2010, com nível de infecção de 50% da população, é de se esperar 7,8 milhões de internações na UTI em função da COVID-19 no país e 1,6 milhão de mortes.

Figura 1.  Variação dos quadros de gravidade de COVID-19 em pacientes de acordo com a idade. Fonte: CDC/EUA, Tian et al. 2020/China (Beijing)


É a partir desses números que se faz a análise de benefício/custo. 7 mil mortes somem diante de 1,6 milhão.

Na Fig. 2, podemos acompanhar a variação do número de casos em diversos países.

 
Figura 2. Variação do total de casos confirmados em diversos países. Eixo vertical em escala logarítmica.

A China implementou o lockdown, restrição severa de deslocamento e fechamento de vários estabelecimentos considerados não-essenciais (basicamente o que não estava envolvido com alimentação, saúde, limpeza e segurança), em 23 de janeiro (quando contava então com 18 mortos e 600 casos no país) na região de Hubei, um dos locais mais fortemente atingidos no pais. Desde, então, na província, o número de novos casos têm diminuído - há cerca de 30 dias, os casos confirmados estão em cerca de 80.000 pessoas. Na Itália, a quarentena só foi imposta (nacionalmente) a partir de 9 de março (quando contabilizavam 9.172 casos na Velha Bota): localmente, em algumas províncias e cidades, governos locais haviam imposto quarentena a partir de 23 de fevereiro (quando contava com 157 casos conformados em todo o país): a curva parece estar diminuindo o ritmo de crescimento desde então. A França, que anunciou o lockdown no dia 16 de março (com 5.360 casos confirmados), também parece começar a apresentar um ritmo menor de aumento do número de casos.

A restrição não é a única alternativa, porém as outras opções também demandam bastante esforço e trazem consequências a valores bastante caros a sociedades democráticas. Por exemplo, na Coreia do Sul, são testados todos os casos suspeitos e todas as pessoas que tiveram contatos são monitoradas (colocando em quarentena todos os casos confirmados e os suspeitos ainda não testados). O país tem realizado cerca de 20 mil testes por dia, numa escala linear seria o equivalente ao Brasil realizar 80 mil testes diários. E a testagem é uma estratégia que só deve funcionar se instalada desde o início, quando a pandemia já estiver localmente espalhada dificilmente será possível monitorar todos os casos. Outra estratégia (considerada bastante invasiva da privacidade), também adotada pela China, é uma ampla e intensa vigilância sanitária em todos os pontos públicos: com aparelhos para medições de temperatura corporal em tempo real (para detectar potenciais casos de febre) e câmeras de vigilância com reconhecimento facial.

Veja também:
Atila Iamarino. 20.mar. O que o Brasil precisa fazer nos próximos dias.
Atila Iamarino. 22.mar. Por que é importante ficar em casa.
Dalson Britto Figueiredo Filho & Antônio Fernandes/Revista Questão de Ciência. 24.mar. Três cenários para o coronavírus no Brasil.

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