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domingo, 13 de outubro de 2019

Barraco científico: dos recentes bate-bocas públicos entre cientistas

Estas últimas semanas foram bem movimentadas e ilustrativas das disputadas que há em várias áreas das ciências.

Houve a polêmica em torno do artigo que detectou introgressão de genes de uma linhagem modificada em laboratório em populações naturais de mosquito da dengue; e outra sobre resultados anunciados de um estudo a respeito de efeitos biológicos dos agrotóxicos; e uma discussão aberta entre físicos a respeito da teoria das cordas e seu status científico*.

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Transferência de genes de mosquitos modificados para populações naturais

Com o disclêimer de minha ligação com as partes envolvidas a respeito do estudo do mosquito transgênico - fui orientado de mestrado de um dos autores do estudo (e que defende o artigo na íntegra), pelo que pude acompanhar da polêmica (tentei entrevistar tanto a Oxitec, quanto os autores do artigo que concordam e que discordam da versão publicada do próprio estudo, mas não consegui respostas), minha conclusão é que a discussão gira a respeito de um detalhe que nem afeta tanto - salvo a amplificação criada por interpretações equivocadas em certos veículos.

Os detalhes, além do artigo original podem ser lidos em:
.Bill Hathaway/YaleNews (10.set.2019): "Transgenic mosquitoes pass on genes to native species".
.Oxitec (18.set.2019): "Oxitec responds to article entitled 'Transgenic Aedes aegypti mosquitoes transfer genes into a natural population".
.Cesar Baima/Revista Época (21.set.2019): "A 'fake news' do 'supermosquito' transgênico que está gerando pânico no Brasil".
.Natália Pasternak/Revista Questão de Ciência (24.set.2019): "Autora repudia artigo sobre mosquito transgênico".
.Bernado Esteves/Revista Piauí (02.out.2019): "O supermosquito que nunca existiu".

Todos: a Oxitec, os autores do estudo que querem alteração ou retirada da publicação e os autores que defendem como está - concordam com o principal: a metodologia e os dados do estudo. Genes pertencentes à linhagem criada em laboratório - com a introdução de genes que fazem com que os machos não deixem descendentes viáveis - foram encontrados na população selvagem depois que a linhagem modificada foi liberada em massa para reduzir a população selvagem. Não os genes modificados que causam a inviabilidade da descendência, mas os genes que constituem o genoma das populações cruzadas para produzir a linhagem modificada.

A disputa está em algumas afirmações mais pontuais feitas no artigo:

*"The three populations forming the tri-hybrid population now in Jacobina (Cuba/Mexico/Brazil) are genetically quite distinct (Extended Data Fig. E2), very likely resulting in a more robust population than the pre-release population due to hybrid vigor."
["As três populações que formam a população agora tri-híbrida de Jacobina (Cuba/México/Brasil) são geneticamente bem distintas, muito provavelmente resultará em uma população mais robusta do que a população anterior à liberação em função do vigor híbrido."]

A Oxitec rebateu dizendo: "The data published in this paper and in the entire body of peer-reviewed literature do not support this hypothesis." ["Os dados publicados no artigo e em todo o corpo de literautra revisada pelos pares não sustenta essa hipótese."]

É bem verdade que no artigo é detectada uma tendência a diminuir o número de indivíduos com os genes da população modificada e nele é dito que: "This observation also implies that introgressed individuals may be at a selective disadvantage causing their apparent decrease after release ceased, although much more data would be needed to confirm this." ["Essa observação também implica que os indíviduos introgredidos podem estar em desvantagem seletiva causando sua aparente diminuição após a cessação da liberação, embora muito mais dados sejam necessários para confirmar isso."] O que é um tanto contraditório com o "muito provável" vigor híbrido.

Mas na literatura há, sim, precedentes de vigor híbrido (híbridos com maior capacidade de sobrevivência) em mosquitos (no caso, em Anopheles coluzzii). Descendentes de cruzamentos de populações distintas (ou os heterozigotos) que apresentam características de maior robustez e/ou capacidade reprodutiva do que os indivíduos das populações originais são um fenômeno bem conhecido na literatura. Não é, nem de longe, um resultado universal, mas é bastante frequente - ainda que os mecanismos ainda não estejam consensualmente esclarecidos (e.g. Comings & MacMurray 2000; Groszmann et al. 2013) .

Chamar de "muito provável" pode ser um exagero. Mas também dizer que a "não há apoio em toda a literatura" também é. É uma possibilidade, difícil de calcular, mas bem longe de zero. É algo a se olhar com atenção.

*"Also, introgression may introduce other relevant genes such as for insecticide resistance." ["Além disso, a introgressão pode introduzir outros genes relevantes tais como os que conferem resistência a inseticida."]

A Oxitec observa: "To the contrary, Oxitec has demonstrated that OX513A is not resistant to commonly used insecticides." ["Ao contrário, a Oxitec já demonstrou que o OX513A não é resistente a inseticidas comumente utilizados"]

É uma observação relevante, mas é preciso verificar a possibilidade de recombinação genética gerando um novo alelo ou uma nova combinação de alelos que possam conferir tal resistência. Novamente, não há um cálculo fácil dessa probabilidade; mas é também coisa para se acompanhar.

*"These results demonstrate the importance of having in place a genetic monitoring program during releases of transgenic organisms to detect un-anticipated consequences." ["Estes resultados demonstram a importância de se ter um programa de monitoramento genético durante as liberações de organismos transgênicos para se detectar consequências não-antecipadas."]

Ninguém contesta a necessidade de se manter um programa de monitoramento. Alguns autores contestam de que a introgressão seja uma consequência não-antecipada - já que, em laboratório, cerca de 3 a 4% dos machos modificados eram capazes de se reproduzir. Mas Powell, um dos autores que defendem o artigo, salienta que os descendentes se mostram pouco viáveis no laboratório e, por isso, imaginava-se que, em campo, não haveria uma transferência significativa de genes.
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Uma observação feita por críticos é que pelo menos alguns autores fazem parte de uma empresa que agora é concorrente da Oxitec Brasil - a Moscamed. No entanto, não anotaram nada no campo de declaração de interesses conflitantes. Isso deveria ter sido deixado claro.

Mas uma coisa que não ficou claro é por que os autores que discordam da versão publicada do artigo não leram antes o texto final. Não consegui informações de se foi distribuído ou não para os autores - dos autores que concordam com o artigo, apenas um se manifestou, e disse haver lido. Apenas uma pessoa que não concorda com o artigo parece haver se manifestado publicamente até agora e disse não haver lido nem recebido.

Upideite(21.dez.2020): Em março deste ano, a equipe editorial da Scientific Reports publicou um adendo ao artigo relatando pontos de preocupação com a metodologia e as conclusões.
- o título, o resumo e a introdução podem dar a entender que foram amostrados espécimes da população natural com o transgene por um período longo de monitoramento, mas foram analisados somente espécimes sem o transgene e durante o período de liberação dos mosquitos transgênicos, não se mencionou também trabalho de alguns dos autores que mostravam que o transgene introgresso era perdido na população com o tempo;
- na discussão, o artigo menciona a possibilidade do vigor do híbrido, mas os dados do próprio artigo sugerem um rápido declínio do número de indivíduos híbridos após a liberação;
- a sugestão na conclusão da necessidade de monitoramento genético durante a liberação não menciona que tal programa já existe.


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As outras duas celeumas não acompanhei tão de perto e não tenho uma opinião formada - apenas em alguns pontos.

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Efeitos dos agrotóxicos
.Roberta Jansen/Estadão (04.ago.2019): "Pesquisa indica que não há dose segura do agrotóxico"
.Cristiano Zaia/Valor (06.ago.2019): "Anvisa e Agricultura contestam pesquisa do Butantã sobre agrotóxicos"
.Marina Simões/A Pública (30.set.2019): "Pesquisadora é perseguida após comprovar que não existe dose segura de agrotóxicos"
.Natalia Pasternak/Revista Questão de Ciência (04.out.2019): "Sim, existe 'concentração segura' de agrotóxicos"
.Mônica Lopes Ferreira (5.out.2019): Pronunciamento!

Punição/persecução
Minhas observações. Pelo que pude levantar a punição à pesquisadora deveu-se ao fato de ela não haver submetido o projeto ao conselho de ética do instituto - o que é necessário por se utilizar animais nos experimentos. Não falei ainda com a pesquisadora a respeito.

Dose segura.
Há uma certa briga na literatura acerca da definição de dose segura (e.g. Hrudey & Krewski 1995, Polkey et al. 1995Fryer & McLean 2011,  Moss 2013). Existem críticas a modelos chamados de lineares sem limiar - neles, as concentrações não nulas de substâncias terão efeitos (benéficos e maléficos) em qualquer dose (de modo proporcional). Pode-se argumentar, com razão, que, em muitos casos, em concentrações suficientemente pequenas os efeitos deletérios serão também muito pequenos e poderão ser aceitáveis (em níveis determinados por agências reguladoras - direta ou indiretamente envolvendo a sociedade para dizer o que é aceitável). Em outros casos, pode haver concentração abaixo da qual não é observado nenhum efeito. De qualquer maneira, é usada na literatura - ainda que de modo minoritário - a expressão "sem dose segura" ("no safe dose") quando qualquer nível não nulo causa algum efeito ruim, por mais baixo que seja.

A minha proposta, levando em conta a análise de benefício/custo, é comparar a dose máxima de aplicação em que não ocorre nenhum efeito grave e a dose mínima de aplicação para que ocorra algum efeito benéfico significativo. Se a dose para efeito benéfico for igual ou maior do que a dose sem efeito grave, podemos considerar como "sem dose segura". Se a dose para o efeito benéfico for menor do que a dose sem efeito grave, a "dose segura" é o intervalo entre os dois.

Se é um ou outro caso, seria preciso verificar o que a pesquisadora encontrou. Que o relatório seja liberado logo para uma análise.

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As discordâncias são importantes para as ciências - elas ajudam a trazer pontos de vistas não vislumbrados anteriormente, o que pode levar a correções de falhas ou ao aperfeiçoamento de medidas e métodos -, mas essas parecem ter extrapolado um pouco no tom. No caso dos mosquitos transgênicos talvez nem todos os detalhes relevantes estejam abertos para o público para se entender por que diferenças tão pequenas de interpretação parecem tão vitais para as partes envolvidas. Ok, da Oxitec como empresa que fornece a tecnologia talvez seja mais fácil de se compreender. No caso do estudo sobre agrotóxicos também informações relevantes estão faltando do pouco que consegui apurar e acompanhar.

Não são polêmicas que a imprensa foi buscar dos recônditos das discussões acadêmicas. As próprias partes envolvidas vieram a público para externar seus pontos de vista, mas, na hora de um esclarecimento maior a respeito de detalhes importantes, parecem recuar.

Não é tanto o dissenso público que pode causar danos à ciência e eventualmente à sua reputação junto ao público, mas mais o comportamento das partes - o tom usado e a falta de transparência em muitos casos.

*Upideite(13.out.2019): Na verdade, a briga dos físicos é mais velha, de 2016. Porém, houve uma retomada recentemente.

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Desenevoando a rede de neblina: sobre segurança e ética de captura de animais para pesquisa

Em o que me remete ao caso do Instituto Royal, uma docente universitária atacou a pesquisa de outros pesquisadores universitários que usam a rede de neblina - uma rede de malha bem fina fios bem finos para captura de aves e morcegos para fins de estudo.

Quando utilizada por pessoal devidamente autorizado e treinado, o instrumento é bastante seguro para os animais que acabam se emaranhando na rede.

Embora algum nível de estresse deva ser inevitável, segundo dados disponíveis, é bastante raro ocorrer ferimento - apenas 0,59% (± 0,68%) dos indivíduos capturados acabam sofrendo alguma injúria física - e mais raro ainda que algum morra - uma probabilidade de 0,23% (± 0,15%; menos de 3 indivíduos a cada 1.000 capturados morrem). E não parece interferir no sucesso reprodutivo das aves capturadas e liberadas em seguida.

A técnica pode aumentar a exposição dos indivíduos presos a predadores, mas isso pode ser controlado diminuindo-se o intervalo entre as visitas às redes para verificar se houve alguma captura. Tal cuidado também pode diminuir o grau de emaranhamento dos indivíduos na rede - o que pode levar a cortes e estrangulamentos, além de estresse mais alto. Protocolos geralmente garantem prioridade para a remoção da rede de indivíduos que pareçam estar em condições mais precárias ou potencialmente precárias (risco de ferimentos ao se debater, p.e.).

O uso da rede é necessário para estudo de espécies de hábitos noturnos - já que a simples observação com binóculos é bastante prejudicada - e também para a captura para aquisição de dados biométricos como peso corporal ou envergadura da asa; amostras biológicas como sangue e tecido; e marcação como anilhamento. Esses estudos permitem acompanhar a saúde das populações locais - quantos indivíduos são? estão diminuindo em número? estão conseguindo obter alimentos suficientes? qual o grau de cruzamento entre indivíduos proximamente aparentados? eles migram para outros locais? Essas e outras informações são fundamentais para não apenas se entender a biologia básica e o estado da população dos organismos, mas para a própria conservação das espécies - mapear áreas que são vitais para a sobrevivência (onde ocorrem os alimentos, p.e.), o tamanho da área necessária, que manejos podem ser necessários (controlar predadores? parasitas? trazer indivíduos de outros locais para repopular e aumentar a variabilidade genética?), etc.

Esses dados são essenciais para saber que espécies preservar e como preservar. Esse planejamento não é possível com simples achismos. Há outras técnicas que poderiam substituir as redes, mas com impacto definitivamente maior - como o abate de espécimes (que é praticado em algumas circunstâncias, como para obter espécimes de referência para museus) ou uso de armadilhas de gaiola (que podem acabar capturando outros organismos, como pequenos mamíferos arborícolas; e causar mais ferimentos no organismos que se debate em seu interior, já que não são tão flexíveis quanto redes).

A vigilância e o questionamento são necessários. É verdade que a rede de neblina foi utilizada por décadas sem que houvesse estudos sistemáticos sobre seu impacto e segurança - em parte porque os pesquisadores, na prática, não notavam um número muito grande de animais feridos ou mortos -, mas agora há. Podem ser necessários mais estudos? Talvez seja prudente - ainda que as mais de 600.000 capturas incluídas no estudo sejam uma amostra respeitável, pode ser que seja necessário estudar em mais locais.

Porém a simples destruição das instalações, a difusão impensada de opiniões mal embasadas - inclusive com mensagens agressivas e até xenofóbicas (um dos pesquisadores acusados é de origem peruana, ao que parece) -, não contribui nem com um eventual aperfeiçoamento das técnicas de estudo e muito menos com a conservação adequada das espécies. Incute também um espírito de caça às bruxas, como a que resultou na destruição do Instituto Royal - e consequente interrupção de importantes pesquisas.

Veja também:
Canal do Slow (14.jun.2018): A UERJ e a 'matança' de aves!
Jornal da Ciência (14.jun.2018): Entidades científicas divulgam manifestações em apoio à pesquisadora Maria Alice dos Santos Alves e equipe da Uerj
Canal do Pirula (15.jun.2018): Sabotagem à pesquisa e 'crueldade com animais'
BBC (21.jun.2018): Ativistas destroem experimento científico para libertar pássaros na Ilha Grande
Grrlscientist (01.jul.2011): How safe is mist netting for birds?

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Experimentação animal: cientistas brutos?

Já abordei a questão da experimentação animal aqui no GR à época da invasão e destruição das instalações do Instituto Royal e São Roque, SP.

Retomo por causa de uma acusação feita por uma pessoa envolvida em ativismo das causas animais. Segundo essa pessoa: "cientistas brasileiros não buscam alternativas porque não se preocupam o suficiente com os animais que utilizam".

Se a afirmação/negação é falsa em pelo menos um dos dois pontos: "cientistas brasileiros não buscam alternativas ao uso de modelos animais na experimentação científica", "cientistas não se preocupam com os animais que usam", ela será falsa no conjunto.

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Em um levantamento publicado em 2009 com pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, com 38 questionários respondidos:

a) sobre o uso de animais dentro da própria linha de pesquisa dos respondentes:
"03. Assinale a opção que mais se aproximaria de sua opinião sobre o uso de animais na sua linha de pesquisa?
(1) uso os animais, pois estes não sofrem, ou sofrem muito pouco, com os procedimentos que utilizo;
(2) o fato de que os animais foram criados para esta finalidade faz com que seu uso seja mais aceitável eticamente;
(3) tenho pena de usar os animais, mas não vejo outra forma de obter resultados;
(4) não tenho pena dos animais. A saúde humana é o que realmente me importa;
(5) se houvesse outras metodologias disponíveis, não utilizaria os animais por consideração aos mesmos;
(6) é uma metodologia padrão adotada praticamente em todo mundo nesta linha de pesquisa, logo não vejo nenhum problema com este uso."

43,2% utilizariam modelos alternativos se disponíveis; 20,5% não levantaram nenhum questionamento quanto às metodologias atualmente predominantes; 18,2% ignoravam ou desconsideravam o sofrimento animal;

b) sobre o uso de animais nas pesquisas em geral:
"04. Com qual das opiniões mais se identifica, sobre a experimentação animal em geral:
(1) não vejo motivos para controvérsias sobre a experimentação animal;
(2) quem critica a experimentação animal não entende, ou entende muito pouco, de pesquisa ou de ciência;
(3) a crítica à experimentação animal, quando bem feita, é saudável à ciência e à pesquisa;
(4) isso deve ser discutido entre especialistas no assunto, e não pela sociedade civil;
(5) a experimentação animal é indispensável à ciência e ao progresso para saúde animal e humana;
(6) a ciência é capaz de encontrar outros métodos que não envolvam a experimentação em animais, e isso deve ser tarefa da ciência;"

40% apresentaram abertura à crítica, consideram que esta, quando bem feita, é saudável à pesquisa; 36,4% apontam que o uso de animais é indispensável;

c) quanto ao incômodo moral com o uso de animais:
"05. Atualmente, ao manipular os animais em experimentos, sente algum tipo de incômodo moral?
( ) sempre / ( ) quase sempre / ( ) poucas vezes / ( ) nunca
06. Ao manipular os animais em experimentos, no início de sua formação acadêmica, costumava sentir algum tipo de incômodo moral?
( ) sempre / ( ) quase sempre / ( ) poucas vezes / ( ) nunca "

no início da formação acadêmica - 63,1% sentem algum incômodo, 28,9% nunca se sentiram incomodados; no estágio então atual da carreira - 55,2% sentiam algum incômodo, 36,8% nunca sentem tal incômodo;

d) percepção de sofrimento animal em suas pesquisas:

"08. Qual o nível de sofrimento animal (dor, estresse, angústia...) causado pelos procedimentos empregados em sua linha de pesquisa?
( ) nenhum sofrimento
( ) pouco sofrimento
( ) algum sofrimento
( ) muito sofrimento
( ) não saberia dizer"

65% consideram que os animais têm algum sofrimento; 21,1% consideram que os animais não passam por nenhum sofrimento em suas pesquisas;

e) justificação do uso de animais:

"10. Assinale a opção que mais corresponde à sua opinião: “O uso de animais pela ciência apenas pode ser eticamente justificado quando”:
( ) tem potencial de trazer benefícios à saúde humana;
( ) tem potencial de trazer benefícios à saúde de animais domésticos, além da saúde do próprio homem;
( ) além dos possíveis benefícios à saúde, tem potencial de trazer benefícios econômicos;
( )faz avançar o conhecimento humano;"

47,6% quando beneficia os seres humanos e animais domésticos; 31% quando faz avançar o conhecimento;

f) debate bioético promovido durante a formação dos respondentes:

"12. Na sua formação enquanto pesquisador (graduação e pós-graduação), os questionamentos e debates voltados à experimentação animal, provocados pelos professores em discussões abertas e críticas, eram
( ) muito freqüentes
( ) freqüentes
( ) ocasionais
( ) raros
( ) inexistentes
( ) não lembra"

42,1% ocasionalmente; 26,3% em raras ocasiões;

g) disciplina de ética na formação dos respondentes:

"13. Na sua formação enquanto pesquisador (graduação e pós-graduação), o papel da disciplina de ética, em seus conteúdos voltados à ética na experimentação animal a partir de perspectivas mais críticas, pode ser considerada como:
( ) satisfatório ( ) parcialmente satisfatório ( ) insatisfatório ( ) inexistente "

36,8% parcialmente satisfatória;

h) modelos substitutivos:

"14. Escolha a opção abaixo que melhor reflete sua opinião em relação aos métodos de pesquisa substitutivos ao modelo animal:
( ) envolvem grande investimento financeiro;
( ) não possuem validade científica;
( ) não oferecem um caminho seguro de investigação;
( ) são pouco conhecidos;
( ) na grande maioria dos casos, não é possível substituir o modelo animal na pesquisa científica;"

>50% experimentação animal é insubstituível; >20% pouco conhecidos;

Com esses dados é um tanto estranha a conclusão dos autores desse estudo de que: "O que temos aqui é uma situação provavelmente que mistura interesse e falta de informação. Os/as pesquisadores/as que disseram que substituiriam a experimentação animal parecem ter assinalado essa somente por ser, aparentemente, uma situação hipotética, já que a maioria considera que na maior parte dos casos ela não é substituível.

[Lista de métodos substitutivos: cultura de células e tecidos, simulações, nanotecnologia, etc.]

Como vimos, é bastante possível considerar a substituição de animais em procedimentos experimentais. O que parece se demonstrar é uma possível falta de interesse em desenvolver novas metodologias e até mesmo de buscar as existentes, uma vez que 23,3% dos/as pesquisadores/as amostrados/as tenham alegado ser tais técnicas pouco conhecidas. Com isso, parece haver a sugestão de uma resistência em abandonar uma prática à qual estão acostumados/as a empreender".

No questionário utilizado os pesquisadores não foram perguntados se utilizaram ou se procuraram utilizar dessas e outras alternativas.

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Um outro levantamento foi feito com pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu-SP apresentado em 2010: 34 questionários foram respondidos.

a) Justificativa:
"4)Justificativa do trabalho com os animais" (questão aberta)

~90% melhoria da saúde humana ou animal; ~10% avanço do conhecimento;

b) Preocupação com o bem estar animal:
"6)Existe incômodo moral ?(de 0 a 10, sendo 10 o limite máximo de incômodo) 

7)Existe preocupação em relação ao sofrimento do animal ?(de 0 a 10, sendo 10 o limite máximo de preocupação)"

"Sendo que, no geral, todas as pessoas com mais de 20 anos de trabalho com animais possuem
preocupação máxima com a minimização do sofrimento do animal, porém não demonstram
possuir incômodo moral em relação à prática, o que pode ser justificado pela consciência de
estar fazendo da melhor forma possível, ou pela cegueira ética condicionada com o tempo,
visto que as pessoas que possuem menor tempo de trabalho, abaixo de 10 anos são as que
demonstraram sentir pelo menos algum incômodo moral."

c) debate bioético promovido durante a formação dos respondentes:
"9) Houve debate sobre o assunto em sua formação?
( )sim, bastante ( )sim, suficiente ( )sim, pouco ( )não"

~50% sim; ~50% pouco ou nenhum.

d) modelos substitutivos:
"10) Opinião sobre a viabilidade de modelos alternativos (de 0 a 10, sendo 10 o limite máximo para a possibilidade)"

média 5,6

A conclusão da autora, no entanto, também é um tanto estranha: "As sinalizações gerais apontam para uma opinião simpatizante por parte dos pesquisadores na adoção dos modelos substitutivos para algumas pesquisas que não sejam a deles, demarcando também a falta de informação ou até mesmo de interesse por parte dos pesquisadores em buscar metodologias que não necessite de animais e que sejam tão ou até mais eficientes".

Não há no questionário nada relacionado ao interesse dos pesquisadores em modelos substitutivos.
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De modo geral, os pesquisadores respondentes estão preocupados com o bem estar dos animais utilizados em seus próprios experimentos e nos experimentos científicos de modo geral.

Os pesquisadores demonstram algum ceticismo da viabilidade da substituição do uso de animais em determinadas pesquisas sem perda importante de generalidade e precisão. Os autores dos dois estudos aqui citados interpretam isso como desconhecimento, mas os questionários utilizados não permitem essa conclusão - ainda que seja uma possível.

Embora o tamanho amostral seja reduzido, baseando-nos em uma certa homogeneidade (ainda que nem de longe absoluta) dos pesquisadores, podemos extrapolar (com o devido cuidado) que os pesquisadores brasileiros preocupam-se, sim, em minimizar o sofrimento de seus sujeitos experimentais: camundongos, ratos, sapos, peixes, alunos de graduação e pós-graduação... (nem que seja para atender às demandas e exigências dos comitês de ética).

Assim:

"cientistas brasileiros não buscam alternativas ao uso de modelos animais na experimentação científica" (V/F)
"cientistas não se preocupam com os animais que usam" (F)
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"cientistas brasileiros não buscam alternativas porque não se preocupam o suficiente com os animais que utilizam" (F)

Claro que se pode fazer alguma discussão em torno do termo "suficiente".

Upideite(21/ago/2015): Um levantamento online obteve 12 respostas com pesquisadores brasileiros que trabalham com diagnóstico da raiva. As justificativas mais frequentes para o uso de inoculação cerebral em camundongos em vez de métodos in vitro validados foram:
a) falta de recursos humanos e capacitação profissional - 5 respostas;
b) acomodação, hábito e falta de boa vontade das pessoas - 4;
c.i) falta de recursos financeiros - 3;
c.ii) barreiras regulatórias e falta de incentivo do governo - 3;
c.iii) barreiras cultural e ética - 3;
d.i) falta de estrutura dos laboratórios, equipamentos e materiais - 2;
d.ii) falta de conhecimento e conscientização - 2;
d.iii) importância dos fatores orgânicos para observação da doença - 2;
e.i) baixa sensibilidade ou falhas das técnicas in vitro - 1;
e.ii) facilidade e baixo preço do IVC - 1;
e.iii) falta de tempo - 1.

Com a mesma plataforma online os autores obtiveram respostas de 35 pesquisadores anglófonos e 12 lusófonos (dos quais 11 trabalhavam no Brasil).
7 anglófonos e 6 lusófonos utilizavam o método in vivo de diagnóstico de raiva.
1 anglófono e 5 lusófonos responderam que o custo de implementação do método in vitro levava a escolherem o procedimento in vivo.

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Para um trabalho de conclusão de curso de 2013, foram entrevistados 20 pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp/Botucatu-SP. Os entrevistados foram divididos em dois grupos: os contratados antes da lei Arouca 11.794/2008 e os contratados depois (mas no relato não é dado o tamanho de cada grupo).

"1) Do seu ponto de vista, qual é a abrangência da Bioética?"

58,5% citaram a ética na pesquisa e nas relações humanas, sem incluir questões ambientais (como OGMs, bem estar animal, agrotóxicos, etc).

"2) Você tem conhecimento de legislação sobre experimentação animal?
( ) Não.
( ) Sim. Se sim, cite exemplos."

100% dos pós-Arouca demonstraram conhecer a legislação; 75% dos pré-Arouca.

"3) O que mudou no seu laboratório e em suas pesquisas após a criação do comitê de ética na Universidade?"

4) Você teria feito mudanças em seu laboratório e em suas pesquisas caso não houvessem sido criados esses comitês?"

100% dos pré-Arouca mudaram procedimentos.
16,7% dos pré-Arouca disseram que mudariam mesmo sem os comitês.

"5) Durante sua carreira de pesquisador, você já mudou seus sentimentos frente ao sofrimento animal?"

25% dos pós-Arouca relataram ter mudado; 75% dos pré-Arouca.

Novamente, a conclusão dos autores vai além do que os dados permitem entender: "Portanto, conclui-se que em sua maioria, os pesquisadores concebem a ética na experimentação animal como obediência [à]s Leis instituídas e que a consciência ao bem estar animal é algo que ainda está distante e esse tema necessita ser exposto e mais debatido para que se crie uma consciência crítica a respeito". Por exemplo, para uma boa base para se afirmar que é pura obediência formal à lei, sem concordância com seu teor, a pergunta '4' deveria ser complementada com uma questão do tipo: "Se a lei fosse abolida, retornaria aos procedimentos anteriores? Por quê?"

Upideite(22/ago/2015): Levantamento para pesquisa de doutoramento na UFSC em 2012, com 185 docentes de 17 IFES.

a) Conhecimento do conceito dos 3Rs (redução, substituição/replacement, refinamento: redução de sofrimento/estresse):
Entre pesquisadores que publicaram trabalhos com uso de animais:
~80% alto/mediano;
10~20% pouco/nenhum.
Entre os que não publicaram:
40~60% alto/medino;
40~60% pouco/nenhum.

b) Importância dos princípios dos 3Rs:
Entre os docentes dos departamentos de Fisiologia (Gfis):
69% os três igualmente importantes;
12,3% redução;
11% refinamento;
8% substituição.
Entre os docentes dos departamentos de Farmacologia (Gfar):
68% os três igualmente importantes;
18,5% refinamento;
8% redução;
6% substituição.

c) Posicionamento quanto ao uso de animais:

Opção Gfis (%) Gfar (%)
"Acredito que há métodos melhores que a experimentação animal em pesquisas sobre saúde humana e animal. Estou trabalhando ativamente em pesquisas que substituem animais em alguns experimentos em minha linha de investigação" 1,3 3,8
"A experimentação animal é uma necessidade para a maioria das pesquisas atuais. Sua importância é inegável, e tem sido a responsável pela maioria dos avanços na saúde humana e animal" 44,3 38,1
"Não acredito que a pesquisa experimental abandone totalmente o uso de animais, independente de minha opinião sobre este assunto" 20,3 31,4
"Eu entendo que novas tecnologias possam vir a substituir o modelo animal em pesquisas sobre saúde humana e animal, assim como a razão disso acontecer, mas minha área de pesquisa exige usar animais como modelo" 20,3 17,1
Nenhum das opções acima 13,9 9,5

"5) Animais frequentemente utilizados na pesquisa aplicada (como camundongos e ratos) são modelos preditivos para seres humanos"
Gfis: 68% concordam; 9,4% discordam (n=53);
Gfar: 74% concordam; 10% discordam (n=81).

"6) Modelos experimentais baseados em humanos são o melhor caminho para alcançar resultados efetivos relacionados à saúde humana"
Gfis: 42% concordam; 39% discordam;
Gfar: 57,5% concordam; 29% discordam.

"7) A tecnologia aplicada à pesquisa experimental não será capaz de substituir o modelo animal"
Gfis: 63,3% concordam; 19% discordam;
Gfar: 58,5% concordam; 28,3% discordam.

"8) Abandonar a modelagem animal na pesquisa experimental causará sérios atrasos na descoberta de novas drogas e terapias, seja para humanos ou animais"
Gfis: 83,5% concordam; 11,4% discordam;
Gfar: 79,2% concordam; 14,2% discordam.

"9) É um exagero considerar a experimentação animal como principal responsável pelos avanços na saúde humana"
Gfis: 24,1% concordam; 62% discordam;
Gfar: 35,8% concordam; 49,1% discordam.

"10) Problemas éticos suscitados pela experimentação animal são superados pelo impacto positivo que a experimentação animal causa sobre a saúde humana e animal"
Gfis: 49,4% concordam; 30,4% discordam;
Gfar: 50,9% concordam; 31,1% discordam.

"11) Resultados obtidos da experimentação animal são duvidosos e confusos considerando sua aplicação em seres humanos"
Gfis: 3,8% concordam; 84,8% discordam;
Gfar: 13,2% concordam; 70,8% discordam.

"12) As descobertas científicas que mais contribuíram para prolongar a vida humana resultaram basicamente de estudos e observações clínicas, e não de testes feitos em animais vivos de outras espécies"
Gfis: 3,8% concordam; 70,9% discordam;
Gfar: 10,4% concordam; 62,3% discordam.

"13) A pesquisa científica poderá vir a substituir o uso de animais considerando-se um financiamento substancial dirigido ao desenvolvimento de outras técnicas experimentais"
Gfis: 38% concordam; 50,6% discordam;
Gfar: 44,3% concordam; 34,9% discordam.

"14) A tradição é a principal força que mantém a experimentação animal como um método científico da pesquisa experimental"
Gfis: 12,7% concordam; 82,3% discordam;
Gfar: 10,4% concordam; 82,1% discordam.

"15) A experimentação animal é essencial à ciência"
Gfis: 77,2% concordam; 13,9% discordam;
Gfar: 70,8% concordam; 12,3% discordam.

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