Lives de Ciência

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domingo, 23 de outubro de 2016

Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 28

Minhas anotações de Bruin & Bostrom 2013 sobre como fazer levantamento a respeito do que deve ser referido na comunicação pública de ciências.

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Bruin, W.B. & Bostrom, A. 2013. Assessing what to address in science communication. PNAS 111 (S-3): 14062-14068. DOI: 10.1073/pnas.1212729110

Barreiras à comunicação efetiva
.Especialistas não são bons modelos sobre não-especialistas a respeito do que e como se comunicar: em que os não-especialistas acreditam e o que ainda necessitam saber para tomar decisões informadas.
.Tendência a apresentar informações desnecessariamente complexas e a usar jargões.

Abordagem de modelos mentais
.Modelos mentais: pessoas tendem a interpretar novas informações à luz de suas crenças prévias;
.Abordagem de modelos mentais: participação tanto de especialistas quanto de não-especialistas em 4 etapas.
1. Identificar o que as pessoas necessitam saber para tomar decisões mais informadas (modelo de decisão por especialistas - expert decision model)
.Revisão da literatura;
.Painel de especialistas;
2. Identificar o que as pessoas já sabem e como elas toma suas decisões (modelo de decisão por leigos - lay decision model)
.Entrevistas semi-estruturadas para identificar as crenças e expressões (wording) relevantes;
.Levantamento de acompanhamento (follow-up surveys) com amostras maiores a fim de examinar a prevalência das crenças dos entrevistados;
3. Elaborar (design) o conteúdo a ser comunicado
.Comparar o modelo de decisão por leigos com o modelo de decisão por especialistas;
.Referir-se a lapsos comum e erros de concepção em palavras compreensíveis;
.Testar iterativamente a comunicação para a adequação e compreensão (com membros da audiência pretendida), bem como para a precisão (com o grupo de especialistas);
4. Testar a eficiência do conteúdo comunicado
.Conduzir testes aleatorizados controlados para verificar o efeito da comunicação (vs. controle) sobre a compreensão, tomada de decisão e comportamento dos dos recipientes.

Entrevistas semi-estruturadas
Objetivos e desafios.
.Caracterizar as crenças dos entrevistados sobre o tópico em consideração, incluindo falhas de conhecimento (knowledge gaps) e erros conceituais (misconceptions) que necessitam de intervenção, bem como a respeito de modos preferidos de expressão (wording);
.Questionar sem sugerir ideias ou terminologias específicas;
.Perguntas abertas como "você pode me falar mais sobre isto?" para encorajar mais discussões sobre o tópicos que surgirem;
.Após esgotar as explicações dos entrevistados, questões de acompanhamento podem ser mais direcionadas, objetivando cobrir sistematicamente as questões relevantes (como exposição ao risco, efeitos potenciais e mitigação) ou avaliar as definições leigas de termos preferidos pelos especialistas;
.Entrevistadores devem ser ouvintes ativos utilizando métodos de aconselhamento dos assistentes sociais ou de entrevistas etnográficas dos antropólogos: manter tom encorajador, não julgador, mesmo quando o entrevistador considerar incorreto ou imoral o que é partilhado pelo entrevistado, não interferir quando o entrevistado parar para buscar palavras;
.Entrevistadores devem se conter para não tentar educar os entrevistados sobre o tópico investigado, oferecer informações sobre folhetos e contatos com organizações de extensão somente ao fim da entrevista;
.Toda pesquisa com humanos devem ser previamente aprovadas pelo Comitê Interno de Pesquisa da instituição de pesquisa.
Modos comuns de entrevistas
.Entrevistas por telefone: permite uma maior abrangência geográfica;
.Entrevistas presenciais: pistas visuais (como indicação de fadiga ou confusão);
.Entrevistas com grupo focal (focus group): formação de decisão em grupos, não permite avaliar aprofundadamente a compreensão individual do tópico - entrevistados tendem a não expressar opiniões que não são compartilhadas com o restante do grupo.
Análise.
.Transcrição e codificação;
.Dois codificadores independentes devem concordar se os conceitos-chave para a tomada de decisão foram expressos pelo entrevistados;
.Novos códigos podem ser usados para conceitos não listados como chave pelos especialistas;
.Dois ou mais avaliadores devem ser treinados para a aplicação do código com entrevistas que são representativas, mas que não fazem parte do estudo, espera-se uma concordância na aplicação dos códigos na casa dos 70% para a confiabilidade (reliability) da codificação;
.Se dois conceitos são muito similares para os avaliadores distinguirem, eles podem ser agrupados em um único termo que abranja a ambos.
Amostragem.
.Por causa do grande trabalho demandado na realização e análise das entrevistas, geralmente elas são feitas até que se atinja a saturação - novas ideias e conceitos deixem de surgir;
.Tipicamente isso ocorre com 10 a 15 entrevistas;
.Para aumentar a probabilidade de se captar as ideias mais comuns, deve se procurar pessoas dos mais variados históricos (backgrounds) e dos diferentes grupos de interesse (stakeholders);
.Como os grupos são pequenos, tendem a não ser representativos;
.Pesquisas mais amplas (surveys) são mais eficientes para captar a frequência dos conceitos na população;
.Mas a fase de entrevistas ajuda a orientar a produção de questionários para as pesquisas.

Pesquisa de opinião pública (follow-up public perception survey)
Objetivos e desafios.
.Avaliar a prevalência na população de crenças específicas detectadas na fase de entrevistas iniciais e como elas e outros fatores dirigem as decisões;
.Questões estruturadas de conhecimento são recomendadas para as grandes amostras necessárias porque são mais fáceis de avaliar as respostas corretas do que questões abertas;
.Mas elas podem levar os respondentes a escolherem as opções de acordo com as pistas fornecidas;
.Questões de verdadeiro/falso são recomendadas no lugar de questões de múltipla escolha por fornecerem menos pistas aos respondentes;
.No entanto, a exposição a afirmações falsas podem levar à falsa memória nos respondentes de que elas sejam verdadeiras;
.O fornecimento de feedback formativo após o preenchimento do questionário pode diminuir esse problema;
.Questões de verdadeiro/falso podem ser seguidas de avaliação sobre o grau de certeza dos respondentes - variando de 50% (chute) a 100% (certeza);
.O uso da opção "não sei" tende a aumentar a taxa de ausência de respostas;
.O uso de opções "possivelmente verdadeiro" e "possivelmente falso" pode ser uma solução de compromisso ao grau de certeza do tipo "estou x% certo", mas oferece menos informação;
.Além de conhecimento, habilidades (numeracia, interpretação de gráficos) e preferência de riscos em diferentes domínios, atitudes e emoções também afetam a tomada de decisão pelas pessoas;
.Diferentes formatos de questões podem ser usados para avaliar as decisões: completar espaços em branco, escolher a melhor opção de um conjunto, classificar em ordem de preferência, avaliar cada item de acordo com escala (1=muito ruim a 7=muito bom);
.As questões podem afetar as respostas dos entrevistados;
.Uso de questões de múltipla escolha permite correlações entre as diferentes respostas eliciadas, mostrando a consistência das respostas;
.Para diminuir a dependência de auto-declarações, idealmente informações de comportamentos reais dos entrevistados devem ser obtidos por meio de observações independentes e registros em arquivos;
.As questões devem ser formuladas com palavras compreensíveis aos entrevistados;
.Realizar entrevistas cognitivas piloto ajuda a detectar possíveis mal entendidos das questões.
Métodos comuns de pesquisa de opinião
.Questionário em papel ou online, pessoalmente ou por telefone;
.Tempo, dinheiro disponível, habilidades e preferências dos respondentes, sensitividade do tópico devem ser levado em consideração para a escolha do modo de aplicação;
Análise
.Análise de regressão pode permitir ver como conhecimento e atitude se relacionam com decisão;
.Erros conceituais que parecem dirigir comportamento serão prioritários para intervenção.
Amostragem
.Seleção aleatória é mais provável de produzir amostra não-enviesada, mas pode ser difícil de implementar sem uma lista completa de membros das audiências específicas;
.Amostra de conveniência diversa pode ser suficiente nos casos em que se pretende apenas estabelecer correlação entre crenças e comportamentos.
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domingo, 28 de agosto de 2016

Os baPho-s da fosfoetanolamina sintética 5

Mais uma batelada de relatórios de testes com a fosfoetanolamina sintética (Pho-S). O Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos - CIEnP - de Santa Catarina fez estudos de toxicidade de doses diárias da Pho-S em ratos e também estudos de farmacocinética também em ratos.

Toxicidade
Dose única. Não se observou nenhum efeito tóxico na dose máxima testada: 5.000 mg/kg por via oral (n = 3 machos/3 fêmeas de ratos Sprague Dawley por dose testada).
7 dias. A dose testada foi de 1.000 mg/kg-dia. Não se observou nenhum efeito tóxico. (n = 5 machos/5 fêmeas de ratos Sprague Dawley.)
28 dias. Foram testados doses de 100 mg/kg-dia; 500 mg/kg-dia e 1.000 mg/kg-dia. (n = 8 machos/8 fêmeas de ratos Sprague Dawley.)

Nas doses de 500 e 1.000 mg/kg-dia foram observadas alterações hematológicas nos animais abatidos imediatamente após a interrupção do tratamento (animais principais): redução de hemácias, hemoglobina e hematócrito, e também houve alterações nos níveis de cálcio, fósforo, creatinina e bilirrubina total. Não se observaram alterações histopatológicas nem no tamanho dos órgãos. Nos animais que foram abatidos 14 dias após a interrupção dos tratamentos (animais de recuperação), não se observaram alterações.

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A monoetanolamina (ou simplesmente etanolamina, MEA) compõe a mistura que é a Pho-S na proporção de 18,2% a 37,5%. A DL50 oral em ratos varia de 732,24 mg/kg a 1.830,6 mg/kg. A dose de 1.000 mg de Pho-S deve ter algo entre 182 a 375 mg, enquanto a de 5.000 mg, entre 910 e 1.875 mg. O NOEL (nível sem observação de efeitos) é de 120 mg/kg-dia.

A não observação de letalidade nos indivíduos estudados, bem como outros efeitos graves, pode se dever a flutuação estatística pelo tamanho amostral relativamente baixo para cada dose ou a interações da MEA com outros compostos presentes na mistura.

Por exemplo, a etanolamina hidroclórica (EA HCl) não apresenta toxicidade a doses de 1.000 mg/kg-dia durante cerca de 100 dias. O NOAEL (nível sem observação de efeitos adversos) é de 300 mg/kg-dia

Farmacocinética
Pho-S foi aplicada em ratos intravenosamente (20 mg/kg) e também oralmente (1.000 mg/kg). Fosfoetanolamina pura (da Sigma Aldrich, PEA-SA) foi administrada na dose de 320 mg/kg também intravenosamente e oralmente. Por meio de técnica de cromatografia líquida e espectrometria de massa quantificaram a concentração de fosfoetanolamina de amostra de sangue retirada a certos intervalos. (Fig. 1.)

Figura 1. Farmacocinética de fosfoetanolamina em ratos. Painel superior: administração oral; painel inferior: administração intravenosa. Linha azul: fosfoetanolamina da Sigma Aldrich a 320 mg/kg; linha laranja: Pho-S a 1.000 mg/kg. Fonte: Schwanke et al. 2016.

Apenas 7% da fosfoetanolamina administrada oralmente são recuperados do plasma sanguíneo. A curva para a Pho-S fica ligeiramente abaixo da curva para a PEA-SA. Isso é uma outra confirmação de que a Pho-S é uma mistura com menos de 50% de PEA, já que a dose é três vezes maior do que a da PEA-SA. Considerando-se uma proporção de 32% de PEA na mistura que é a Pho-S, a biodisponibilidade da fosfoetanolamina na administração oral foi de 6,3%, similar aos 7% da PEA-SA.

Os autores ainda destacam:
"Outro aspecto que merece ser destacado neste estudo foi o tempo para atingir a concentração máxima (Lmáx) entre as duas amostras de Fosfoetanolamina avaliadas. Enquanto o tratamento pela via oral em roedores com a Fosfoetanolamina sintetizada pela USP - São Carlos variou entre cada animal (5 a 360 minutos) (tabela 0), o tmáx aproximado para a Fosfoetanolamina da Sigma variou entre 5 e 120 minutos (tabela 6). Uma possível explicação pela grande variabilidade na absorção da Fosfoetanolamina sintetizada pela USP-São Carlos poderia estar relacionada com a presença de outras susbtâncias na mesma, conforme demonstrado no relatório apresentado pelo grupo do prof. Dr. Luiz Carlos Dias (UNICAMP-SP)."

sábado, 11 de junho de 2016

Especial GR: Fosfoetanolamina

Manterei aqui uma lista das postagens no GR referentes à fosfoetanolamina sintética (Pho-S, "fosfo", FS que compõe a "pílula do câncer" ou "pílula da USP").

Os baPho-S da fosfoetanolamina sintética:
1) relação de textos, áudios e vídeos sobre o tema produzidos pelos divulgadores de ciência na internet.
2) resultados in vitro do GT-FOS do MCTI.
3) análises das objeções do grupo de Chierice aos primeiros resultados do GT-FOS do MCTI.
4) resultados in vivo do GT-FOS do MCTIC.
5) uma revisão informal da literatura a respeito do papel da fosfoetanolamina nos seres vivos.

quinta-feira, 2 de junho de 2016

Os baPho-s da fosfoetanolamina sintética 4

Três novos relatórios sobre os efeitos da fosfoetanolamina sintética (Pho-S, uma mistura de vários compostos) em células tumorais foram liberados pelo GT-Fos do MCTI (agora, ao menos por enquanto, MCTIC). Agora in vivo.

Em resumo, para sarcoma 180 (tumor de Crocker) em camundongo Swiss e para carcinossarcoma 256 (Walker) em ratos Wistar a fosfoetanolamina em dosagem de 1g/kg não obteve nenhum efeito de inibição durante 10 dias de tratamento (ambos realizados pela equipa de Moraes Filho, da UFC, Universidade Federal do Ceará); para melanoma humano A-375 em rato nude atímico a Pho-S em dosagem de 0,5g/kg teve um efeito inibidor de 34% em 24 dias de tratamento (da equipa de Marcon, do CIEnP - Centro de Inovação e Ensaios Pré-Clínicos).

Figura 1. Efeito da fosfoetanolamina sintética sobre diversos tipos de tumos in vivo. A) sarcoma 180 (tumorrmo de camundongo) em camundongo Swiss; B) carcinossarcoma 256 (tumor de rato) em rato Wistar; C) melanoma humano A-375 em camundongo nude. Fontes: Moraes Filho et al. 2016 b, Moraes Filho et al. 2016a, Marcon et al. 2016.

No caso dos estudos da UFC, o tratamento começou tão logo as células tumorais foram inoculadas nos indivíduos. No ensaio do CIEnP, os animais não receberam nenhum tratamento durante 12 dias, enquanto o tumor transplantado se estabelecia e se desenvolvia. Nos três estudos, a administração foi por via oral.

A linhagem nude, usada pelo grupo de Marcon, têm um sistema imunológico deficitário por conta de uma mutação que impede o desenvolvimento do timo. Isso contraria a hipótese defendida por Chierice de que o efeito da Pho-S seria por meio da atuação do sistema imunológico do paciente; além disso, nos estudos do grupo de Moraes Filho, foram realizadas contagens de células imunológicas no sangue. Em que pese as contagens de leucócitos e monócitos estarem *diminuídas* nos camundongos e de linfócitos aumentada nos ratos (em comparação com o controle), de um lado, a inconsistência entre os dois estudos dos efeitos da Pho-S sobre células imunológicas, e, de outro, o fato de estar dentro do número esperado de parâmetros alterados pelo simples efeito do acaso (em um alfa=0,05, espera-se uma variação significativa ao acaso em 2,7 parâmetros de 54 estudados nos dois estudos - um total de 4 alterações significativas foram relatadas), parece que a melhor conclusão é que a Pho-S não parece ter nenhum efeito sobre o sistema imunológico.

Foram acompanhadas eventuais metástases no estudo com carcinossarcoma de Walker 256 e no com melanoma humano A-375. No caso do carcinossarcoma, foi observada metástase pulmonar em 7 de 15 ratos no grupo tratado com Pho-S, contra 3 de 15 no controle negativo (no controle com ciclofosfamida não houve nenhuma metástase). No caso do melanoma, não foi observada metástase em nenhum dos grupos.

O efeito inibidor no estudo com o melanoma humano parece estar bem dentro do esperado para o efeito da monoetanolamina (e não da fosfoetanolamina pura). In vitro, a monoetanolamina apresentou um IC50 de cerca de 7,5 mM. A concentração usada no teste in vivo com xenográfico de melanoma humano em ratos equivale, grosso modo, a 3,5 mM - com efeito de 34% de redução no volume*. Na dosagem de 200 mg/kg dia, grosso modo, 1,5 mM, não apresentou nenhum efeito inibidor.**

A variação do efeito da mistura sobre diferentes tumores também foi obtida nos testes in vitro anteriormente relatados.

Em todos os estudos, o efeito da mistura Pho-S foi bem inferior ao tratamento padrão recomendado.

*Upideite(03/jun/2016): Como observa Lucia Borges nos comentários, essa redução é relativa em relação ao controle - o tamanho dos tumores continua a aumentar em todos os tratamentos, mas em ritmos diferentes.

Upideite(18/ago/2016): O grupo da UFC publicou relatório da atividade inibitória da Pho-S em melanoma murino B16F10 inoculado em camundongos C57BL/6. Dose de 1.000 mg/kg, após 16 dias de administração oral, teve um efeito de redução tumoral de 64% em relação ao controle salino (no controle positivo, a ciclofosfamida induziu a uma redução de 93%). Doses de Pho-S de 200 mg/kg e 500 mg/kg também foram testadas, mas a redução não foi estatisticamente significativa. (Fig. 2.) Na dose de 1.000 mg/kg, os animais apresentaram uma redução na contagem de leucócitos e plaquetas. Não se notou alteração nos órgãos nem metástases no período estudado.

Figura 2. Efeito da fosfoetanolamina sintética sobre melanoma murino B16F10 em camundongos (C57BL/6). Fonte: Moraes Filho et al. al 2016.

**Upideite(18/ago/2016): Essas estimativas de concentração levam em conta se toda a monoetanolamina fosse absorvida pelo organismo, o que é incerto. No caso da fosfoetanolamina, apenas 7% da quantidade administrada oralmente é encontrada no plasma ao longo do tempo.

domingo, 27 de março de 2016

Os baPho-s da fosfoetanolamina sintética 3

Após a divulgação dos resultados iniciais dos testes com a fosfoetanolamina sintética realizados pelo Grupo de Trabalho do MCTI, o grupo de Chierice contestou em entrevistas, comunicados e até em ação junto ao MP para impugnar os relatórios (uma questão científica sendo decidida pelo judiciário?).

Aqui analiso algumas das alegações do grupo para invalidar os resultados apresentados no relatórios do GT do MCTI.

1) Os testes foram in vitro, mas só funciona in vivo por causa da metabolização da Pho-S pelo organismo.

O grupo do Chierice reportou resultados *in vitro*. E.g.: "Synthetic phosphoethanolamine has in vitro and in vivo anti-leukemia effects" (grifo meu).

De todo modo, um dos próximos passos do GT é realizar testes in vivo.

2) As concentrações testadas pelo GT são muito abaixo das concentrações observadas pelo grupo de Chierice em que a Pho-S faz efeito.

Concentrações de 100µM a 10.000µM foram testadas pelo GT, o que corresponde a 0,1mM a 10mM. Trabalho do grupo de Chierice reportou ação com IC50 de 6mM a 12mM (contra células de leucemia**). Outro trabalho, com células de câncer renal em ratos, obteve um IC50 de 73mM.**

Na avaliação com a mistura das cápsulas, concentrações de até 100mM foram testadas, obtendo-se um IC50 da mistura entre 8,6mM a 75,9mM, compatível com o observado pelo grupo de Chierice. E compatível com o achado de que entre os componentes da mistura, apenas a monoetanolamina (que corresponde de 18,2% a 37,5% do total) apresentou efeito citotóxico, com IC50 entre 3,3mM e 7,7mM.

3) O estudo não pode comparar o efeito da Pho-S com quimioterápicos convencionais por apresentar efeito antiproliferativo diverso destes.

Efeito antiproliferativo é efeito antiproliferativo quando se resume ao que importa: impede ou não a reprodução de células tumorais? Aí é questão de aplicar o tratamento e verificar o quanto a reprodução é impedida (ou não) quando comparada ao controle (situação em que as células tumorais recebem todos os compostos do tratamento, menos o cujo efeito se pretende avaliar).

Claro que outros efeitos devem ser levados em conta: o preço final, efeitos colaterais, a facilidade de aplicação, etc. Mas isso são realizados em outros testes.

Para se medir o efeito in vitro sobre células é necessário utilizar-se também o controle positivo, com substâncias que sabemos que têm efeito (e qual o tamanho do efeito esperado). Isso porque, imagine-se a situação em que nem o controle negativo (sem nenhum composto sabida ou alegadamente inibidor) nem o teste com a Pho-S parecem apresentar alteração da reprodução das células tumorais testadas. De repente, o problema pode ser com as células testadas (aquele lote em específico não responde a nenhum inibidor); mas o controle positivo ajuda a verificar essa situação.

4) A técnica de análise usada para determinar o conteúdo das cápsulas alterou sua composição química.*

A técnica utilizada, a ressonância magnética nuclear, envolve mudança de spin dos núcleos atômicos. Essa alteração representa uma energia muito pequena, da ordem de menos de 0,4 J/mol; em comparação a transição infravermelha (que se relaciona a agitação térmica molecular) é da ordem de 4.000 a 40.000 J/mol; a transição eletrônica (mudança do nível de energia do elétron da molécula - ligado a reações químicas) é da ordem de 10.000 a 1.000.000 J/mol.

Ou seja, a espectroscopia por RMN não tem energia suficiente para causar reações químicas e alterar a composição do material analisado. E nem poderia ser diferente, do contrário, seria inútil como técnica analítica e nem seria utilizada ou haveriam de serem aplicadas técnicas para levar em conta essas alterações para se determinar a composição inicial.

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Mais tarde acrescento mais análise de outras objeções científico-metodológicas aos estudos do GT de que tomar conhecimento.

*Upideite(29/mar/2016): adido a esta data.
**Upideite(18/abr/2016): adido a esta data.

sexta-feira, 18 de março de 2016

Os baPho-s da fosfoetanolamina sintética 2

O Grupo de Trabalho do MCTI para analisar os potenciais efeitos antitumorais da fosfoetanolamina sintética acaba de liberar os relatórios com os primeiros resultados*.

As duas principais conclusões:
1) A Pho-s (fosfoetanolamina sintética) produzida pela técnica do grupo de Chierice *não* tem o grau de pureza alegado (95%): é uma mistura de compostos com menos da metade de fosfoetanolamina.

"Neste dossiê foi demonstrado que, a 'fosfoetanolamina sintética' produzida pelo Sr. Salvador Claro Neto possui 16,9% fosfoetanolamina, 37,5% de monoetanolamina e 45,6% do sal de fosfoetanolamina. Mais recentemente, os professores Dr. Luiz Carlos Dias da Unicamp e Dr. Eliezer Barreiro da UFRJ, demonstraram que nas mesmas amostras de 'fosfoetanolamina' produzida pelo Sr. Salvador Claro Neto, há proporções diferentes dos compostos mencionados acima sendo 32,2% de fosfoetanolamina, 18,2% monoetanolamina, 3,9% fosfobisetanolamina, 38,5% de fosfatos e 7,2% de água."
"Avaliação da atividade citotóxica e antiproliferativa da fosfoetanolamina, monoetalomanina e fosfobisetanolamina em células humanas de carcinoma de pâncreas e melanoma."

Pesquisador/Intituição Componentes (%)
fosfo-etanolamina mono-etanolamina sal de fosfoetanolamina fosfo-bisetanolamina fosfatos água
2013 Ferreira, AK. et al- USP São Carlos >99 - - - - -
2015 Instituto de Química - USP São Carlos 16,9 37,5 45,6 - - -
2016 Luiz Carlos Dias - Unicamp
Eliezer Barreiros - UFRJ
32,2 (6,2% associada a íons metálicos) 18,2 - 3,9 38,5 7,2
Fonte: "Avaliação da máxima dose tolerada e seleção de doses da fosfoetalomanina sintética, produzida pelo IQSC-USP em roedores"**

"Ao contrário do que é descrito na patente PI0800460-9 A2, este procedimento não permite a obtenção de altos rendimentos de FOSFOETANOLAMINA (FOS) pura. A baixa taxa de conversão do sal dihidrogeno fosfato de etanol amônio (Pi), bem como a co-formação de ácido pirofosfórico (PPi), da FBEA, além de outros produtos secundários não permitem a obtenção de FOSFOETANOLAMINA (FOS) pura no rendimento de 90% descrito na patente PI0800460-9 A2. A presença de H2O a altas temperaturas leva a hidrólise da FOSFOETANOLAMINA (FOS) e da FOSFOBISETANOLAMINA (FBEA)."
"Parte B: Síntese dos componentes da cápsula de fosfoetanolamina (FOS) para o MCTI"***

2) A fosfoetanolamina não apresenta efeito tóxico nem de inibição de crescimento de células tumorais (melanoma e carcinoma pancreático) in vitro.

"Os resultados descritos neste relatório parcial demonstram que somente a Monoetanolamina apresentou atividade citotóxica e antiproliferativa, sendo contudo, váriasordens de magnitude menos potente queos antitumorais Cisplatina e Gencitabina, utilizados como controle positivo. Já a Fosfoetanolamina e a Fosfobisetanolamina não apresentaram nenhuma atividade citotóxica nem antiproliferativa em nenhuma das 3 metodologias utilizadas."
"Avaliação da atividade citotóxica e antiproliferativa da fosfoetanolamina, monoetalomanina e fosfobisetanolamina em células humanas de carcinoma de pâncreas e melanoma."

Concentração Inibitória 50% (IC50) Aproximada (µM)
Linhagem Ensaio Fosfo-etanolamina Fosfo-bisetanolamina Mono-etanolamina Cisplatina Gencitabina
Melanoma Citotoxicidade (MTT) - - 7.774 2,9 -
Citotoxicidade (Vermelho N) - - > 10.000 3,4 -
Proliferação - - 7.413 1,1 -
Carcinoma de Pâncreas Citotoxicidade (MTT) - - 5.525 - < 0,1
Citotoxicidade (Vermelho N) - - 6.861 - < 0,1
Proliferação - - 3.347 - < 0,1
Fonte: "Avaliação da atividade citotóxica e antiproliferativa da fosfoetanolamina, monoetalomanina e fosfobisetanolamina em células humanas de carcinoma de pâncreas e melanoma."

Uma terceira conclusão:
3) A mistura produzida pelo processo do grupo de Chierice tem um efeito antiproliferativo em células tumorais in vitro muito baixo.

Amostras CI50 (mM)
HTC-116 SF-295 PC-3 L-929 CMSP
FS 25,9
(22,2-30,2)
43,4
(39,6-47,5)
19,7
(17,1-22,7)
8,6
(8,0-9,3)
42,4
(37,4-48,1)
FSNE 25,1
(19,8-31,7)
20,2
(18,3-22,4)
18,1
(15,3-21,5)
75,9
(59,6-96,9)
>100
Doxorrubicina 0,00015
(0,00013-0,00017)
0,00038
(0,00031-0,00047)
0,0016
(0,0014-0,0018)
0,0016
(0,0015-0,0018)
0,0018
(0,0014-0,0022)
FS- fosfoetanolamina (produzida pelo grupo de Chierice); FSNE - fosfoetanolamina (produzida pelo grupo de Chierice nanoencapsulada); HTC-116 - carcinoma colorretal humano; SF-295 - glioblastoma humano; PC-3 - adenocarconima de próstata humano; L-929 - fibroblasto murino; CMSP - células mononucleadas de sangue periférico humanas
Fonte: "Avaliação do potencial citotóxico in vitro da fosfotetanolamina sintética (FS) e da fosfoetanolamina sintética nanoencapsulada (FSNE)"**

Obs: Um composto puro é considerado citotóxico se IC50 igual ou menor a 4 µg/ml após 72h de incubação. Como a fosfoetanolamina (pura) tem massa molar de cerca de 141 g/mol, isso equivaleria a 0,028 mM.

Bem possivelmente, os efeitos relatados pelo grupo de Chierice só ocorrem justamente pela *impureza* da mistura. O contaminante monoetanolamina é que deve provocar o efeito antitumoral da mistura relatado pelo grupo, mas, por outro lado, o composto é tóxico para os organismos, como nota @sandov51. Em ratos ele tem uma DL50 de 0,72 a 1,80 ml/kg administrado por via oral.

As próximas etapas a serem realizadas pelo GT são:
1) ensaios para avaliar a atividade citotóxica e antiproliferativa dos três compostos (fosfoetanolamina, monoetanolamina e fosfobisetanolamina), utilizando as metodologias de MTT, Vermelho Neutro e Suforrodamina B em células de carcinoma de Pulmão (ATCC);
2) ensaios de avaliação da atividade citotóxica e antiproliferativa para a monoetanolamina utilizando as metodologias de MTT, Vermelho Neutro e Sulforrodamina B em células humanas sem câncer (fibroblasto);
3) ensaios in vitro para avaliar possíveis mecanismos responsáveis pelas atividades antiproliferativas da monoetanolamina;
4) avaliação da possível atividade anticâncer in vivo da monoetanolamina e da fosfoetanolamina (USP) no modelo de tumor xenográfico de melanoma em camundongos nude.

Mais para a frente será necessário fazer os testes com as misturas dos compostos - para avaliar se há algum efeito sinergístico ou antagônico. Mas não consta no relatório se isso será feito.

via Ruth Helena Bellinghini fb

Veja também: Os baPho-s da fosfoetanolamina sintética para acompanhar o que a DCsfera produziu sobre o assunto.

*Upideite(19/mar/2016): link atualizado.
**Upideite(19/mar/2016): adido a esta data.
***Upideite(04/abr/2016): adido a esta data.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Os baPho-s da fosfoetanolamina sintética

Convocado pelo Luiz Bento do Discutindo Ecologia e pelo Pirulla do Canal do Pirulla (vocês conhecem minha mania de apresentar personalidades bem conhecidas do público), segue minha (tentativa de) contribuição com o assunto da fosfoetanolamina (PEA*** ou PEtn****) sintética (Pho-s, informalmente também chamada de 'fosfo'***).

Abaixo procurarei manter atualizada lista de links com o que o pessoal já publicou:
.Ceticismo (26/ago/2015): Brasileiros curam câncer e vão receber o Nobel. Muita calma nessa hora!
(14/out/2015): Fosfoetanolamina: a novela continua... [título truncado por mim]
(18/out/2015): Fosfoetanolamina e o apelo ao desespero
(19/out/2015): E a novela da fosfoetanolamina contina... [título truncado por mim]
(13/dez/2015): A volta da fosfoetanolamina
(21/jan/2016): Primeiros resultados com a fosfoetanolamina chegaram no MCTI. Calma aí, ô!
(14/abr/2016): Dilma sanciona pílula mágica de fosfoetanolamina
(15/abr/2016): Fosfoetanolamina disse para um tumor: Cresça e Apareça
(15/abr/2016): “Pesquisador” da fosfoetanolamina diz que era só para quem está morrendo
.Dr. Felipe Ades (30/ago/2015): Fosfoetanolamina sintética (fosfoamina), entenda porque essa substância não é um medicamento contra o câncer
(15/out/2015): Fosfoetanolamina e outras substâncias, as diferenças entre tratar ratos de laboratório e pessoas com câncer.
(29/out/2015): Fosfoetanolamina e a exploração do desespero
.e-farsas (01/set//2015): Pesquisador descobre que fosfoamina cura câncer! Será?
(04/jun/2016): Afinal, a fosfoetanolamina cura câncer ou não?
.A Porta de Marfim (09/out/2015): Não, a fosfoamina não é (ainda) a cura do câncer
.Wagner Ricardo (16/out/2015): facebook
.Café na Bancada (16/out/2015): Fosfoetanolamina - a "cura" do câncer?
(15/mar/2016): Fosfoetanolamina: perguntas sem respostas
(22/mar/2016): Fosfoetanolamina: o fim de uma história sem começo
(14/abr/2016): O cientista e a síndrome de Cassandra: o dia em que a política me calou
(06/jun/2016): A fosfoetanolamina na festa junina!
(13/jun/2016): Uma atéia no culto da fosfoetanolamina
(16/jun/2016): O que de fato sabemos sobre a fosfoetanolamina - uma visão científica(03/abr/2017): Fosfoetanolamina, uma novela que nunca termina
.Canal do Pirulla (18/out/2015): A USP, o câncer e a "cura" (vídeo)
(22/out/2015): 13 respostas sobre a fosfoetanolamina (vídeo)
(27/fev/2016): Fosfoetanolamina, Ratinho e Samarco (vídeo) (não vi)
(29/fev/2016): Fosfoetanolamina compassiva (vídeo)
(15/abr/2016): Fosfoetanolamina liberada? (vídeo) (não vi)
(03/abr/2017) : A Fosfo não funda? (vídeo) (não vi)
.Eu. Ciência (18/out/2015): A USP e a Cura do Câncer (Fosfoetanolamina) (vídeo)
(27/out/2015): A fosfoetanolamina em 4 pontos... [título truncado por mim] (vídeo)
.Carlos Orsi (18/out/2015): E a tal "cura do câncer" do ex-professor da USP
(19/mar/2016): Primeiros testes: "fosfo da USP" não funciona e não é "fosfo"
(07/abr/2016): "Fosfo Wars": um balanço até agora
(14/abr/2016): "Fosfo" sancionada: golpe nos outros é refresco
(15/abr/2016): Este blog não vai curar seu câncer
(31/mai/2016): "Fosfo da USP" volta a dar chabu em testes oficiais
(06/jun/2016): E mais um teste da "fosfo" em animais...
(12/jun/2016): Alice no País da Fosfoetanolamina
(14/jun/2016): Mitocôndrias e deuses astronautas
(26/jul/2016): "Fosfolclore" em tempos de testes clínicos
(01/ago/2016): A fosfoetanolamina é segredo
.Primata Falante (18/out/2015): Cura do câncer na USP e divulgação científica (vídeo) (não vi, indicado pelo Pirulla)
(31/mar/2016) Fosfoetanolamina e porquê relatos não são evidências (vídeo) (não vi, indicado pelo luizbento)
.Olá Ciência (18/out/2015): Fosfoetanolamina é a cura do câncer? (vídeo) (não vi)
. coNeCte (18/out/2015): A cura do Câncer da USP e demais revoluções científicas no jornalismo: os cientistas são culpados pelo sensacionalismo midiático?
.Rainha Vermelha (19/out/2015): Ainda bem que estão procurando a Fosfoetanolamina
.Daniel Martins de Barros (20/out/2015): A cura do câncer e a ignorância dos juízes (cuidado! contém paywall poroso)
.Do Nano ao Macro (22/out/2015): Importância do estudo clínico: o caso da fosfoetanolamina
.Cultura Científica (28/out/2015): Fosfoetanolamina: O Cogumelo do Sol da USP
.Nerdologia (12/nov/2015): Fosfoetanolamina
.Universo Racionalista (26/nov/2015): Artigos da Nature rebatem postura anticientífica a respeito da fostoetanolamina
(03/abr/2016): O fiasco com a fostoetanolamina mostra que "de boas intenções, o inferno está cheio"
.Empirismos, Hipóteses e Teorias (02/dez/2015): Por que curamos apenas câncer em ratos tão bem?
.Blog do Pierro (16/dez/2015): Fosfoetanolamina e os 'cabeça de planilha'
.Fronteiras da Ciência (21/dez/2015): Pirula e a pílula milagrosa (Fosfoetanolamina) (áudio) (não ouvi)
.Eli Vieira (19/mar/2016): Caí na onda da fosfoetanolamina. Como evitar a gafe no futuro?
.Alô Ciência! (18/set/2015): Fosfoetanolamina, a pílula da USP, é a cura do câncer?
(21/mar/2016): O que falta para a aprovação da fosfoetanolamina?
.Fique Ciente (28/out/2015): Quais os testes necessários para a liberação de um medicamento?
(06/abr/2016): 5 motivos para a Dilma vetar a produção e distribuição da fosfoetanolamina
.Direto da Ciência (06/abr/2016): A 'zica' da fosfo
.Reinaldo José Lopes (14/abr/2016): A saga da fosfo: notas sobre um desastre (vídeo) (não vi)
.Discutindo Ecologia (16/abr/2016): Mais mitos sobre Vírus Zika e fosfoetanolamina: patentes
.Cientistas Feministas (13/jun/2016): Cura para o câncer: não foi dessa vez
.Dragões de Garagem (20/mar/2016): ExoMars e fosfoetanolamina (vídeo) (não vi)
.Bruna Leite (08/jul/2016): A cura do câncer ou poder da informação? Fosfoetanolamina sintética
.Oxigênio (02/jul/2016): O método científico e o uso da fosfoetanolamina
.LAbI (07/abr/2017): Fosfoetanolamina: de quem é a culpa?
.Francisco J. R. Paumgartten (ComCiência) (08/abr/2017): O previsível fiasco do ensaio clínico da fosfoetanolamina, a improvável 'pílula do câncer'
.Ruth Helena Bellinghini (11/abr/2017): O silêncio conivente da USP e a impunidade
.Ciência em Revista (24/abr/2017): O que os oncologistas pensam sobre o uso da fosfoetanolamina? 

Aqui uma lista de comunicados oficiais dos órgãos envolvidos na celeuma:
.IQSC/USP (s.d.): Esclarecimentos à sociedade
.Fiocruz (02/set/2015): Fiocruz esclarece dúvidas sobre suposto medicamento contra o câncer
.Anvisa (15/set/2015): Pesquisas clínicas sobre Fosfoetanolamina não foram encaminhadas à Anvisa
.Anvisa (s.d.): Nota técnica nº56/2015/SUMED/ANVISA "Esclarecimentos sobre a fosfoetanolamina"
.Anvisa (14/abr/2016): Anvisa reforça alerta para os riscos sanitários provocados pela Lei nº 13.269 (via @rafagarc)
.CRF-SP (03/nov/2015): Nota do CRF-SP sobre a autuação do Instituto de Química da USP São Carlos
.ABC (03/nov/2015): Manifestação da Academia Brasileira de Ciências sobre o uso da fosfoetanolamina sintética para o tratamento de câncer (via @leandrotessler)
.SBPC (s.d.): SBPC corrobora posição de entidades médicas contra a aprovação da fosfoetanolamina
.AMB e outras entidades médicas (14/abr/2016):  Lei assinada por Dilma Rousseff coloca em risco vida de pacientes com câncer (ht Ruth Helena Bellinghini fb)

.GT sobre FOS: (22/dez/2015) Relatório de Atividades do Grupo de Trabalho sobre a Fosfoetanolamina

Cobertura em periódicos científicos:
.Nature (24/nov/2015): Brazilian courts tussle over unproven cancer treatment
(editorial): Drugs on demand

Cobertura em blogs internacionais:
NeuroLogica Blog (27/nov/20150: There is no right to experimental treatments

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- Câncer é o nome de uma enorme lista de doenças: mais de 100;
- Os mecanismos que levam ao desenvolvimento de cada um: genes afetados, se são fatores inatos ou com maior contribuição ambiental - varia muito: por isso não se espera haver um tratamento único que seja igualmente eficaz para todos os casos (isso sem contar a variação individual, p.e., como o organismo do indivíduo metaboliza um determinado composto);
- As chances de se desenvolver algum tipo de câncer ao longo da vida é de cerca de 10% (por isso basicamente todo mundo conhece algum parente ou amigo que já enfrentou o câncer; para um grupo de 10 pessoas muito íntimas, as chances de haver algum caso ao longo da vida é de 100-90^10 ~ 65%; mesmo considerando-se uma janela de 20 anos, as chances são algo da ordem de 35% de que haja pelo menos um caso; em um círculo expandido de 50 pessoas, as chances de haver pelo menos um caso de câncer durante a vida é de 99,5%; em um prazo de 20 anos, é de 78%);
- Medicamento é definido em lei como: "produto farmacêutico, tecnicamente obtido ou elaborado, com finalidade profilática, curativa, paliativa ou para fins de diagnóstico" (Lei Federal 5.991/1973; art. 4° inc. II);
- Droga é definido em lei como: "substância ou matéria-prima que tenha a finalidade medicamentosa ou sanitária" (Lei Federal 5.991/1973; art. 4° inc. I);
- A fosfoetanolamina Pho-S5 mostrou funcionar para inibir o crescimento de certos tipos de células tumorais in vitro e em camundongos;
- Não há nenhum estudo clínico (em humanos) sobre o efeito da administração de fosfoetanolamina.
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Não tenho muito a contribuir em relação ao que já falaram e escreveram. Com minhas idiossincrasias e ainda reverberando a fala do Fernando Meirelles, acho que aqui temos um caso de um cientista que deixou os números de lado e resolveu contar uma história. Verdade que não muito original, o do herói (cientista algo solitário) que enfrenta inimigos poderosos (a Big Pharma e a academia) para realizar um ato de bravura (entregar a cura para o povo).

Quando pedimos os números e fatos, a história é beeem diferente. Simplesmente não temos tais números no que se refere à capacidade do composto efetivamente curar casos de câncer em humanos, nem sobre sua segurança, interações medicamentosas, efeitos de médio e longo prazo...

Argumenta-se que, sendo casos terminais, o paciente não teria mesmo muito a perder e, além disso, ele tem o direito de decidir o que pode ou não, o que deve ou não ser administrado em si mesmo. Um problema é que os pedidos de liminares não parecem ser um caso de decisão informada - houve muita desinformação nos meios de comunicação, em especial, na mídia corporativa. Mas, digamos, que os pacientes sejam bem informados a respeito de que não há nada que indique que funcione em humanos e que seja seguro, eles têm o direito de, em assim desejando, receberem um dado composto na esperança de que lhe seja benéfico?

Um problema é que não sabemos qual o efeito sobre *outras* pessoas. E se o composto for tóxico para pessoas saudáveis e houver uma possibilidade não negligenciável de que contamine os ambientes se distribuído com pouco critério?

As chances não parecem, a priori, serem muito altas, dado que o composto é naturalmente produzido por nosso organismo; mas no caso da produção sintética, sua quantidade é muito maior do que a produzida pelo corpo humano e contaminantes podem estar presentes. Outro dado que poderia indicar sua relativa inocuidade é o fato de estar sendo produzido e ter sido distribuído por vários anos sem aparentemente nenhum caso grave de intoxicação; mas não foram feitos estudos controlados, pode ter havido casos sem que se tenha registrado adequadamente. Efeitos adversos importantes podem ter ocorrido sem que se tenha associado ao composto.

Outra questão. Por que a *USP* deve ser a responsável por fornecer? Declaradamente, elae não tem capacidade técnica de produzir em quantidades e com pureza adequada. Além disso, ela se vê obrigada a usar de recursos próprios para atender à suprir a demanda judicialmente obrigatória de se atender. O composto é disponível comercialmente. Poderia ser comprado e distribuído pelas autoridades sanitárias.*

O ponto principal que não consigo entender: por que não avançam para a fase clínica? Alguns (como Átila Iamarino) apontaram para o fato de não se ter testado em outros modelos animais além de camundongos. Aí a questão é: por que não avançam para outros modelos animais? (Átila aponta para a destruição do Instituto Royal, que impede o teste com cães no Brasil, mas isso poderia ser testado fora.)**

O Prof. Gilberto Orivaldo Chierice, o pesquisador aposentado que alega que a Pho-s cura câncer. diz que tentou registrar na Anvisa, mas encontrou dificuldades. A Anvisa nega. O mesmo Chierice disse que houve problemas em um acordo com a Fiocruz para que a instituição sintetizasse o composto industrialmente para a fase de testes clínicos. A Fiocruz nega que tenha havido problemas. A teoria da conspiração de que a Big Pharma estaria a impedir não faz, claro, nenhum sentido. P.e. Farmanguinhos, da Fiocruz produz o mesilato de imatinibeimanitibe para o tratamento de leucemia mieloide crônica e estroma, sem nenhum impedimento por parte da indústria farmacêutica. A alegação de Chierice de que não poderia ceder patente porque isso poderia significar o engavetamento também é estranha: ao se *recusar* a ceder a patente impediu-se o prosseguimento da parceria; o termo de cessão poderia ser simplesmente de colocar a síntese do composto em domínio público - em modelo de inovação aberta, p.e.

Em função disso fica difícil de engolir a história heroica do salvador contra o sistema querendo o bem comum. Não estou dizendo que o sistema seja o herói da história - há muitas falhas, como se pode ver em outros casos como registro de medicamentos sem os devidos cuidados prévios para garantir sua segurança (Vioxx, alguém?) -, nem que o pretenso herói seja necessariamente o vilão.

*Obs (21/out/2015): Segundo Marcos Vinícius de Almeida, biólogo da equipe de Chierice, há composto de uso industrial de mesmo nome, com formulação diferente. Não é esse que haveria de ser adquirido comercialmente, mas outras formulações que estão sendo testadas no exterior - há vários grupos trabalhando com a Pho-s em pesquisas antitumorais.

**Upideite(22/out/2015): O farmacêutico Adilson Kleber Ferreira concedeu uma entrevista ao jornalista Reinaldo José Lopes. Autor de vários estudos, em co-autoria com Chierice, sobre a Pho-s, ele acredita que os dados ainda não são suficientes para justificar a passagem para a pesquisa clínica. Também se diz contrário à iniciativa de Chierice de distribuir o composto aos pacientes com tumor.

***Upideite(28/out/2015): adido a esta data.

****Upideite(31/out/2015): adido a esta data.

6Upideite(19/ago/2016): modificado a esta data.

sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Experimentação animal: cientistas brutos?

Já abordei a questão da experimentação animal aqui no GR à época da invasão e destruição das instalações do Instituto Royal e São Roque, SP.

Retomo por causa de uma acusação feita por uma pessoa envolvida em ativismo das causas animais. Segundo essa pessoa: "cientistas brasileiros não buscam alternativas porque não se preocupam o suficiente com os animais que utilizam".

Se a afirmação/negação é falsa em pelo menos um dos dois pontos: "cientistas brasileiros não buscam alternativas ao uso de modelos animais na experimentação científica", "cientistas não se preocupam com os animais que usam", ela será falsa no conjunto.

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Em um levantamento publicado em 2009 com pesquisadores da Universidade Federal de Goiás, com 38 questionários respondidos:

a) sobre o uso de animais dentro da própria linha de pesquisa dos respondentes:
"03. Assinale a opção que mais se aproximaria de sua opinião sobre o uso de animais na sua linha de pesquisa?
(1) uso os animais, pois estes não sofrem, ou sofrem muito pouco, com os procedimentos que utilizo;
(2) o fato de que os animais foram criados para esta finalidade faz com que seu uso seja mais aceitável eticamente;
(3) tenho pena de usar os animais, mas não vejo outra forma de obter resultados;
(4) não tenho pena dos animais. A saúde humana é o que realmente me importa;
(5) se houvesse outras metodologias disponíveis, não utilizaria os animais por consideração aos mesmos;
(6) é uma metodologia padrão adotada praticamente em todo mundo nesta linha de pesquisa, logo não vejo nenhum problema com este uso."

43,2% utilizariam modelos alternativos se disponíveis; 20,5% não levantaram nenhum questionamento quanto às metodologias atualmente predominantes; 18,2% ignoravam ou desconsideravam o sofrimento animal;

b) sobre o uso de animais nas pesquisas em geral:
"04. Com qual das opiniões mais se identifica, sobre a experimentação animal em geral:
(1) não vejo motivos para controvérsias sobre a experimentação animal;
(2) quem critica a experimentação animal não entende, ou entende muito pouco, de pesquisa ou de ciência;
(3) a crítica à experimentação animal, quando bem feita, é saudável à ciência e à pesquisa;
(4) isso deve ser discutido entre especialistas no assunto, e não pela sociedade civil;
(5) a experimentação animal é indispensável à ciência e ao progresso para saúde animal e humana;
(6) a ciência é capaz de encontrar outros métodos que não envolvam a experimentação em animais, e isso deve ser tarefa da ciência;"

40% apresentaram abertura à crítica, consideram que esta, quando bem feita, é saudável à pesquisa; 36,4% apontam que o uso de animais é indispensável;

c) quanto ao incômodo moral com o uso de animais:
"05. Atualmente, ao manipular os animais em experimentos, sente algum tipo de incômodo moral?
( ) sempre / ( ) quase sempre / ( ) poucas vezes / ( ) nunca
06. Ao manipular os animais em experimentos, no início de sua formação acadêmica, costumava sentir algum tipo de incômodo moral?
( ) sempre / ( ) quase sempre / ( ) poucas vezes / ( ) nunca "

no início da formação acadêmica - 63,1% sentem algum incômodo, 28,9% nunca se sentiram incomodados; no estágio então atual da carreira - 55,2% sentiam algum incômodo, 36,8% nunca sentem tal incômodo;

d) percepção de sofrimento animal em suas pesquisas:

"08. Qual o nível de sofrimento animal (dor, estresse, angústia...) causado pelos procedimentos empregados em sua linha de pesquisa?
( ) nenhum sofrimento
( ) pouco sofrimento
( ) algum sofrimento
( ) muito sofrimento
( ) não saberia dizer"

65% consideram que os animais têm algum sofrimento; 21,1% consideram que os animais não passam por nenhum sofrimento em suas pesquisas;

e) justificação do uso de animais:

"10. Assinale a opção que mais corresponde à sua opinião: “O uso de animais pela ciência apenas pode ser eticamente justificado quando”:
( ) tem potencial de trazer benefícios à saúde humana;
( ) tem potencial de trazer benefícios à saúde de animais domésticos, além da saúde do próprio homem;
( ) além dos possíveis benefícios à saúde, tem potencial de trazer benefícios econômicos;
( )faz avançar o conhecimento humano;"

47,6% quando beneficia os seres humanos e animais domésticos; 31% quando faz avançar o conhecimento;

f) debate bioético promovido durante a formação dos respondentes:

"12. Na sua formação enquanto pesquisador (graduação e pós-graduação), os questionamentos e debates voltados à experimentação animal, provocados pelos professores em discussões abertas e críticas, eram
( ) muito freqüentes
( ) freqüentes
( ) ocasionais
( ) raros
( ) inexistentes
( ) não lembra"

42,1% ocasionalmente; 26,3% em raras ocasiões;

g) disciplina de ética na formação dos respondentes:

"13. Na sua formação enquanto pesquisador (graduação e pós-graduação), o papel da disciplina de ética, em seus conteúdos voltados à ética na experimentação animal a partir de perspectivas mais críticas, pode ser considerada como:
( ) satisfatório ( ) parcialmente satisfatório ( ) insatisfatório ( ) inexistente "

36,8% parcialmente satisfatória;

h) modelos substitutivos:

"14. Escolha a opção abaixo que melhor reflete sua opinião em relação aos métodos de pesquisa substitutivos ao modelo animal:
( ) envolvem grande investimento financeiro;
( ) não possuem validade científica;
( ) não oferecem um caminho seguro de investigação;
( ) são pouco conhecidos;
( ) na grande maioria dos casos, não é possível substituir o modelo animal na pesquisa científica;"

>50% experimentação animal é insubstituível; >20% pouco conhecidos;

Com esses dados é um tanto estranha a conclusão dos autores desse estudo de que: "O que temos aqui é uma situação provavelmente que mistura interesse e falta de informação. Os/as pesquisadores/as que disseram que substituiriam a experimentação animal parecem ter assinalado essa somente por ser, aparentemente, uma situação hipotética, já que a maioria considera que na maior parte dos casos ela não é substituível.

[Lista de métodos substitutivos: cultura de células e tecidos, simulações, nanotecnologia, etc.]

Como vimos, é bastante possível considerar a substituição de animais em procedimentos experimentais. O que parece se demonstrar é uma possível falta de interesse em desenvolver novas metodologias e até mesmo de buscar as existentes, uma vez que 23,3% dos/as pesquisadores/as amostrados/as tenham alegado ser tais técnicas pouco conhecidas. Com isso, parece haver a sugestão de uma resistência em abandonar uma prática à qual estão acostumados/as a empreender".

No questionário utilizado os pesquisadores não foram perguntados se utilizaram ou se procuraram utilizar dessas e outras alternativas.

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Um outro levantamento foi feito com pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp de Botucatu-SP apresentado em 2010: 34 questionários foram respondidos.

a) Justificativa:
"4)Justificativa do trabalho com os animais" (questão aberta)

~90% melhoria da saúde humana ou animal; ~10% avanço do conhecimento;

b) Preocupação com o bem estar animal:
"6)Existe incômodo moral ?(de 0 a 10, sendo 10 o limite máximo de incômodo) 

7)Existe preocupação em relação ao sofrimento do animal ?(de 0 a 10, sendo 10 o limite máximo de preocupação)"

"Sendo que, no geral, todas as pessoas com mais de 20 anos de trabalho com animais possuem
preocupação máxima com a minimização do sofrimento do animal, porém não demonstram
possuir incômodo moral em relação à prática, o que pode ser justificado pela consciência de
estar fazendo da melhor forma possível, ou pela cegueira ética condicionada com o tempo,
visto que as pessoas que possuem menor tempo de trabalho, abaixo de 10 anos são as que
demonstraram sentir pelo menos algum incômodo moral."

c) debate bioético promovido durante a formação dos respondentes:
"9) Houve debate sobre o assunto em sua formação?
( )sim, bastante ( )sim, suficiente ( )sim, pouco ( )não"

~50% sim; ~50% pouco ou nenhum.

d) modelos substitutivos:
"10) Opinião sobre a viabilidade de modelos alternativos (de 0 a 10, sendo 10 o limite máximo para a possibilidade)"

média 5,6

A conclusão da autora, no entanto, também é um tanto estranha: "As sinalizações gerais apontam para uma opinião simpatizante por parte dos pesquisadores na adoção dos modelos substitutivos para algumas pesquisas que não sejam a deles, demarcando também a falta de informação ou até mesmo de interesse por parte dos pesquisadores em buscar metodologias que não necessite de animais e que sejam tão ou até mais eficientes".

Não há no questionário nada relacionado ao interesse dos pesquisadores em modelos substitutivos.
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De modo geral, os pesquisadores respondentes estão preocupados com o bem estar dos animais utilizados em seus próprios experimentos e nos experimentos científicos de modo geral.

Os pesquisadores demonstram algum ceticismo da viabilidade da substituição do uso de animais em determinadas pesquisas sem perda importante de generalidade e precisão. Os autores dos dois estudos aqui citados interpretam isso como desconhecimento, mas os questionários utilizados não permitem essa conclusão - ainda que seja uma possível.

Embora o tamanho amostral seja reduzido, baseando-nos em uma certa homogeneidade (ainda que nem de longe absoluta) dos pesquisadores, podemos extrapolar (com o devido cuidado) que os pesquisadores brasileiros preocupam-se, sim, em minimizar o sofrimento de seus sujeitos experimentais: camundongos, ratos, sapos, peixes, alunos de graduação e pós-graduação... (nem que seja para atender às demandas e exigências dos comitês de ética).

Assim:

"cientistas brasileiros não buscam alternativas ao uso de modelos animais na experimentação científica" (V/F)
"cientistas não se preocupam com os animais que usam" (F)
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"cientistas brasileiros não buscam alternativas porque não se preocupam o suficiente com os animais que utilizam" (F)

Claro que se pode fazer alguma discussão em torno do termo "suficiente".

Upideite(21/ago/2015): Um levantamento online obteve 12 respostas com pesquisadores brasileiros que trabalham com diagnóstico da raiva. As justificativas mais frequentes para o uso de inoculação cerebral em camundongos em vez de métodos in vitro validados foram:
a) falta de recursos humanos e capacitação profissional - 5 respostas;
b) acomodação, hábito e falta de boa vontade das pessoas - 4;
c.i) falta de recursos financeiros - 3;
c.ii) barreiras regulatórias e falta de incentivo do governo - 3;
c.iii) barreiras cultural e ética - 3;
d.i) falta de estrutura dos laboratórios, equipamentos e materiais - 2;
d.ii) falta de conhecimento e conscientização - 2;
d.iii) importância dos fatores orgânicos para observação da doença - 2;
e.i) baixa sensibilidade ou falhas das técnicas in vitro - 1;
e.ii) facilidade e baixo preço do IVC - 1;
e.iii) falta de tempo - 1.

Com a mesma plataforma online os autores obtiveram respostas de 35 pesquisadores anglófonos e 12 lusófonos (dos quais 11 trabalhavam no Brasil).
7 anglófonos e 6 lusófonos utilizavam o método in vivo de diagnóstico de raiva.
1 anglófono e 5 lusófonos responderam que o custo de implementação do método in vitro levava a escolherem o procedimento in vivo.

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Para um trabalho de conclusão de curso de 2013, foram entrevistados 20 pesquisadores do Instituto de Biociências da Unesp/Botucatu-SP. Os entrevistados foram divididos em dois grupos: os contratados antes da lei Arouca 11.794/2008 e os contratados depois (mas no relato não é dado o tamanho de cada grupo).

"1) Do seu ponto de vista, qual é a abrangência da Bioética?"

58,5% citaram a ética na pesquisa e nas relações humanas, sem incluir questões ambientais (como OGMs, bem estar animal, agrotóxicos, etc).

"2) Você tem conhecimento de legislação sobre experimentação animal?
( ) Não.
( ) Sim. Se sim, cite exemplos."

100% dos pós-Arouca demonstraram conhecer a legislação; 75% dos pré-Arouca.

"3) O que mudou no seu laboratório e em suas pesquisas após a criação do comitê de ética na Universidade?"

4) Você teria feito mudanças em seu laboratório e em suas pesquisas caso não houvessem sido criados esses comitês?"

100% dos pré-Arouca mudaram procedimentos.
16,7% dos pré-Arouca disseram que mudariam mesmo sem os comitês.

"5) Durante sua carreira de pesquisador, você já mudou seus sentimentos frente ao sofrimento animal?"

25% dos pós-Arouca relataram ter mudado; 75% dos pré-Arouca.

Novamente, a conclusão dos autores vai além do que os dados permitem entender: "Portanto, conclui-se que em sua maioria, os pesquisadores concebem a ética na experimentação animal como obediência [à]s Leis instituídas e que a consciência ao bem estar animal é algo que ainda está distante e esse tema necessita ser exposto e mais debatido para que se crie uma consciência crítica a respeito". Por exemplo, para uma boa base para se afirmar que é pura obediência formal à lei, sem concordância com seu teor, a pergunta '4' deveria ser complementada com uma questão do tipo: "Se a lei fosse abolida, retornaria aos procedimentos anteriores? Por quê?"

Upideite(22/ago/2015): Levantamento para pesquisa de doutoramento na UFSC em 2012, com 185 docentes de 17 IFES.

a) Conhecimento do conceito dos 3Rs (redução, substituição/replacement, refinamento: redução de sofrimento/estresse):
Entre pesquisadores que publicaram trabalhos com uso de animais:
~80% alto/mediano;
10~20% pouco/nenhum.
Entre os que não publicaram:
40~60% alto/medino;
40~60% pouco/nenhum.

b) Importância dos princípios dos 3Rs:
Entre os docentes dos departamentos de Fisiologia (Gfis):
69% os três igualmente importantes;
12,3% redução;
11% refinamento;
8% substituição.
Entre os docentes dos departamentos de Farmacologia (Gfar):
68% os três igualmente importantes;
18,5% refinamento;
8% redução;
6% substituição.

c) Posicionamento quanto ao uso de animais:

Opção Gfis (%) Gfar (%)
"Acredito que há métodos melhores que a experimentação animal em pesquisas sobre saúde humana e animal. Estou trabalhando ativamente em pesquisas que substituem animais em alguns experimentos em minha linha de investigação" 1,3 3,8
"A experimentação animal é uma necessidade para a maioria das pesquisas atuais. Sua importância é inegável, e tem sido a responsável pela maioria dos avanços na saúde humana e animal" 44,3 38,1
"Não acredito que a pesquisa experimental abandone totalmente o uso de animais, independente de minha opinião sobre este assunto" 20,3 31,4
"Eu entendo que novas tecnologias possam vir a substituir o modelo animal em pesquisas sobre saúde humana e animal, assim como a razão disso acontecer, mas minha área de pesquisa exige usar animais como modelo" 20,3 17,1
Nenhum das opções acima 13,9 9,5

"5) Animais frequentemente utilizados na pesquisa aplicada (como camundongos e ratos) são modelos preditivos para seres humanos"
Gfis: 68% concordam; 9,4% discordam (n=53);
Gfar: 74% concordam; 10% discordam (n=81).

"6) Modelos experimentais baseados em humanos são o melhor caminho para alcançar resultados efetivos relacionados à saúde humana"
Gfis: 42% concordam; 39% discordam;
Gfar: 57,5% concordam; 29% discordam.

"7) A tecnologia aplicada à pesquisa experimental não será capaz de substituir o modelo animal"
Gfis: 63,3% concordam; 19% discordam;
Gfar: 58,5% concordam; 28,3% discordam.

"8) Abandonar a modelagem animal na pesquisa experimental causará sérios atrasos na descoberta de novas drogas e terapias, seja para humanos ou animais"
Gfis: 83,5% concordam; 11,4% discordam;
Gfar: 79,2% concordam; 14,2% discordam.

"9) É um exagero considerar a experimentação animal como principal responsável pelos avanços na saúde humana"
Gfis: 24,1% concordam; 62% discordam;
Gfar: 35,8% concordam; 49,1% discordam.

"10) Problemas éticos suscitados pela experimentação animal são superados pelo impacto positivo que a experimentação animal causa sobre a saúde humana e animal"
Gfis: 49,4% concordam; 30,4% discordam;
Gfar: 50,9% concordam; 31,1% discordam.

"11) Resultados obtidos da experimentação animal são duvidosos e confusos considerando sua aplicação em seres humanos"
Gfis: 3,8% concordam; 84,8% discordam;
Gfar: 13,2% concordam; 70,8% discordam.

"12) As descobertas científicas que mais contribuíram para prolongar a vida humana resultaram basicamente de estudos e observações clínicas, e não de testes feitos em animais vivos de outras espécies"
Gfis: 3,8% concordam; 70,9% discordam;
Gfar: 10,4% concordam; 62,3% discordam.

"13) A pesquisa científica poderá vir a substituir o uso de animais considerando-se um financiamento substancial dirigido ao desenvolvimento de outras técnicas experimentais"
Gfis: 38% concordam; 50,6% discordam;
Gfar: 44,3% concordam; 34,9% discordam.

"14) A tradição é a principal força que mantém a experimentação animal como um método científico da pesquisa experimental"
Gfis: 12,7% concordam; 82,3% discordam;
Gfar: 10,4% concordam; 82,1% discordam.

"15) A experimentação animal é essencial à ciência"
Gfis: 77,2% concordam; 13,9% discordam;
Gfar: 70,8% concordam; 12,3% discordam.

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Pesquisa "Visão do Brasileiro sobre Ciência, Sociedade e Tecnologia" - primeiros resultados

Antes de mais nada, gostaria de agradecer muitíssimo aos que colaboraram com a pesquisa, seja respondendo-a, seja divulgando-a.

Apesar de alguns esforços para diminuir o desvio da razão sexual dos respondentes - como apelos públicos voltados às mulheres e tentativas de divulgar em blogues e perfis de rede social voltados ao público feminino -, não teve jeito. 72,1% dos respondentes foram do sexo masculino, apenas 28,8% do feminino (apesar de haver opção para responder outra coisa, ninguém respondeu fora dessas alternativas).

O gráfico abaixo (Figura 1) resume os meios declarados pelos quais os participantes tomaram ciência da pesquisa.

Figura 1. Meios pelos quais os participantes da pesquisa tomaram conhecimento dela. Respostas espontâneas.

Não há muita surpresa pela grande concentração das respostas na web 2.0 - afinal, foi concebida, gerida e anunciada quase que exclusivamente na web 2.0. Boa parte souberam pelo próprio blogue do GR [preciso parar com a piada de ter apenas um casal de leitores : )], mas a maior fração por outros blogues. Do twitter, onde também concentrei bastante esforço de divulgação e o facebook. Além dos próprios esforços, a natureza das redes sociais certamente contribuíram - uma boa fração nas redes sociais souberam através de terceiros (bem mais do que diretamente pelos perfies do GR e meu).

Na Figura 2, estão destrinchados as referências nos blogues.

Figura 2. Blogues pelos quais os respondentes ficaram sabendo da pesquisa.

Nos blogues da Folha (no Mensageiro Sideral, do Salvador Nogueira,  e no Darwin e Deus, de Reinaldo José Lopes) e no blogue do Luís Nassif publiquei um comentário em algumas postagens. Não foram os únicos blogues em que publiquei comentários sobre a pesquisa, claro. Mas nos demais casos, não houve retorno. Nos blogues Álvaro Augusto, Carlos Orsi, Dragões de Garagem e O Telhado de Vidro (do Daniel Bezerra) foram publicadas postagens com links para a pesquisa.

Na Figura 3, está a distribuição das fontes no twitter.


Figura 3. Perfis do twitter pelos quais os participantes souberam da pesquisa.

Em um terço dos casos, nenhum perfil foi especificado. O principal perfil individual foi o do @cardoso, seguido de @ceticismo, @scienceblogsbr, @acidocetico e @ciencianamidia.

No caso do facebook (Figura 4), em mais de 3/5 dos casos, não houve menção a um perfil em específico. Minha interpretação tentativa é que no FB, a autoria das postagens e, principalmente, da fonte primária de menção tende a se diluir.

Figura 4. Perfis do facebook por intermédio dos quais os respondentes ficaram sabendo da pesquisa.

O padrão nada surpreendente, dada a natureza da pesquisa, é que os canais condutores mais eficientes são os ligados às ciências.

(O leitor ou a leitora atenta terá notado que não segui as melhoras práticas preconizadas para a produção de gráficos do tipo pizza - como a ordenação decrescente das classes.)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Canem et circensis

Abaixo uma relação, parcial (acrescento à medida em que souber de mais), de postagens na blogocúndia cientófila sobre a ação de ativistas dos direitos animais que invadiram o Instituto Royal e removeram/resgataram/roubaram beagles e coelhos usados em experimentação.*

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Rainha Vermelha Salvemos todos os bichos fofos
DNA Cético - Protetores de animais fofinhos
Nightfall in Magrathea Ou será que estou errado?
Ciência na Mídia O uso de animais na pesquisa científica
Improviso Científico Sobre beagles e imperfeição científica
Leconnector A verdadeira questão
Física sem Educação Animais, beagles e testes
NEUROtícias Cão de pesquisa que late não morde: uma reflexão sobre experimentação animal.
Haeckeliano Aranhas, Beagles e as Mentiras que os Cientistas contam
Darwin & Deus Por um punhado de beagles
Prisma Científico Snoopy e a experimentação animal
Discutindo Ecologia Sobre beagles, ativismo e divulgação científica
Teoria de Tudo Os gatos-bonsai do Instituto Royal
Blog da Sciam A controvérsia no caso dos beagles do Instituto Royal
Lygia da Veiga Pereira A Escolha de Sofia - os beagles ou eu?
Prisma Científico Por que modelos computacionais não podem substituir os modelos animais?
Comentários, Críticas, Dicas, etc. Pesquisas de estimação
DNA Cético Beagles que não largam o osso
DNA Cético Enquanto isso, na Europa...
Sonhos do Neuro Os direitos dos animais e a lógica ativista
Rock com Ciência Uso de animais em pesquisas e testes (podcast)
42 1 Macaco e Meio, um filme com Luisa Mell sobre a invasão do Instituto Royal que ninguém quer ver
Você que É Biólogo Sobre Beagles e Exoesqueletos
Ciência na Mídia Duas lógicas
Animalogos Beagles, o Instituto Royal, experimentação e activismo animal: a polémica no Brasil (blogue de Portugal)
CiênciaPop #SciCast 007 - Testes com Animais (Parte 1) (podcast)
Ciência na Mídia As fases da pesquisa clínica
CiênciaPop #SciCast 008 - Teste com Animais (Parte 2) (podcast)
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Meus pitacos:

De 97 a 99,5% das substâncias testadas in vitro - como em culturas de células - não apresentam o efeito desejado (ou mesmo apresentam efeitos nocivos). Dos 0,5 a 3% dos compostos que passam nesses testes, 83 a 92% são reprovados em testes com animais. Dos 8% a 17% (dos 0,5 a 3%), de 36 a 70% falham nas fases iniciais dos testes em humanos.

Repare-se que cada etapa funciona como um filtro e a taxa de fracasso diminui (ou, alternativamente, a taxa de sucesso aumenta), já que lidamos com sistemas que são mais similares.

Se testássemos direto em humanos, a fase mais cara e técnica e eticamente mais complicada (você nem tem humanos isogênicos e nem pode e muito menos deve criá-los), uma fração muito maior de testes terminaria em fracassos - e precisaríamos aumentar muito seu número absoluto para que se mantenha o mesmo número de novos compostos ou de tratamentos descobertos em um dado intervalo de tempo.

Certamente esse sistema de filtragem acaba removendo substâncias que poderiam ser benéficas ao corpo humano, ainda que não demonstrassem efeito positivo quer in vitro, quer em modelos animais. Mas a fração desses compostos tende a ser pequena.

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Há que se considerar que as mídias sociais não são representativas da população em geral, mas parte da reação demonstrada por muitos parece indicar que há muito trabalho de esclarecimento a ser feito junto à população. E, mais do que isso, um trabalho de convencimento.

Em um caso, uma pessoa quis me convencer no facebook de que modelos em PVC poderiam ser um bom substituto de animais em pesquisas de desenvolvimento de novos medicamentos. Esses modelos podem ser úteis em atividades didáticas de anatomia e algumas instruções sobre procedimentos cirúrgicos bem estabelecidos, mas seguramente é incapaz de reagir a compostos medicamentosos.

Fonte: Imagem da esquerda, Photoshop usado em campanha contra o uso de animais; à direita, criança acometida por varíola - doença erradicada por vacinas produzidas com o uso de animais.

Entre os ativistas abolicionistas dos testes com animais com quem debati, nenhum demonstrou conhecer os termos da Lei Arouca que regula a experimentação animal - frise-se que o tamanho amostral não é grande e certamente constitui-se em amostra viciada; mas considero importante que todas as partes tenham um conhecimento básico sobre a regulamentação legal do tema.

O mais importante de tudo é que casos de maus tratos e outras irregularidades sejam denunciadas às autoridades, como o Concea e o Ministério Público.

Upideite(24/out/2013): A Lei Arouca foi regulamentada pelo DEC 6.899/2009. Para críticas sobre a lei e o regulamento, veja, p.e., Bonella 2009 e Reynol 2009.

*Upideite(16/nov/2013): Procurei fazer um levantamento mais completo possível, mas certamente vários devem ter escapado. Fiquem à vontade para indicar omissões. A listagem aqui, claro, não se trata de um endosso ou declaração de concordância com os teores de cada postagem dos blogues relacionados (embora eu concorde de modo geral com a maioria deles). Somente dois textos acabei não relacionando - mesmo concordando no geral com o teor de cada um: por critério altamente subjetivo de adequação linguística.

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