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sábado, 18 de abril de 2009

Aquecimento global (parte 1 de 3)

Esta semana, o jornalista Marcelo Leite, especializado em ciências, comentou sobre os que ele chama de "céticos do aquecimento global" (e sobre os criacionistas) - parte pode ser lida no blogue dele. O jornalista Luis Nassif, especializado em economia, reproduziu um texto do físico José Carlos de Azevedo (um dos "céticos do aquecimento") publicado na Folha de São Paulo.

Muitos comentários a essas postagens revelam um preocupante desconhecimento a respeito do conhecimento científico por trás da hipótese do aquecimento global antropogênico. Há, também, tentativas de debate ideológico - que tem seu lugar, mas não deve se sobrepor aos dados na análise da situação.

Com base nisso inicio aqui uma série de postagens sobre o tema para esclarecer alguns pontos que parecem não ter ficado claro na mente das pessoas, especialmente de leigos.
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Aquecimento global

Há uma corrente de pessoas que negam o aquecimento global antropogênico contrariamente ao consenso na comunidade científica alcançado desde pelo menos o IV IPCC (2007). Supostamente em nome de um pluralismo, essa corrente de vozes dissonantes encontra um espaço exageradamente grande na imprensa leiga: exagerado em relação aos indícios fatuais que possuem contra a tese do aumento da temperatura causada pela emissão de gases na atmosfera pela atividade humana (particularmente pela queima de combustíveis fósseis e também pelo desmatamento). Há três vertentes principais desse negacionismo:
1) Não há indícios de que o aquecimento global esteja em andamento;
2) Não há indícios de que os gases-estufa, principalmente o CO2, causem o aquecimento global;
3) Não há indícios de que os seres humanos sejam os principais causadores do aumento da concentração dos gases-estufa na atmosfera.
A voz dos negacionistas ecoa na mente de leigos que consideram o alerta sobre o aquecimento global mera ação de propaganda. É também conveniente para muitos setores contrariados com as medidas sugeridas para o combate ao aquecimento global: como a indústria petrolífera e países e grupos cujos meios de produção dependem fortemente de atividades poluidoras da atmosfera.
Aparentemente nem os cientistas, nem a imprensa leiga e especializada estão fazendo uma tarefa satisfatória para o esclarecimento da opinião pública: quais as bases que sustentam a afirmação de que está a ocorrer um aumento global da temperatura e que esse aumento é causado pelas atividades humanas? Sem isso, sobra espaço para toda sorte de teorias conspiratórias.
Antes de prosseguir com a exposição dos indícios que fizeram a comunidade científica atingir um consenso (não unanimidade) sobre o tema, pode ser útil esclarecer alguns termos:
aquecimento global: aumento da temperatura média da camada da atmosfera mais próxima à superfície;
mudanças climáticas: alterações em regimes climáticos (chuva, temperatura, ventos...) – não são meras condições meteorológicas (estado atmosférico em um dado momento), mas climáticos (estado atmosférico geral em intervalos maiores de tempo).
efeito estufa: aumento da temperatura média de uma porção de ar (podemos considerar toda a atmosfera, p.e.) pela presença de determinados gases em certas concentrações.
São conceitos ligados, mas distintos. O efeito estufa pode ocorrer sem incorrer em aquecimento global: a temperatura média das camadas baixas da atmosfera podem permanecer constantes, apenas mais altas do que seria se não houvesse, por exemplo, CO2 – bastaria que nem a concentração do CO2 aumentasse, nem outros fatores se alterassem (como a incidência luminosa média local). O aquecimento global poderia ocorrer sem que o efeito estufa fosse responsável: as concentrações dos gases-estufa permanecessem constantes, mas a incidência luminosa local estivesse aumentando. Dificilmente um aquecimento global não causaria mudanças climáticas, mas mudanças climáticas poderiam ocorrer sem um aquecimento global: por exemplo, diante de um *resfriamento* global.
Feitos os esclarecimentos iniciais, vamos então à primeira questão: a temperatura média global nas camadas baixas da atmosfera está aumentando no decorrer do tempo?
Aquecimento global está a ocorrer
Isso é relativamente fácil de se responder, uma vez que há registros mais diretos de temperatura desde 1850 (Brohan et al. 2006; Jones & Salmon 2008) – é preciso fazer algumas correções em função da variação do método da coleta dos dados, mas o quadro é bastante claro (fig. 1).
Figura 1. Gráfico da diferença da temperatura média atmosférica superficial global ao longo dos anos em relação à média das temperaturas entre 1961 e 1990). Série histórica: 1850 a 2008.
O NCDC (2009), com outra base de dados, tem um resultado muito parecido (fig. 2).
Figura 2. Gráfico da diferença da temperatura média atmosférica superficial global ao longo dos anos em relação à média das temperaturas entre 1901 e 2000). Série histórica: 1880 a 2007.
A despeito do que os negacionistas dizem – incluindo a menção a recortes de jornais da década de 1970 (Hackbart 2007), em que pessoas e alguns cientistas se mostravam preocupados com a *diminuição* da temperatura – há, então, indícios muito sólidos sobre o aquecimento global. (Notemos que a intensidade do aumento da temperatura subsequente à década de 1970 é muito maior e a extensão do tempo 1975-2008 é equivalente ao de 1940-1975.)
Estando bem estabelecido o aquecimento global como um fenômeno real, muitos negacionistas admitem que há um aumento na temperatura do planeta, mas dizem que é um fenômeno provocado por outras causas, como um aumento na atividade solar. Será assim?
Referências

Brohan, P., J. J. Kennedy, I. Harris, S. F. B. Tett, and P. D. Jones. 2006. Uncertainty estimates in regional and global observed temperature changes: A new data set from 1850, J. Geophys. Res., 111, D12106, doi:10.1029/2005JD006548.

IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change). 2007. Fourth assessment report. Disponível em: http://www.ipcc.ch/ipccreports/ar4-syr.htm. Acessado em: 16 de abril de 2009. Link quebrado. Novo link: http://www.ipcc.ch/publications_and_data/ar4/syr/en/contents.html. Acessado em: 05 de maio de 2012.

Jones, P. & Salmon, M. 2008. Temperature data (HadCRUT3 and CRUTEM3). Disponível em: http://www.cru.uea.ac.uk/cru/data/temperature/. Acessado em: 16 de abril de 2009.

Hackbart, E. 2007. Quente ou frio ? O dia em que o Estadão anunciou o início de uma Era Glacial. Disponível em: http://www.metsul.com/secoes/visualiza.php?cod_subsecao=33&cod_texto=513. Acessado em: 16 de abril de 2009.

NCDC (National Climate Data Center). 2009. Global surface temperature anomalies. Disponível em: http://www.ncdc.noaa.gov/oa/climate/research/anomalies/index.php. Acessado em: 16 de abril de 2009.
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Upideite (13/set/2009): Aqui a parte 2. Aqui a parte 3.

8 comentários:

Unknown disse...

Takata, estou eu aqui como prometido. Três considerações a fazer, se me permite:

1. Consenso e unanimidade

Takata disse:
“Há uma corrente de pessoas que negam o aquecimento global antropogênico contrariamente ao consenso na comunidade científica alcançado desde pelo menos o IV IPCC (2007).”

Você frisa que existe consenso mas não existe unanimidade. Qual a diferença? Unanimidade seria quando um grupo possui a mesma opinião sobre um determinado assunto enquanto consenso seria um ACORDO no grupo para se chegar a um ponto de vista comum. Concorda? Se sim, temos uma unanimidade. Claramente não existe acordo entre os cientistas. Mas entre os climatologistas parece que se está caminhando para um consenso de que defender a teoria do aquecimento global é entrar numa fria. Afinal, uma pesquisa do Gallup indicou que apenas 17% dos membros da American Meteorological Society da American Geophisical Society achavam que o aquecimento do século 20 teria sido resultado de um aumento das emissões de gases de efeito estufa.

Desculpe-me mas, tentar enfiar guela abaixo este “consenso” é uma impostura científica.

Portanto, sua frase é contraditória além de não ser verdadeira: se há uma corrente que nega, logo, não existe consenso. Aliás consenso em ciência é raro. O senado americano possui um relatório que contém mais de 700 assinaturas dos maiores climatologistas e físicos do planeta questionando a teoria do aquecimento global. Logo, não procede afirmar sobre consenso. Pelo contrário: o relatório do IPCC contém assinaturas de 52 cientistas somente contra mais de 700 do US. Senate Minority report.

2. Espaço exageradamente grande nos meio de comunicação aos céticos.

Achei muito estranho você dizer isto. A mída está entupida de reportagens fazendo referência sobre o aquecimento global. É raro encontrar reportagens mostrando o outro lado. Veja, por exemplo, as várias séries na rede globo – atualmente a série no fantástico.
O filme “Uma verdade incoveniente” foi agraciado com Oscar, apesar de conter 26 afirmações distorcidas, 17 enganosas, 10 exageradas, 28 especulativas e 19 erradas – isto tudo registrado no livro de Marlo Lewis. Sem falar que o judiciário Inglês confirma as incorreções, pois o filme só pôde ser distribuído nas escolas da Inglaterra depois de diversas correções.
A Folha a pouco publicou artigo de Azevedo questionando o aquecimento global. Achei estranho, pois o perfil dos leitores da folha ainda são bem contrários ao passado pouco democrático de Azevedo. Se fosse um artigo de um cientista com mais reputação, duvido que a folha tivesse publicado. Você mesmo presenciou o debate no blog do Nassif - muitos eram contra o Azevedo pelo seu passado e não pelos argumentos apresentados.

3. Você apresentou gráficos usando somente fontes de termômetros terrestres (RSS/GISS)

É sabido que existe duas bases distintas de dados: os termômetros terrestres e os satélites. A diferença é grande e séria podendo comprometer a credibilidade da ciência. Consulte as fontes e verá as diferenças. Você pode chegar à conclusões claras acessando gráficos das duas fontes de dados em
(http://www.junkscience.com/MSU_Temps/Warming_Look.html

Qual dos dois métodos seria mais adequado para calcular uma possível média de temperatura da terra? Analise os prós e contras de ambas e conclua.

A fraude ocorrida em outubro de 2008 pelos alarmistas usou uma base de dados corrompida da Rússia (http://wattsupwiththat.com/2008/11/10/giss-releases-october-2008-data/ ) e também com a computação de dados de bases desativadas, me lembrando as incorreções nos relatórios do IPCC (alguns exemplos interessante em http://uddebatt.wordpress.com/2009/04/05/fatal-errors-in-ipccs-global-climate-models/ )
e dos erros grosseiros no filme de Al Gore.

Obs: veja nos gráficos que a curva do aumento do CO2 não tem relação com as variações média das temperaturas. Fica complicado observar uma relação entre as duas curvas.

Aliás, o arrefecimento apresentado pelo planeta neste século é uma facada na lógica do aquecimento antropogênico.

4. Teorias da conspiração

Takata disse:
“É também conveniente para muitos setores contrariados com as medidas sugeridas para o combate ao aquecimento global: como a indústria petrolífera e países e grupos cujos meios de produção dependem fortemente de atividades poluidoras da atmosfera. “

O que não é este parágrafo acima senão uma bela de uma teoria da conspiração? E logo depois você afirma:

“quais as bases que sustentam a afirmação de que está a ocorrer um aumento global da temperatura e que esse aumento é causado pelas atividades humanas? Sem isso, sobra espaço para toda sorte de teorias conspiratórias. “

Não sou dado a dar corda para teorias da conspiração, mas reconheço que elas existem de ambos os lados. Do lado dos céticos tais teorias são motivadas por:

- Al Gore
Gore é um dos sócios-fundadores do fundo de investimento Generation Investiment Managment – criado para promover investimentos de longo prazo “sustentáveis” - conflito de interesses que motivam teorias da conspiração.

- Maurice Strong (articulador internacional da teoria aquecimentista)
Associou-se ao mega-especulador George Soros em um projeto para inserir nos USA os mini carros chineses Cherry – menos poluidores – conflito de interesses que motivam teorias da conspiração.

- Mercado Capt-and-Trade – lucratividade para investidores de empresas ambientalistas

- O alarmismo seria uma tática para frear o desenvolvimento do terceiro mundo e garantir aos países ricos suas conquistas tecnológicas no caso do desenvolvimento dos países pobres comprometer os recursos da terra?

Veja bem: não sou adepto de tais teorias que se desenvolvem a partir das idéias acima. Apenas estou mostrando que elas podem pulular pelos dois lados da contenda.

É isso aí. Até mais.

Jandui

Luiz Bento disse...

Acho seu esforço louvável Takata, mas prefiro sempre indicar boas fontes sobre como discutir com um "cético" do clima. A única novidade no argumento do comentarista acima é a fatídica invasão aos emails. Uma piada, bem parecida com o que os criacionistas fazem.

Recomendo a Wiki do Realclimate que faz uma argumentação baseada em artigos científicos e não em Filmes do Al Gore e teorias da conspiração.

http://www.realclimate.org/wiki/index.php

Emilson Pereira Leite disse...

Consenso em Ciência não significa nada. Se há 1 cientista que levantou dados e argumentos CONTRA uma hipótese e 1 milhão com dados e argumentos A FAVOR da mesma hipótese, isso não valida e nem invalida a hipótese. Simplesmente não significa nada.

Isso sequer deveria ser mencionado para o público leigo. O público leigo tem o direito de entender as idéias e tirar suas próprias conclusões, em vez de ser induzido a acreditar em hipóteses/teorias científicas somente porque a maioria dos cientistas acredita nelas.

none disse...

Leite,

Grato pela visita e comentários.

Não é que consenso não signifique nada, mas é verdade que não signifique tudo. A questão, no entanto, não se baseia no consenso. O que procurei mostrar foram os *argumentos*, os *indícios*, os *dados*, os *fatos* que levaram a esse consenso.

[]s,

Roberto Takata

Androide disse...

Creio que as pessoas negam o óbvio porque acham pior o pânico.
A mídia sempre ressalva, mediante as catástrofes, que "nesta época do ano isto sempre acontece..." desconsiderando as mudanças de intensidade.

Os dominantes de sempre têm seus interesses imediatistas, despreocupados com um futuro onde não estarão.

Só que o mundo do consumo dará lugar a um mundo mais difícil ainda, onde a "economia" terá de se voltar ao auto-socorro coletivo...

none disse...

Salve, Android,

Valeu pela visita e comentário.

A situação é mesmo bastante complicada. Resta saber se algo será feito enquanto há tempo.

[]s,

Roberto Takata

Unknown disse...

Olá Takata, muito boa a sua iniciativa. Sinceramente sou leigo e pelo tudo que já li até então me deixa cético a respeito da hipótese de aquecimento global. Estou a procura da melhor teoria e espero que me ajude.

Esta hipotese foi baseado em quais estudos e quais metodologias foram aplicadas? Como o colega disse se foi baseado em um consenso é algo muito frágil não?
- Quais estudos provam a relação do aumento do CO2 com o aquecimento?
- Quais estudos comprovaram o aumento do CO2 na atmosfera?
- Quais estudos provam o aquecimento e como fora feitos?
- Algum estudo considerou outras váriaveis que poderiam ter contribuido para esse possivel aquecimento?
- Quais estudos mostram o aumento do nível do mar e como foi realizado?

Obrigado e parabéns pelo blog

none disse...

Caro Unkown,

Obrigado pela visita e pelos comentários.

Na postagem tem links para alguns dos estudos que respondem às suas perguntas. Na verdade atualmente são milhares de estudos que concluem pela realidade do AGA. Recomendo a leitura dos relatórios do IPCC (especialmente os mais recentes), lá você encontrará uma vasta bibliografia sobre o assunto e detalham as respostas às questões que colocou.

https://www.ipcc.ch/report/sixth-assessment-report-cycle/

Vou citar apenas um estudo que aborda cada ponto (mas lembrando que há muitos mais, você poderá encontrá-los nas referências dos relatórios do IPCC):
- https://www.nature.com/articles/nature05699
- https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2003JD004415
- https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/full/10.1029/2018JD029522
- https://www.nature.com/articles/ngeo2040
- https://www.nature.com/articles/s41467-019-12808-z

E o consenso não é frágil. Quando é feito por especialistas, após análise dos dados, é, ao contrário, algo muito *forte*.
https://journals.sagepub.com/doi/full/10.1177/0270467619886266

[]s,

Roberto Takata

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