Equipe liderada por Svante Pääbo publicou um artigo esta semana na revista Science sobre o genoma parcial de neandertais (um rascunho de mais de 3 bilhões de pares de base dos prováveis mais de 4 bilhões de pares base que compunham o genoma neandertal). (Green et al. 2010.)
O material genético foi recuperado de fragmentos de ossos de quatro localidades européias indicadas no mapa abaixo.
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Procedimentos foram tomados para se evitar a contaminação especialmente por material genético de humanos modernos.
A maior parte do genoma foi produzida pela composição das sequências obtidas de 21 fragmentos de ossos retirados da caverna Vindija (Croácia) - que correspondiam provavelmente a três fêmeas (análise do ADN mitocondrial mostrava que eram indivíduos distintos e ausência de sequências típicas de cromossomos Y hominídeos sugere que sejam mulheres). Análise de radiocarbono indica que os materiais da caverna tenham de 44.450 (+/-550) a 38.310 anos (+/- 2.130 anos). De outras três localidades, um sequenciamento parcial foi feito (o material da caverna Mezmaiskaya é mais antigo, entre 60.000 e 70.000 anos).
E comparararam-se as sequências obtidas com os genomas de seres humanos atuais: 2 euroamericanos, dois do leste da Ásia e quatro africanos ocidentais e de chimpanzé. Sem surpresas, o genoma neandertal é mais parecido com o de humanos do que com o de chimpanzé. Mas algumas sequências são mais parecidas com de asiáticos e euroamericanos do que com de africanos.
Isso quer dizer que os neandertais estão aninhados dentro da espécie humana? Não. Pois a maior parte das sequências dos euroasiáticos são mais parecidas com as dos africanos do que com as dos neandertais.
Os autores do artigo interpretam a presença de algumas sequências parecidas com as dos neandertais em euroasiáticos como uma transferência horizontal de genes - dada a quantidade, pouco provável que seja por meio de vetores como vírus (que se sabe promover a transferência de pequenas sequências isoladamente). A sugestão é que tenha ocorrido um cruzamento. E como não está presente no genoma dos africanos amostrados, esse cruzamento teria ocorrido já quando as duas espécies: Homo sapiens e Homo neandertalensis tinham divergido. Cruzamentos interespecíficos não são inéditos: todo mundo sabe de mulas produzidas pela cruza de cavalos e jumentas (ou de jumentos e éguas), zébrulos e zebróides (entre zebras machos e éguas ou cavalos e zebras fêmeas), patureba (pato com marrecas), tileões ou ligres (leões e tigrezas, tigres e leoas). Mas são incomuns e quase sempre fruto de condições artificiais. Incomuns, porém detectados ocasionalmente na natureza: um indivíduo abatido era híbrido de urso pardo com urso polar; e a hibridação de lobos vermelhos com coiotes têm ameaçado ainda mais a já pequena população dos primeiros (Adams et al. 2007).
A ideia da hibridação entre humanos e outras espécies de homininos (em particular com neandertais) não é novidade. P.e., pelo menos um estudo (polêmico, claro) da morfologia de ossos sugeriu que apresentava características de humanos modernos e neandertais (Duarte et al. 1999; Tattersall & Schwartz 1999). A equipe de Bruce Lahn (Evans et al. 2006), estudando formas variantes do gene microcefalina 1, detectou que o haplogrupo D ocorria apenas em populações não africanas e, mais, pelo relógio molecular, sua origem seria por volta de 37.000 anos atrás - sugeriu-se que ele teria sido introduzido a partir de cruzamento com neandertais.
Os achados de Green e colaboradores não confirmam a hipótese ousada da equipe de Lahn, no entanto. Haplótipos D da microcephalina não foram detectados nas sequências dos neandertais.
Mas por que seria cruzamento e não um simples partilhamento de variantes genéticas por ancestralidade em comum - com os africanos perdendo essas variantes? Essa hipótese é enfraquecida pelo fato de serem vários genes - se fosse apenas um ou uns poucos, a deriva genética poderia explicar (mas como sob deriva a direção do aumento ou diminuição de frequência entre os diferentes genes é independente, é difícil de considerá-la quando vários genes não ligados adotam a mesma direção). Isso também diminui as chances do resultado ser pelo pequeno número de indivíduos amostrados. Seleção diferencial contra esses genes nas populações africanas? Não é impossível, mas a variação das funções envolvidas: as variantes genéticas compartilhadas entre neandertais e euroasiáticos estão envolvidas no metabolismo, desenvolvimento esqueletal e atividades cognitivas - também enfraquece a hipótese.
Em sendo cruzamento, como isso se deu? Reinaldo José Lopes imagina uma cena romântica. Mas não é preciso que tenha sido assim: o rapto e estupro são atividades muito comuns entre os humanos. O fato de análise de ADN mitocondrial, em geral, não indicar contribuição neandertal (Serre et al. 2004 - note-se que esse trabalho é também do grupo de Pääbo) pode se dar pelo fato da contribuição ter se dado pela via patrilinear. Seria preciso analisar os genes do cromossomo Y para testar essa hipótese - infelizmente os ossos de Vindija (a partir dos quais se reconstituiu a maior do genoma neandertal) são todos de fêmeas. Entre as populações humanas atuais, o padrão de distribuição dos haplogrupos do cromossomo Y parece consistente com essa direcionalidade. Um dos próximos passos é se analisar o material genético de neandertais machos.
O site da revista Science mantém uma seção especial sobre o genoma neandertal.
Referências
Adams, J., Lucash, C., Scutte, L., & Waits, L. (2007). Locating hybrid individuals in the red wolf (Canis rufus) experimental population area using a spatially targeted sampling strategy and faecal DNA genotyping Molecular Ecology, 16 (9), 1823-1834 DOI: 10.1111/j.1365-294X.2007.03270.x
Duarte, C. et al. (1999). The early Upper Paleolithic human skeleton from the Abrigo do Lagar Velho (Portugal) and modern human emergence in Iberia Proceedings of the National Academy of Sciences, 96 (13), 7604-7609 DOI: 10.1073/pnas.96.13.7604
Evans PD, Mekel-Bobrov N, Vallender EJ, Hudson RR, & Lahn BT (2006). Evidence that the adaptive allele of the brain size gene microcephalin introgressed into Homo sapiens from an archaic Homo lineage. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 103 (48), 18178-83 PMID: 17090677
Green, R., Krause, J., Briggs, A., Maricic, T., Stenzel, U., Kircher, M., Patterson, N., Li, H., Zhai, W., Fritz, M., Hansen, N., Durand, E., Malaspinas, A., Jensen, J., Marques-Bonet, T., Alkan, C., Prufer, K., Meyer, M., Burbano, H., Good, J., Schultz, R., Aximu-Petri, A., Butthof, A., Hober, B., Hoffner, B., Siegemund, M., Weihmann, A., Nusbaum, C., Lander, E., Russ, C., Novod, N., Affourtit, J., Egholm, M., Verna, C., Rudan, P., Brajkovic, D., Kucan, Z., Gusic, I., Doronichev, V., Golovanova, L., Lalueza-Fox, C., de la Rasilla, M., Fortea, J., Rosas, A., Schmitz, R., Johnson, P., Eichler, E., Falush, D., Birney, E., Mullikin, J., Slatkin, M., Nielsen, R., Kelso, J., Lachmann, M., Reich, D., & Paabo, S. (2010). A Draft Sequence of the Neandertal Genome Science, 328 (5979), 710-722 DOI: 10.1126/science.1188021
Serre, D., Langaney, A., Chech, M., Teschler-Nicola, M., Paunovic, M., Mennecier, P., Hofreiter, M., Possnert, G., & Pääbo, S. (2004). No Evidence of Neandertal mtDNA Contribution to Early Modern Humans PLoS Biology, 2 (3) DOI: 10.1371/journal.pbio.0020057
Tattersall I, & Schwartz JH (1999). Hominids and hybrids: the place of Neanderthals in human evolution. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, 96 (13), 7117-9 PMID: 10377375
sexta-feira, 7 de maio de 2010
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