É difícil extrair muita lógica no conjunto de vídeos, textos, músicas e outros tipos de informações partilhadas pela internet que fazem um grande sucesso (por isso publicitários fazem diversas tentativas para que algo que eles produzam para a internet atinjam o objetivo de se alastrar boca a boca - ou teclado a teclado ou mouse a mouse ou touch screen a touch screen ou qualquer combinação de periféricos e interfaces de entrada de dados - em processo de tentativa e erro, com mais erros do que acertos). Na verdade é difícil extrair muita lógica do conjunto do que faz ou não sucesso mesmo fora da internet - a fórmula do sucesso tem sido um objetivo tão inalcançável quanto se obter a pedra filosofal, ou mais, já que se é possível obter ouro a partir de chumbo: só é preciso um acelerador de partículas de alguns milhões de dólares.
Não será aqui no GR que se alcançará finalmente tal intento. O objetivo desta postagem é muito, mas muito mais modesto. É apenas fazer uma análise da canção "Oração" de Leo Fressato, cuja gravação por um grupo musical curitibano, a Banda Mais Bonita da Cidade, tornou-se um desses sucessos internéticos. Não entrarei no mérito de qualidade da canção. E é uma análise bem marota, na verdade. Afinal farei uma incursão científica - quando obviamente não é essa a chave interpretativa da obra.
"Essa é a última oração pra salvar seu coração"
Há alguns trabalhos a respeito de orações intercessórias. Vários apresentam resultados positivos, mas críticas foram feitas quanto à metodologia - como não apresentar um formato de teste duplo-cego, não haver uma boa definição de parâmetros de melhora ou cura de doenças. Algumas meta-análises indicam que não há efeito detectável dessa técnica na saúde dos indivíduos alvo das preces (Master et al. 2006), outras encontram um efeito pequeno mas significativo (Roberts et al 2007).
"Não é tão simples quanto [você] pensa"
De fato o coração humano é um órgão bastante intrincado, havendo uma especialidade médica - a cardiologia - dedicada apenas ao estudo de seu funcionamento e das doenças que o afetam. A história evolutiva do órgão, passando de um tubo de contração peristáltica - quando não havia nem mesmo sangue - para um sistema paralelo de quatro câmaras com contração sincronizada como encontramos em mamíferos e aves é bastante interessante (Moorman & Christoffels 2003, Bishopirc 2005) e, embora muita coisa tenha sido descoberta, a genética do desenvolvimento cardíaco está ainda no começo (Olson 2006).
"Nele cabe o que não cabe em uma despensa [...] cabe uma penteadeira"
O coração humano tem o tamanho aproximado de dois punhos cerrados. Com uma massa média de 250 a 300 g em mulheres e de 300 a 350 g em homens adultos. Obviamente não caberia uma penteadeira a não ser metaforicamente. Já no coração de uma baleia azul... em um animal de 100 t, a bomba pode chegar a 400 kg de massa, caberia facilmente uma penteadeira - embora claro, provavelmente ocasionasse um estrago se inserido dentro de uma baleia viva.
"Cabem três vidas inteiras"
Na verdade, problemas cardíacos são a principal causa de mortalidade no mundo, correspondendo a 12% das mortes anuais. Entre mamíferos, como a taxa de batimentos cardíacos por minuto se correlaciona inversamente à longevidade dos indivíduos da espécie, há uma curiosa constância do total absolutos de batimentos cardíacos durante a vida entre as diferentes espécies: entre 1,7 bilhão e 13 bilhões de batimentos (Levine 1997).
"Cabe o meu amor [...] Cabe[mos] nós dois"
O coração há muito tem sido símbolo da emoção (apesar de ser o cérebro o responsável pelo processamento das emoções) por ser um órgão claramente afetado por estados emocionais - os batimentos se aceleram em estado de excitação, nervosismo, medo e desaceleram em estado de calma - graças ao sistema nervoso autonômico (SNA), com fibras do SNA parassimpático (via nervo vago) que diminuem a taxa dos batimentos cardíacos e fibras simpáticas que aumentam a taxa de batimentos. (Van Stee 1978.)
Hormônios como epinefrina (ou adrenalina) liberado pelas glândulas suprarrenais sob influência do SNA, também afetam as taxas de batimento cardíaco.
Esse efeito é interpretado sob a síndrome da fuga ou luta: a aceleração dos batimentos cardíacos em situação de estresse garante o suprimento sanguíneo aos músculos em caso de luta ou de fuga. (Curtis & O'Keefe 2002.)
Repetição
A repetição de tema em música é amplamente explorada - seja na forma de um refrão ou da repetição contínua do tema musical com ou sem variação.
A exposição repetitiva à música altera os batimentos cardíacos dos indivíduos (Iwanaga et al 2005), será que a exposição à música repetitiva tem efeito similar? É algo que poderia ser testado. Mas não cabe nesta postagem.
Referências
Bishopric, N. (2005). Evolution of the Heart from Bacteria to Man Annals of the New York Academy of Sciences, 1047 (1), 13-29 DOI: 10.1196/annals.1341.002
Curtis BM, & O'Keefe JH Jr (2002). Autonomic tone as a cardiovascular risk factor: the dangers of chronic fight or flight. Mayo Clinic proceedings. Mayo Clinic, 77 (1), 45-54 PMID: 11794458
Iwanaga M, Kobayashi A, & Kawasaki C (2005). Heart rate variability with repetitive exposure to music. Biological psychology, 70 (1), 61-6 PMID: 16038775
Levine HJ (1997). Rest heart rate and life expectancy. Journal of the American College of Cardiology, 30 (4), 1104-6 PMID: 9316546
Masters KS, Spielmans GI, & Goodson JT (2006). Are there demonstrable effects of distant intercessory prayer? A meta-analytic review. Annals of behavioral medicine : a publication of the Society of Behavioral Medicine, 32 (1), 21-6 PMID: 16827626
Moorman AF, & Christoffels VM (2003). Cardiac chamber formation: development, genes, and evolution. Physiological reviews, 83 (4), 1223-67 PMID: 14506305
Olson EN (2006). Gene regulatory networks in the evolution and development of the heart.Science (New York, N.Y.), 313 (5795), 1922-7 PMID: 17008524Roberts L, Ahmed I, & Hall S (2007). Intercessory prayer for the alleviation of ill health.Cochrane database of systematic reviews (Online) (1) PMID: 17253449
Van Stee, E. (1978). Autonomic Innervation of the Heart Environmental Health Perspectives, 26DOI: 10.2307/3428837
Agradecimento a Felipe Beijamini pela ajuda com uma referência.
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