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sábado, 27 de outubro de 2012

Entrevista com uma doutoranda - Gabriela Sobral

Gabriela Sobral**** é doutoranda em Biologia pelo Museum für Naturkunde na Alemanha. Ela desenvolve pesquisa sobre a evolução da audição em grupos basais* de arcossauromorfos (grupo que inclui aves e demais dinossauros, crocodilos, pterossauros, e membros menos conhecidos, além de, possivelmente, tartarugas**).

Recentemente, junto com colaboradores, publicou um trabalho com análise do sistema auditivo de um dinossauro usando tomografia computadorizada. Mas ultimamente têm enfrentado um problema seriíssimo: atraso do pagamento da bolsa Capes.

Abaixo, segue a entrevista concedida ao GR, em que Gabi relata o problema que tem atingindo vários pesquisadores brasileiros.

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GR. Você fez Ciências Biológicas no Rio (UFRJ) e mestrado em Biologia Comparada/Paleontologia em Ribeirão-SP (USP). Como foi parar na Alemanha em seu doutorado? Como está o encaminhamento do seu projeto?

Gabriela Sobral. Desde cedo eu tinha planos de passar parte da minha formação acadêmica no exterior e, ainda adolescente, procurei bolsas de estudo de graduação, mas a oferta era muito pequena. Quando cheguei perto mestrado e procurei saber, idem - a maior parte do subsídio financeiro sempre pareceu ser mais farta para o doutorado. Então quando eu participei pela primeira vez do encontro anual da Society of Vertebrate Paleontology em 2008 (um dos mais importantes encontros em paleontologia de vertebrados) eu já tinha em mente conversar com professores e pesquisadores de outras instituições. Mas como eu vim parar aqui foi totalmente ao acaso. Durante a apresentação do meu pôster, conversei com um professor de Munique sobre a minha pesquisa, que envolvia um grupo pouco estudado de arcosauromorfos basais chamado genericamente de prolacertiformes (atualmente sabe-se que são parafiléticos). Esse professor me perguntou se eu teria interesse em continuar estudando esse grupo, disse que na Alemanha havia tanto oportunidades de doutorado, como bom acesso aos materiais e me mostrou o site do DAAD (que eu já conhecia por uma amiga, que iria em poucos meses fazer sanduíche através desse acordo [NE: Deutscher Akademischer Austausch Dienst, Serviço de Intercâmbio Acadêmico Alemão]). Sinceramente, estudar na Alemanha não tinha passado seriamente pela minha cabeça, então, quando voltei ao Brasil, dei mais atenção a um contato em Cambridge que eu havia feito no congresso. Semanas depois do retorno, essa amiga me avisou que havia saído o edital do próximo ano e perguntou se eu iria aplicar. Resolvi tentar também. Liguei para o professor de Munique para amadurecermos a ideia e ele disse que não era especialista na área, que havia dado a ideia por achar interessante, mas que se eu quisesse mesmo, poderia tentar com o professor de Berlin - e me passou os contatos do meu atual orientador, para quem liguei na mesma hora e se mostrou muito empolgado com a idéia. E assim foi. Minha tentativa para Cambridge não se consumou principalmente por falta de verba, já que eu não havia pedido bolsa no Brasil e dependia apenas da bolsa para estrangeiros da universidade, a qual me foi negada.

O meu projeto já está entrando na fase final e, como tudo corre bem próximo ao cronograma, devo entregar minha tese em abril de 2014. Todos os meus relatórios anuais voltaram com muitos elogios ao meu progresso e nunca tive problemas maiores com a CAPES ou nenhum outro órgão. Meu orientador é muito atencioso e cuidadoso, se importa com meu projeto e me incentiva também a procurar projetos paralelos. Empenha-se em me ensinar novas técnicas, oferece-me oportunidades de cursos, colaborações) e sempre discute aberta e sinceramente todas as minhas questões.

GR. Há quanto tempo não estão depositando o valor de sua bolsa Capes? Eles explicaram o motivo? Há previsão de normalização?

GS. Até este trimestre, eu nunca havia tido problemas maiores com o depósito da bolsa, afora no trimestre de abril deste ano, mas imagino que as datas dos feriados de Páscoa no Brasil e na Alemanha tenham contribuído. Nessa ocasião, quando entrei em contato, recebi uma resposta um pouco automática: "como consta no contrato, a bolsa pode levar até o vigésimo dia do primeiro mês do trimestre pra bater". Essa cláusula por si só é um pouco cruel, por que eu acho absurdo que se peça para qualquer ser humano guardar o equivalente a quase um mês de salário porque "devido a trâmites internacionais" o pagamento "pode atrasar". É impraticável. A ordem de pagamento não pode ser feita antes?

De todo modo, quando recebi essa resposta em abril me perguntei se, quando questionados sobre o assunto, os funcionários realmente verificavam se havia um problema e, em caso negativo, mencionavam a lentidão da transação, ou se era apenas uma resposta automática mesmo. Quanto tempo até perceberem que houve um erro? E o que acontece quando há um erro? Eu não sabia... mas agora eu sei. Quer dizer, sei mais ou menos. Apesar de não ter contactado a Capes desta vez acerca do atraso (por dois motivos: primeiro que eu estava no encontro anual da SVP nos Estados Unidos; segundo porque vi no site que a ordem de pagamento tinha sido enviada apenas em primeiro de outubro - aproximadamente 10 dias depois do normal - e pensei logo na greve), eu nunca fui avisada de que houve um erro. Nunca me ligaram, nem me escreveram. E da primeira vez que eu liguei, também não havia prazo de quando as bolsas seriam depositadas. Quando liguei da segunda vez pedindo um contato no Banco do Brasil, a resposta foi que não se sabia a quem perguntar e que havia chegado a informação de que a previsão seria na semana que vem. Ou seja: em novembro já!

GR. Como a falta da bolsa está afetando seu dia-a-dia e suas pesquisas? Como você está se virando nesse meio tempo com suas despesas?

GS. Isso ainda não está afetando diretamente meu trabalho, mas certamente está afetando meu psicológico e o meu dia a dia. Voltei dos Estados Unidos resfriada e a gripe não melhora. Nos últimos dias tenho tido insônia e crises de choro, principalmente a cada vez que chega uma conta: o aluguel, o dentista, a luz... E eu simplesmente não tenho dinheiro pra pagar! Já administro minha vida financeira há mais de 5 anos e nunca tive problemas, então essa situação me afeta de maneira particularmente forte. Desde o começo do mês estou no negativo e, no começo, estava sacando dinheiro do meu cartão de crédito, mesmo com altas taxas para tal, para depositar na minha conta corrente e cobrir meus gastos - fora que estava usando o cartão para supermercado e outros. E agora a fatura do cartão vai chegar e eu não tenho como pagar. Tenho economizado aonde dá: cheguei ao absurdo de economizar no supermercado e bom, pelo menos emagreci pouco mais de um quilo. Para viajar para o encontro deste ano da SVP, eu apliquei para uma bolsa de ajuda de custo de US$ 600 da sociedade - e ganhei. Com esse dinheiro paguei meus gastos lá e consegui economizar uns 100 dólares, que se transformaram na minha fonte de renda desde que eu voltei.

Eu cogitei fazer um empréstimo no banco e até meu orientador me ofereceu ajuda. Também cheguei a propor um acordo com o DAAD do Rio, para que o DAAD daqui me depositasse se não o valor da bolsa completo, pelo menos mil euros [porque mil euros não é tipo de quantia que eu vou pedir pro meu orientador], mas o diretor do DAAD não aceitou a proposta, disse que era inviável. Inviável é ficar sem receber! Eu conversei com meu locatário e avisei que não poderei pagar até que tudo se normalize - o que alivia porque o aluguel é a maior parte dos meus gastos. Para todo o resto eu tive que pedir para a minha família. Mas daqui a pouco o mês vira e as contas vão começar a chegar de novo e eu não sei se poderei contar com minha família novamente. Eu espero poder repassar todos os custos referentes a esse atraso para a Capes - como por exemplo multas por eventuais atrasos ou a taxa de saque do cartão de crédito etc. Por mais que sejam quantias pequenas, eu não acho justo ter que arcar com isso por um erro que não foi meu.

GR. Sabe de mais algum brasileiro com esse problema, na Alemanha ou em outro lugar?

GS. Acho que quase todos os bolsistas da Alemanha estão sem receber - sei de pelo menos mais duas pessoas na mesma situação. Em outros países eu realmente não sei....

A minha queixa maior com a Capes é no atendimento ao aluno. Em três anos, eu raramente fui respondida de pronto a uma dúvida e em muitas ocasiões tive que ligar para o escritório no Brasil para ser respondida. Dois anos atrás, o parecer do meu relatório anual também atrasou, o que resultou em um estresse desnecessário para o envio de um documento vital para a renovação do meu visto. Mandei emails, que não foram respondidos porque a funcionária estava de férias - e aparentemente ninguém ficou responsável por isso.

São pequenos descuidos que fazem a gente passar um aperto desnecessário. Por exemplo, se tivessem avisado do erro na transação com antecedência, eu teria programado minhas despesas melhor, teria conversado com meu locatário antes... não que eu fosse ficar feliz em saber que não iria receber, mas a demonstração de preocupação faz a diferença - e isso infelizmente a Capes não demonstra muito.
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O que será que a Capes tem a dizer sobre isso? Ainda mais quando agora está - em uma medida louvável - enviando cerca de 100 mil alunos de graduação e pós-graduação ao exterior por meio do Ciência sem Fronteiras.

*Upideite(28/out/2012): corrigido a esta data.
**Upideite(28/out/2012): a opinião de que tartarugas possivelmente sejam arcossauros não é partilhada pela entrevistada (Gabriela Sobral defende diz que a visão predominante entre os paleontologistas de vertebrados é de que seja um lepidossauromorfo).****
***Upideite(28/out/2012): @carloshotta indica um estudo recente com elementos ultraconservados que posiciona as tartarugas no ramo dos arcossauromorfos (como grupo-irmão dos arcossauros).
****Upideite(28qout/2012): alterado a esta data.
Upideite(30/out/2012): Ícaro Gonçalves comenta: "Aos bolsistas desse programa [Ciência sem Fronteiras] aqui na Alemanha, a mesma coisa. Até agora não se sabe de ninguém que tenha recebido as primeiras mensalidades no exterior, do trimestre referente a nov-dez-jan, e a grande maioria se encontra na mesma situação da doutoranda."
Updeite(30/out/2012): Pelo comentário e twitter, Jeferson Arenzon, do Coletivo Ácido Cético, informa que o atraso ocorreu também na França. O pagamento da bolsa foi feito somente hoje. Aparentemente, a justificativa da Capes para o atraso seria o aumento do número de bolsistas - deveria ter havido, então, um aumento correspondente no pessoal para a análise e liberação dos pagamentos.
Upideite(29/nov/2012): Só agora a Capes comunica oficialmente que houve atrasos e o motivo:
"A Capes esclarece que, tendo em vista a implementação de novo sistema, Virtual Private Network (VPN), alguns pagamentos em moedas diferentes do dólar americano não foram devidamente processados dentro do prazo estabelecido. Sendo assim, as equipes técnicas da Capes e do Banco do Brasil encontram-se trabalhando conjuntamente para que os atrasos ocasionados por essa mudança sejam solucionados imediatamente."
(Não, não sei o que a instalação de VPN tem a ver com atraso nas bolsas. Muito menos a espera de *dois* meses para dar tal esclarecimento.)
E só agora a imprensa começa a cobrir o caso.
Upideite(10/jan/2013): A situação continua complicada, reportagem da Folha mostra que pelo menos 25 bolsistas da UEL não recebem deste setembro de 2012. E agora a Capes diz que falta estrutura para gerenciar os pagamentos das bolsas.

2 comentários:

Ícaro Gonçalves disse...

"O que será que a Capes tem a dizer sobre isso? Ainda mais quando agora está - em uma medida louvável - enviando cerca de 100 mil alunos de graduação e pós-graduação ao exterior por meio do Ciência sem Fronteiras." Aos bolsistas desse programa aqui na Alemanha, a mesma coisa. Até agora não se sabe de ninguém que tenha recebido as primeiras mensalidades no exterior, do trimestre referente a nov-dez-jan, e a grande maioria se encontra na mesma situação da doutoranda.

Jeferson Arenzon disse...

Idem na Franca...

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