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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

Melhorar a ciência brasileira: acabar com bolsistas e criar o cargo de pesquisador?


A neurobióloga Suzana Herculano-Houzel propõe como forma de valorização dos cientistas a extinção de bolsas de pós-graduação e a criação de cargos de pesquisadores contratados pelas fundações privadas de apoio a instituições acadêmicas.

Há um grande mérito de se aventar uma proposta clara e bem objetiva para a melhoria da ciência no Brasil. Acho que merece ser pensado com carinho.

Alguns senões que vejo são:
a) Para uma mesma verba, menos pessoal poderá ser envolvido. A garantia de direitos trabalhistas é, sem dúvida, um ponto importante. Mas isso significa custos - adicional de férias, décimo terceiro, previdência. Mesmo que os valores dos salários dos pesquisadores sejam equivalentes ao das bolsas, no fim, cada pesquisador custará por mês mais do que um bolsista. Dentro do panorama governamental de expansão do número de cientistas no Brasil, isso implicará na necessidade de um aporte de verbas substancialmente maiores.

b) Sou um tanto reticente (estou sendo eufemista, sou muito reticente) quanto à parte de transferência da responsabilidade da contratação pelas fundações privadas. O controle sobre elas é menor, o que significa de um lado, a agilidade percebida por Herculano-Houzel; mas, de outro, abre brechas fortes para malversações - e tivemos um escândalo recente de desvio de verbas por fundações privadas na UnB (escândalo que envolveu o reitor de então).

c) A dissociação de ensino/pesquisa. Ainda que a *instituição* mantenha o trinômio ensino-pesquisa-extensão, a separação das carreiras de docente e pesquisador no âmbito das universidades pode trazer consequências ruins para a parte da docência. Verdade que um bom pesquisador não necessariamente é um bom professor; mas a estrutura universitária (ao menos das IES públicas) não é mesmo voltada ao ensino nos termos de um professor passar didaticamente a matéria ao aluno - funciona bem na base da "seleção natural" - ainda que com resultados. O argumento é que um bom pesquisador, ainda que não seja um bom professor, permite ao aluno estar em contato com a pesquisa de ponta. É verdadeiro isso? Não sei. Seria preciso averiguar melhor.

Infelizmente acho que não terei como atender ao pedido da @ciencianamidia de analisar a proposta com sugestão de melhorias. As "melhorias" que vejo desvirtuariam completamente a proposta de HH: por exemplo, a transferência da responsabilidade do contrato das fundações privadas de volta para a universidade/institutos.

Mas a questão da profissionalização da figura do pesquisador e da meritocracia são pontos de total concordância. Se não me engano é o modelo alemão em que muitos alunos de PhD são contratados como professores e pesquisadores assistentes - ou seja, recebem um salário.

A meritocracia é implementável mesmo dentro do funcionalismo público. É preciso um plano de carreira condizente. As IES estaduais paulistas têm os seus - parece-me que o da USP, mais recentemente implantado, é o mais draconiano: a progressão na carreira (com o correspondente aumento salarial) se dá sob análise da produtividade nos últimos 5 anos.

No plano federal, desde 2002 vinha havendo uma gradativa recomposição salarial dos docentes das IES. O que foi interrompido com a crise de 2008; que acabou redundando em uma longa greve este ano.

Dando também minha cara à tapa, eu apostaria, então, em uma estratégia mix para a valorização devida dos pesquisadores (uma evolução gradual em vez de uma revolução):
1) Recomposição e valorização salarial dos docentes e estruturação de um plano de carreira por meritocracia (sim, uma avenida enorme de discussão sobre quais indicadores de mérito usar: publicações, orientações, desempenho dos alunos, projetos aprovados...);
2) Recomposição e valorização das bolsas de pós-graduação e institucionalização de certos direitos (férias remuneradas, décimo-terceiro, contribuição previdenciária proporcional, seguro saúde);
3) Aumento no investimento público em C&T (incluindo a expansão e estruturação das IES públicas e institutos públicos de pesquisa, e investimentos em P&D de estatais e empresas de capital misto como a Petrobras);
4) Incentivo à pesquisa em empresas e instituições privadas (linhas facilitadas de crédito, mas sem empréstimos a fundo perdido, participação governamental nas patentes: riscos e ganhos compartilhados; isso inclui parcerias público-privadas);
5) Melhora na governança e gestão das IES públicas e institutos públicos de pesquisa e dos investimentos públicos em C&T.

4 comentários:

Iuri disse...

Achei este texto da Suzana um pouco mais equilibrado, pelo menos. O texto anterior ('Você quer mesmo ser cientista?') me pareceu um tanto estranho em alguns pontos. Principalmente quando ela afirma: "Esta é minha campanha de anti-propaganda em prol da melhoria da ciência no meu querido país[...] Precisamos de uma crise, e um desinteresse súbito da parte de nossos jovens seria muito, muito, muito eloquente".

Ela realmente acredita nisso? Qual o raciocínio? Uma crise na ciência geraria uma crise econômica a curto prazo no país a ponto de pressionar por uma reestruturação da política científica? O que efetivamente o país sofreria com uma 'crise de PhDs'? Acho uma ideia ingênua. Considero que o retorno do investimento em ciência não é rápido nem certo. Uma crise assim só prejudicaria ainda mais a ciência nacional.

none disse...

Salve, Iuri,

Valeu pela visita e comentários.

Bem, quem poderia responder a isso com propriedade é a própria SHH, mas tenho por mim que o primeiro texto foi mais uma provocação. Algo na linha "Uma proposta modesta" de Swift.

O importante ali, a meu ver, era o retrato da desvalorização do pesquisador.

[]s,

Roberto Takata

Roberto Berlinck disse...

Vejo uma contradição básica na proposta de Suzana: como formar pesquisadores sem pós-graduação? E como os estudantes de pós-graduação poderiam se manter sem bolsa?

Sinuca de bico.

none disse...

Salve, Berlinck,

Bem, pelo que entendi, não seria a extinção da pós-graduação, mas sim das bolsas - cujas verbas seriam convertidas em salários: os doutorandos seriam contratados como pesquisadores em teste.

Grato pela visita e comentários. E ótimas festas.

[]s,

Roberto Takata

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