Mas é uma dúvida pertinente. Duas pessoas bastante bem informadas levantaram
Qual a opinião da galera em relação ao zyka e à microcefalia? Parece que falta algo no quebra-cabeças...
— Doc Hotta (@carloshotta) December 1, 2015
Não basta achar o zyka em bebês c/ microcefalia, tem q mostrar q ele não está em bebês com cabeça normal
— Doc Hotta (@carloshotta) December 1, 2015
Até onde eu vi, é bem possível que o número de casos de zyka seja bem mais alto que os números oficiais.
— Doc Hotta (@carloshotta) December 1, 2015
O governo está pagando mais mico afirmando prematuramente uma relação causal entre o vírus zika e a microcefalia... https://t.co/bIcP8Rm6aN
— Eli Vieira (@EliVieira) December 2, 2015
Em primeiro lugar, é bom dizer que o Ministério da Saúde *não* anunciou uma relação de causa e efeito, apenas considerou oficialmente que há sim uma relação entre o vírus zika (ZIKV) e o surto de microcefalia nos estados do Nordeste. Agora, qual a natureza exata dessa relação é algo ainda por se estabelecer.Mas por que o MS declarou que há uma relação? Não poderia ser por puro acaso, ainda mais que é uma amostragem pequena?
Não temos uma boa estimativa do tamanho da incidência de ZIKV nos estados. Na Bahia, uma
Se multiplicarmos a estimativa de incidência do zika por 10 - superando em muito a incidência da dengue (com sintomas em geral mais graves): de 757 casos por 100.000 hab. - ainda assim as chances de associação ao acaso seriam de 1 em 48 mil. (Em havendo confirmação de muitos casos de microcefalia sem a presença de ZIKV, isso pode mudar, no entanto.**)
Além do Brasil, na Polinésia Francesa também detectou-se um aumento do número de fetos com má formação do sistema nervoso central (não necessariamente microcefalia) após epidemia de febre zika em 2013-2014.
Certamente não é em todo caso de microcefalia que será detectado o ZIKV - a má formação já ocorria no país, mas em uma frequência cerca de 8 vezes mais baixa. Considerando-se uma estimativa uniforme de 275 casos para 100.000 habitantes sobre o número de nascimentos registrados em 2013 (segundo o DataSUS), uma relação de 1:1 entre infecção e microcefalia explica bem os casos detectados até o momento nos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Sergipe, Alagoas e Piauí (há uma superestimativa de até cerca de 3 vezes - isto é, ainda está dentro da ordem de grandeza do valor calculado); nos demais estados a incidência pode ser bem menor (ironicamente seria o caso da Bahia, onde a incidência foi estimada) ou pode ser o caso de que não ocorra necessariamente má formação na presença do ZIKV.
Nas unidades federativas do RJ, GO, MS e DF não parece ocorrer um surto de microcefalia - os casos em 2015 são similares à média da ocorrência nos anos anteriores. Os casos da Bahia e do Ceará surgem em uma situação intermediária com um aumento de pouco mais de 3 vezes em relação à média: podem estar dentro da variação normal sem relação com o ZIKV.
Tabela 1. Casos de microcefalia no Brasil até 01/dez/2015. Fonte: Ministério da Saúde.
UF | média 2010-2014 |
casos 2015 |
aumento de microcefalia |
esperado (incidência de 275/100 mil hab.) |
casos/esp. |
Brasil | 156,2 | 1.248 | 7,99 | 7.986 | 6,40 |
PE | 8,6 | 646 | 75,12 | 389 | 0,60 |
PB | 4,2 | 248 | 59,05 | 156 | 0,63 |
RN | 1,8 | 79 | 43,89 | 129 | 1,63 |
SE | 1,6 | 77 | 48,13 | 94 | 1,22 |
AL | 2,8 | 59 | 21,07 | 144 | 2,45 |
BA | 10,6 | 37 | 3,49 | 559 | 15,11 |
PI | 3,0 | 36 | 12 | 128 | 3,55 |
CE | 6,6 | 25 | 3,79 | 343 | 13,74 |
RJ | 12,4 | 23 | 1,85 | 616 | 26,78 |
TO | 1,2 | 12 | 10 | 66 | 5,53 |
MA | 2,0 | 12 | 5 | 316 | 26,35 |
GO | 3 | 2 | 0,67 | 261 | 130,38 |
MS | 0,8 | 1 | 1,25 | 116 | 116,31 |
DF | 2,2 | 1 | 0,45 | 122 | 122,46 |
Upideite(03/dez/2015): Pelo twitter Carlos Hotta questiona a aleatoriedade da amostragem:
@rmtakata nos seus cálculos de chances, vc assume q as amostras de bebês c/ microencefalia foi aleatória mas não foi.Isso afeta o resultado?
— Doc Hotta (@carloshotta) December 3, 2015
Enviei um email ao Instituto Evandro Chagas perguntando a respeito. Publico a resposta assim que a obtiver. Se a amostra não for aleatória em relação ao casos de zika - por exemplo, tiverem examinados somente os casos de microcefalia com suspeita forte de infecção prévia de zika pela mãe/gestante -, naturalmente a probabilidade é alterada.Se foram analisados apenas os casos em que as gestantes apresentaram exantemas durante a gravidez, tomando-se o caso de PE como indicador, em que, de 11 amostras suspeitas de pacientes (não necessariamente gestantes), 4 foram confirmados, as chances sobem para (4/11)^3 ou 1 em 21. Se for como no CE, em que de 14 amostras, 10 foram positivas, as chances serão de 1 em 3.
Por outro lado, a própria concentração de casos suspeitos entre as grávidas tornaria a ligação ainda mais provável. A um nível de incidência de 275 casos por 100.000 habitantes, entre os 1.248 casos, seriam esperados 3,4 casos - usando o nível de positividade do CE, seriam, então, apenas 4,76 ~ 5 as gestantes a relatarem manchas vermelhas durante a gravidez. Só no RJ, com 23 casos, 8 gestantes relataram exantemas ao longo da gravidez.
***Upideite(04/dez/2015): A SES-MG informa que os casos registrados no estado em 2015 estão dentro da normalidade esperada. De 2003 a 2014 foram 193 casos de microcefalia registrados em MG, uma média de 16 casos por ano.
2 comentários:
Seria esse um exemplo de uma casa que pegou fogo sem velas? (biólogos adoram gêmeos - ok, nesse caso não são univitelinos, mas é um caso interessante)
http://saude.estadao.com.br/noticias/geral,sao-gemeos--mas-um-dos-bebes-tem-microcefalia,1822194
Salve, Heringer,
Valeu pela visita e comentários.
É bom ter em mente que a microcefalia tem várias causas. Inclusive genéticas. Poderia, p.e., ser o caso de um ser homólogo dos alelos que levam à microcefalia e outro não.
Pelos dados do boletim epidemiológico da semana 4, por eqto, cerca de 4% dos casos confirmados de microcefalia (infecciosa) foram relacionados ao ZIKV.
http://combateaedes.saude.gov.br/images/pdf/informe-epidemiologico-11-2016.pdf
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Infelizmente não temos uma boa estimativa da real incidência de ZIKV na população. Se os números iniciais da BA foram uma estimativa razoável (275 em 100.000), as chances, ao acaso, de haver 17 ou mais infectados por ZIKV entre 404 microcéfalos é menos de 0,0001%. Se adotarmos um valor de 2% de infectados (o que me parece muito exagerado), a probabilidade é de 0,37%.
[]s,
Roberto Takata
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