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domingo, 2 de outubro de 2016

Volta ao Mundo com Zika Camargo: 2 - Tanzânia

Tanzânia, ou República Unida da Tanzânia, é um país da África Oriental, como Uganda, com quem faz fronteira ao norte; também ao norte fica Nigéria; a oeste ficam Ruanda, Burundi e República Democrática do Congo; ao sul, Zâmbia, Malaiu e Moçambique e a leste o Oceano Índico. (Fig. 1)

Figura 1. Tanzânia. Fonte: Google Maps.
Ela é resultado da fusão de duas repúblicas independentes: a República de Tanganica, que se tornou independente do Império Britânico em 1961, e da República Popular de Zanzibar e Pemba, surgida em 1964 após a Revolução Zanzibar no Sultanato de Zanzibar, então parte da Colônia do Quênia do Império Britânico. A área continental corresponde ao território da República de Tanganica, a ex-República de Zanzibar ocupava as ilhas do arquipélago de Zanzibar à costa da atual Tanzânia.

Em 1950, a população estimada para o atual território da Tanzânia, era de 7,65 milhões de habitantes; em 2015, eram 53,47 milhões. (Fig. 2)

Figura 2. Evolução da população da Tanzânia (1950-2100). Fonte: UN World Population Prospects.

Menos de um ano após a publicação do anúncio da descoberta do vírus zika (ZIKV), saiu um estudo de Kenneth C. Smithburn (1952), outro pesquisador da Rockefeller Foundation, em que testou o sangue de 297 pessoas de Uganda e do então Território de Tanganica para a presença de anticorpos contra 8 vírus isolados em Uganda, entre os quais o ZIKV.

Juntamente com os resultados de Dick, 1952 para as localidades de Bwamba e Nilo Ocidental em Uganda; era a primeira demonstração de infecção prévia de ZIKV em humanos (embora Simpson 1964, reporte um MacNamara 1951, parece ser um erro, devendo mais se referir a MacNamara 1954).
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Veja também: Parte 1 - Uganda.

sexta-feira, 4 de março de 2016

Microcefalia e zika: o tamanho do estrago

O ritmo de esclarecimento da relação entre o ZIKV e o surto de microcefalia está acelerado.

Depois da confirmação da relação causal (ainda que muitos cientistas ainda prefiram uma linguagem mais cautelosa) com dois estudos - in vitro - mostrando o efeito do ZIKV sobre células-tronco cerebrais; podemos começar a avaliar também outros aspectos como com que frequência o ZIKV causa problemas à gestação.

Grupo da Fiocruz e da UCLA realizaram análise de gestantes com sintomas de febre zika e publicaram os resultados na NEJM na edição de 04.mar.

88 grávidas (em variadas semanas de gestação) que apresentaram febre aguda e exantemas foram examinadas. 72 deram positivo para o ZIKV por análise sanguínea ou de urina com RT-PCR. Destas, duas sofreram aborto espontâneo ainda durante o primeiro semestre da gestação. Das 70 restantes, em 42 foram realizadas exames de ultrassonografia; das 16 negativas para o ZIKV, em nenhum foi detectado qualquer anomalia no feto.

Entre as 42 examinadas, o tempo da ocorrência da febre aguda variou da 6 à 35 semana gestacional. Em 12 casos (28,6%) foi detectada alguma anomalia: em 8 casos, a gestação terminou em aborto espontâneo. Dos 4 nascidos vivos, 1 apresentou microcefalia (além de calcificação cerebral, atrofia cerebral geral e lesões maculares) e o restante algum outro problema: tamanho pequeno (2 casos), lesões maculares, reflexo de sucção prejudicado e padrão de EEG alterado.
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Considerando os 2,9 milhões de nascimentos por ano do Brasil em 2013 segundo o DataSUS, e que entre 440 mil e 1,3 milhão de brasileiros foram infectados com o ZIKV, tomando-se a chance de 1 em 34 de a gestação de mãe infectada com ZIKV com bebê nascido vivo resultar em microcefalia, são esperados algo como 190 a 600 bebês com microcefalia devido ao ZIKV a cada ano com essa taxa de infecção. Se consideramos a taxa de 12/42, serão de 1.800 a 5.300 gestações com problemas: abortos, má formações e disfunções no feto. (Chamando a atenção de que é uma estimativa bem grosseira.)

Se tivéssemos um sistema de registro ausente, falho ou inconfiável como presente em muitos países em que o ZIKV circula há muito tempo, jamais teríamos dados para detectar qualquer surto de microcefalia. Por outro lado, ironicamente, se o Sinasc registrasse diligentemente todos os casos anuais de microcefalia para vigilância epidemiológica, dificilmente o surto de microcefalia associado ao ZIKV seria detectado. (E, assim, encontramos um novo significado para a frase "o ótimo é inimigo do bom".)

quarta-feira, 2 de março de 2016

Microcefalia e zika: batendo o martelo para a relação causal

O grupo do biólogo Stevens Rehen praticamente encerrou a discussão a respeito da relação causal entre o surto de microcefalia e o ZIKV.

Ainda é um preprint* - para publicação oficial afalta passar pelo processo editorial de revisão por outros especialistas -, mas os experimentos com os mini-cérebros renderamu.


Quando infectadas por ZIKV, as células-tronco neurais do sistema são afetadas: sua viabilidade é reduzida, assim como seu crescimento - e o desenvolvimento do organóide é prejudicado.

A menos que haja algum erro na metodologia - o que não é impossível, porém parece-me muito improvável -, é o cano fumegante que faltava.

A equipa agora prepara testes com outras linhagens de ZIKV para saber se alguma mutação nova foi a responsável pelo efeito.


Upideite(04/mar/2016): Acaba de ser publicado estudo de um grupo americano de cientistas na Cell Stem Cell (submetido dia 24.fev) que traz confirmação independente da ação do ZIKV no sistema nervoso fetal. Cultura de células progenitoras humanas de neurônios corticais infectada por ZIKV apresentaram uma redução de cerca de 30% no número de células viáveis (num intervalo de cerca de 3 dias) em comparação com o controle.

A linhagem de ZIKV utilizada é diferente da usada pelo grupo de Rehen. No estudo do grupo carioca, a linhagem utilizada é a circulante no Brasil; a linhagem usada pelo grupo americano foi isolada antes da epidemia corrente.

Foi detectada também uma capacidade infecciosa do ZIKV diferente para diferentes linhagens celulares testadas. Células progenitoras neurais humanas são altamente susceptíveis (mais de 2/3 das células são infectadas em 3 dias), células renais embrionárias humanas são bem menos susceptíveis (menos de 10% são infectadas em 3 dias).

ht @matthewshirts

*Upideite(11/abr/2016): O artigo da equipa de Stevens Rehen foi oficialmente publicado como artigo na Science.

Upideite(15/abr/2016): Em 31.mar, a OMS falava de consenso científico em relação ao ZIKV causar microcefalia: "Based on observational, cohort and case-control studies there is strong scientific consensus that Zika virus is a cause of GBS, microcephaly and other neurological disorders.". Em 13.abr a CDC também chegou à conclusão pela relação causal entre ZIKV e microcefalia.

Upideite(13/mai/2016): Grupo da USP infectou camundongas grávidas com ZIKVBR (linhagem circulando no Brasil), os fetos desenvolveram-se com sinais de microcefalia e outros defeitos congênitos (fetos de camundongas controle desenvolveram-se normalmente). Em experimento in vitro com cultura de tecidos e neurosferas (similar ao experimento do grupo de Rehen), houve redução da zona proliferativa e disrupção das camadas corticais quando infectadas por ZIKVBR e ZIKVAF (extraído de agente zoonótico relacionado a primatas africanos). Os efeitos do ZIKVBR foram mais pronunciados do que de ZIKVAF nas células neurais.

Um grupo chinês usou a linhagem circulando atualmente na Ásia: ZIKV SZ01 também obtendo microcefalia em comundongos pela infecção e destruição de células progenitoras de neurônios.

segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Zika e microcefalia: um olhar crítico ao olhar crítico

A Agência Lupa e a Globo News tiveram uma ótima ideia: conferir os dados oficiais de microcefalia comparando o boletim publicado pelo Ministério da Saúde com os dados das secretarias estaduais de saúde.

A iniciativa é louvável, pois uma conferência independente aumenta a confiabilidade no sistema: permitindo detectar falhas que precisem ser solucionadas.

Porém, isso precisa ser feito com certa cautela. Apontar erros é importante, mas erros reais - isso ajuda a depurar o sistema. Quando falsos erros são apontados, isso tende a minar a credibilidade do sistema - ou do processo avaliado ou do avaliador ou de ambos.

Quando se trata de dados de saúde pública, ainda mais sob situação de emergência como na corrente epidemia de microcefalia associada ao ZIKV, os cuidados devem ser redobrados porque as consequências de erros podem ser graves.

O levantamento da Lupa detecta discrepâncias entre os dados do MS e os de várias secretarias. Durante a edição das 16h do Jornal da Globo News do dia 29.fev.2016 pressionaram ao vivo o Ministro da Saúde a respeito das diferenças. Pareceram tomaracatar como certos os dados que levantaram junto às secretarias e creditar o erro exclusivamente ao MS. Isso levou o MS a lançar uma nota sobre o caso.

Em minha análise, não há discrepâncias reais (ou há diferenças mínimas) entre os números compilados pelo MS e os fornecidos pelas secretarias estaduais. HO que houve aparentemente é uma interpretação equivocada por parte da equipe da Lupa a respeito de "casos confirmados".

Para o MS, "casos confirmados de microcefalia" se refere a casos que "apresentam alterações típicas: indicativas de infecção congênita, como calcificações intracranianas, dilatação dos ventrículos cerebrais ou alterações de fossa posterior entre outros sinais clínicos observados por qualquer método de imagem ou identificação do vírus Zika em testes laboratoriais" - isto é, são casos de microcefalia que dá para atribuir a uma origem por ação de agente infeccioso (mas que ainda não dá pra atribuir com certeza a algum agente infeccioso conhecido que não o ZIKV: p.e. citomegalovírus ou sífilis).

Mas a Lupa entendeu "casos confirmados de microcefalia" como todos os casos de microcefalia por qualquer causa. Como na correspondência com a Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SESSP): "são 149 casos confirmados de microcefalia em SP por qualquer causa, correto?"

Aí no relatório da Lupa aparece: "A divergência entre o zero do ministério e o 149 do estado impactam no número nacional de casos confirmados de microcefalia (por qualquer causa)."

Não é essa a divergência, já que no boletim do dia 23 do MS, aparece 149 como o total de notificações. No máximo, seria uma divergência entre zero casos confirmados que constam no boletim do MS e a informação dada pela SESSP de que são "25 casos confirmados com *possível* relação com o vírus Zika". Mas essa correspondência deu-se no dia 24.fev. O boletim do MS tem dados atualizados até o dia 20.fev. Se a confirmação dos 25 casos de microcefalia com relação ao ZIKV deu-se depois da data do último envio dos dados, esse número só será atualizado no próximo boletim, que deve sair nesta terça (01.mar) - o MS divulgou, depois que o programa foi ao ar, o documento enviado pela SESSP com dados atualizados até o dia 15.fev em que não é mencionado que há 25 confirmações (apenas os 30 casos descartados e 119 em investigação - que é o divulgado no boletim do dia 23.fev).*

Segue a Lupa: "A Secretaria Estadual de Saúde informa que, entre 2015 e 2016, já foram confirmados 34 casos de microcefalia. No boletim do Ministério da Saúde, no entanto, MG aparece com zero casos confirmados para este diagnóstico." De novo, não há divergência. Na correspondência com a SESMG, o representante da secretaria diz:

"Em 2015, Minas Gerais registrou 34 casos de microcefalia no geral. No entanto, esclarecemos que a fonte dessa informação é o Sistema de informações sobre Nascidos Vivos (SINASC).

Conforme dito anteriormente, a partir do dia 11 de novembro de 2015, o Ministério da Saúde, por meio da portaria estabeleceu que a microcefalia deveria ser tratada como evento de emergência de saúde pública de interesse nacional, tornando obrigatória a notificação dos casos no país. Dessa forma, o número de casos apresentados no boletim epidemiológico possui como fonte o Centro de informações Estratégicas em vigilância em Saúde (Cievs Minas/SES-MG).

Até o momento, Minas Gerais não apresenta nenhum caso de microcefalia (0 casos) relacionado a infecção pelo Zika-virus."

Então, 1) os 34 são apenas para 2015 (e não de 2015 a 2016); 2) é referente ao dado do SINASC, que *não* obedece aos protocolos da notificação de microcefalia do MS em função do ESPIN. Os dados do CIEVS que seguem o protocolo: notificar todos os casos suspeitos (perímetro cefálico de nascidos a termo igual ou menor a 32 cm) é que estão no boletim do dia 23.fev do MS: 27 em investigação, 38 descartados, 0 casos de microcefalia confirmado (como tendo relação ao ZIKV, como dito na correspondência com a SESMG).

Diz a Lupa: "No Rio de Janeiro, a disparidade se repete. A assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde informa que 250 casos de microcefalia já foram confirmados no estado por exames de imagem e que, agora, permanecem em investigação para detectar o que causou a enfermidade. Eram 227 casos, até o dia 22 de fevereiro. No último boletim do Ministério da Saúde, entretanto, o RJ aparece com apenas 2 casos já confirmados."

Não tem disparidade. No boletim do dia 23.fev do MS, o RJ aparece com 256 notificações:  4 descartados e 2 confirmados - são 250 em investigação.

Lupa: "Os dados do estado do Pará também não correspondem aos que o ministério dispõe sobre ele. De acordo com o governo federal, o estado tem apenas um caso confirmado de microcefalia entre 2015-2016. Segundo a Secretaria Estadual de Saúde, 16 casos diagnosticados com essa condição."

A discrepância não é entre 1 e 16. No boletim do dia 23.fev do MS, no Pará são 1 caso confirmado e 10 em investigação. Na correspondência com a SESPA:
"Retificando os números. Os dados consolidados de 2016 registram somente um caso confirmado de microcefalia no Pará. Os outros foram descartados. Em 2015 foram 15 casos, sendo que nenhum desses números está associado ao Zika Vírus."

A diferença entre 0 descartado no boletim do dia 23.fev do MS pode se dever a uma confirmação depois do dia 20.fev, data da última atualização dos dados publicados no boletim - a correspondência da SESPA é do dia 29.fev. Há discrepância entre os 15 casos relatados na correspondência e as 11 notificações registradas no boletim. No documento enviado pela SESPA ao MS, conforme divulgado pelo ministério no dia 29.fev, constam como 11 notificações, 10 investigações e 1 confirmação. Como na correspondência entre a Lupa e a SESPA a mediação se deu pela Ascom, pode ter havido algum mal entendido no caminho - a se ver.

Lupa: "No Espírito Santo, o problema é oposto. A Secretaria Estadual de Saúde não divulga os casos com diagnóstico positivo para microcefalia nos seus boletins. O órgão não soube confirmar os três casos relatados pelo Ministério da Saúde como já diagnosticados. Afirma apenas que possui 72 casos suspeitos de microcefalia (por qualquer causa). Para o ministério, o ES consta com 62 bebês aguardando diagnóstico." Correspondência com a SESES: "Foram notificados 72 bebês, entre nascidos e em gestação, com suspeita de microcefalia, mas ainda sem confirmação de relação com o zika vírus."

No boletim do dia 23.fev do MS os dados do ES são: 73 notificações, 8 descartes e 3 notificações. No documento da SESES para o MS, liberado pelo ministério: são 74 notificações, 8 descartes e 3 notificações.

Lupa: "O boletim estadual de Sergipe, por sua vez, não traz informações sobre bebês com microcefalia confirmada – fala apenas de 181 suspeitos. No mesmo site da secretaria, há, no entanto, uma nota sobre a Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, em Aracaju, que já presta atendimento a 51 bebês com a enfermidade cosntatada desde setembro de 2015. Para o Ministério da Saúde, porém, Sergipe não teve nenhum caso de microcefalia confirmado até agora. Somente 178 suspeitos."

No boletim do dia 23.fev do MS, são 188 notificações, 10 descartes e 0 confirmações. No boletim da SESSE linkado no relatório da Lupa, com dados atualizados até o dia 26.fev (posterior, portanto, à atualização do boletim do MS) são 192 notificações e 11 descartes. Nenhuma discrepância portanto, do dia 20 a 26 mais um caso foi descartado e mais 4 notificados.

Lupa: "Alagoas apresentou em seu boletim estadual 13 casos diagnosticados de microcefalia a mais do que o informado no último informe do ministério." Na correspondência com a SESAL são 209 notificações, 79 descartes de diagnóstico de microcefalia e 38 com confirmação de microcefalia (mas não de associação ao ZIKV) até o dia 17 de fevereiro.

No boletim do dia 23.fev do MS, são 212 notificações, 85 descartes e 25 confirmações. O documento da SESAL para o MS foi enviado dia 22.fev. A diferença pode perfeitamente se dever a mais casos surgidos depois do dia 17.fev até a atualização para o MS. (Cristina Tardáguila, da Agência Lupa, em comunicação pessoal, no entanto, explica que há ainda uma incompatibilidade: pelos dados da correspondência com a SESAL, o número de descartes deveria ser de pelo menos 92: a diferença entre os 38 casos de microcefalia por qualquer caso e 25 confirmações de microcefalia relacionada a infecções deveria se somar os 79 casos descartados por diagnóstico normal.)**

Reforçando, ao contrário da conclusão da Lupa, o que detecto são divergências mínimas - as diferenças devem-se primordialmente ao entendimento da agência a respeito de "casos confirmados de microcefalia" (confirmação do diagnóstico de microcefalia independente da causa) diferente do que o MS quer dizer com "casos confirmados de microcefalia" (a confirmação não é apenas da microcefalia, mas da possibilidade de ligação com o ZIKV). Outras provavelmente devem-se às diferenças nas datas de envio de atualização ao MS para o boletim do dia 23.fev e os dados atualizados enviados para a Lupa. E uma ou outra menor em função da - aqui sim caberia ficarmos com cabelos em pé - atualização *manual* dos dados: são documentos enviados por email, sem padronização, em vez de formulário preenchidos online (sério, não custa nada - e como não são dados sigilosos, daria até pra usar ferramentas onlines gratuitas se o problema é falta de dinheiro para colocar um TI pra criar uma página php dentro do site do MS ou de subir um addon no gerenciador de conteúdo).

Acho que vale também repetir o que o MS diz em sua nota:

"O Ministério da Saúde considera importante o trabalho da imprensa, com seus questionamentos e críticas. Quando feita de maneira adequada, contribui para o controle social e correção das ações do poder público;

A indução ao erro e o reforço a boatos, em uma situação de emergência nacional em saúde pública, no entanto, traz insegurança e confunde a população."

Que a Lupa também aceite uma análise crítica a seu trabalho (repita-se, trabalho necessário e bem vindo de auditoria dos dados) para melhorá-lo. (Eu também terei que aceitar apontamentos de eventuais erros em minha análise da análise da análise.)

Upideite(02/mar/2016): O jornalista Daniel Castro publica nota da Globo News sobre o caso, segundo a avaliação do crítico houve uma admissão de erro, mas sem dar o braço a torcer. Uma amiga minha também confirma que tentaram explicar a confusão, mas sem uma admissão aberta de que erraram. (Não pude ver a edição do dia 01.mar do programa.)

Espero que o caso sirva mais de estímulo à equipe do telejornal e da agência Lupa para um aperfeiçoamento do trabalho - essencial - de conferência dos dados e informações, do que de um balde de água fria.

Upideite(02/mar/2016): Um efeito positivo da confusão é que o MS resolveu detalhar um pouco mais a tabela - há ainda melhorias a serem implementadas (como anunciar quanto da microcefalia, pelos exames, deve-se ao STORCH: sífilistas, toxoplasmose, outras causas, rubéola, citomegalovírus e herpes), mas já são alguma coisa as notas explicativas do que são cada coluna.

*Upideite(02/mar/2016): Os 25 casos confirmados até o dia 24.fev em São Paulo, até o dia 27.fev já eram 29. Mas, segundo o MS, ainda não fecharam a investigação: "Conforme informado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica 'Prof. Alexandre Vranjac', da Secretaria de Estado de Saúde de São Paulo, 125 casos se encontram em investigação para infecção congênita. Destes, 29 são possivelmente associados com a infecção pelo vírus Zika, porém ainda não foram finalizadas as investigações."

Upideite(03/mar/2016): A Agência Lupa publicou nota em que insiste no erro. Continuam confundindo o sentido de "casos confirmados de microcefalia". Uma pena. Havia muito potencial na iniciativa.

**Upideite(06/mar/2016): adido a esta data.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Microcefalia x Piriproxifem: sem correlação

O tema já está bem esclarecido, espero, a esta altura. Não apenas com as negativas do MS, como da própria Abrasco, a quem se atribuiu a relação entre o piriproxifem e o surto de microcefalia.

Rebati a hipótese também na segunda parte da compilação de mitos a respeito do ZIKV e da microcefalia. Os testes realizados até o momento não detectaram a produção de filhotes com microcefalia quando administrados em ratas e coelhas grávidas; tampouco há registro de surto de microcefalia nos demais países em que o produto é utilizado (inclusive para tratamento de água para beber).

Tentei obter, ainda sem sucesso, dados oficiais do MS do uso do composto. Porém consegui dados parciais - de apenas algumas unidades federativas - do consumo de piriproxifen para tratamento de água em 2015 - que dá para pescar no site do ministério (tabela 1).

Tabela 1. Consumo de piriproxifem e casos de microcefalia no Brasil. 2015/6.
UF piriproxifem
(ton. 2015)
microcefalia
(notificações 2015-6)
RJ 4,1 256
MG 10 65
RS* 0,96 31
AL 6,6 212
BA 29 775
CE 17,3 335
MA 4,5 181
PB 6,55 790
PE 21 1.601
PI* 1,5 127
RN 11,4 374
SE* 7,84 188

Considerando apenas os estados do NE (a situação não muda muito se incluirmos RJ e MG), a correlação entre consumo de piriproxifem e casos notificados de microcefalia é muito baixa: R2 = 0,29 (Fig. 1). Se o consumo de composto fosse a causa da má-formação, haveria de se esperar uma correlação muito alta.

Figura 1. Relação entre consumo de piriproxifem e microcefalia em estados nordestinos. Note a correlação muito baixa: R2 = 0,29.

Compare-se, por exemplo, com a correlação entre casos de dengue e notificação de microcefalia para as UFs da região (restringi a comparação apenas à região NE porque, por provavelmente haver começado ali a epidemia de zika, nas demais regiões, a dengue não ser um bom proxy para a infecção por ZIKV). Sendo o ZIKV transmitido pelo Aedes aegypti, em área em que o vírus ocorre, quanto maior a população do mosquito, maior deve ser sua transmissão. E, se o ZIKV se liga (causalmente ou não) aos casos de microcefalia; quanto maior a taxa de infecção pelo vírus, maior o número esperado da má-formação.(Alguns fatores intervenientes podem alterar - como diferenças à *exposição* ao mosquito: em algumas regiões, apesar de uma população maior do inseto, as pessoas podem estar mais bem protegidas - por exemplo, melhor acesso a repelentes; então, os casos de dengue podem ser um bom indicador que leve em conta essa diferença de exposição: se as pessoas estão expostas a picadas de A. aegypti para pegar DENV, tendem a estar igualmente expostas a serem infectadas por ZIKV.) A correlação obtida é muito alta: R2 = 0,95.


Figura 2. Correlação entre casos de dengue e de microcefalia em estados do NE.

Caso eu tenha acesso a dados mais completos, atualizo a análise. Mas parece bem claro que a anunciada correlação entre piriproxifen e microcefalia não existe - ou, se existe, ela é muito pequena e deve-se ao fato de que, em áreas com maior infestação de mosquitos, tende-se a usar mais do produto para controle do animal, também é usado em áreas mais precárias (onde não há, p.e., água encanada), onde também estão presentes outros fatores causadores de microcefalia: desnutrição materna, citomegalovírus, sífilis...

*Upideite(29/fev/2016): adido a esta data.
Upideite(29/fev/2016): Considerando os dados de RJ, MG, RS, PI e SE, a correlação entre piriproxifem e microcefalia dá um R2 = 0,43 (Fig. 3).
Figura 3. Relação entre consumo de piriproxifem e microcefalia.

terça-feira, 23 de fevereiro de 2016

Volta ao Mundo com Zika Camargo: 1 - Uganda

Esta é uma adaptação expandida de um texto que publiquei alhures.

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Nossa primeira parada desta viagem de volta ao mundo é Uganda.

Uganda é um país da África Oriental sem saída para o mar, tendo como vizinhos o Sudão do Sul (ao norte), o Quênia (a leste), Ruanda e Tanzânia (ao sul) e a República Democrática do Congo (a oeste) (Fig. 1).

Figura 1. Uganda. Fonte: Google Maps.

Em 1947, menos de dois anos do fim da Segunda Guerra Mundial, ainda fazia parte do Império Britânico (conquistaria sua independência em 1962). Sua população estimada em 1950 era de 5,16 milhões de habitantes (em 2015 são 39 milhões) (Fig. 2).

Figura 2. Evolução da população ugandense (1950-2100). Fonte: UN World Population Prospects.

Em abril desse ano de 1947, pesquisadores americanos e britânicos realizavam um levantamento na floresta de Zika. A floresta tropical de dossel alto, mas descontínuo, desenvolve-se ao longo do braço mais longo do lago Vitória (Fig. 3)**. A apenas 11 km do instituto local e na região onde havia sido detectada alta incidência de imunidade ao vírus da febre amarela (YFV) entre os macacos selvagens, era um ótimo lugar para realizar um levantamento sobre a presença do YFV. (Dick et al. 1952.)***

Figura 3. Floresta Zika, Uganda. Fonte: Kaddumukasa et al. 2014.

Rotineiramente, subiam macacos resos, animais susceptíveis ao YFV, em gaiolas de madeiras até o alto da copa das árvores. Em 18 de abril, um dos animais, o Rhesus 766, apresentou-se febril. Foram extraídas amostras de sangue e separado o soro.

Quando injetado no cérebro de ratos, o soro levava ao adoecimento dos animais. Mas não quando injetado na barriga. Outro macaco, o Rhesus 771, foi inoculado sob a pele, mas não desenvolveu nenhum quadro de doença.

Tanto o soro do 766 tirado um mês após a recuperação da febre quanto do 771 inativavam a capacidade do soro do período febril de 766 de deixar os ratos doentes. Anti-soro contra YFV, dengue, encefalomielite murina de Theiler e vírus neurotrópicos (que infectam células nervosas) conhecidos não tiveram o mesmo efeito neutralizador.

O mesmo efeito tinha o extrato obtido do esmagamento de amostras de mosquitos Aedes africanus capturados na região em janeiro de 1948; revelando um possível vetor.*

Esses resultados, publicados em 1952, mostravam que estavam diante de um novo vírus.Em função da região em que foi encontrado pela primeira vez, foi denominado de vírus da (floresta) Zika.
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*Upideite(23/fev/2016): Inicialmente, os animais eram colocados em gaiolas; mas após os pesquisadores observarem que o mosquito Ae. africanus não costumava adentrá-las, passaram a manter os macacos presos nas plataformas sem as gaiolas. Como na época em que o Rhesus 766 ficou doente, ele estava em uma gaiola, Dick 1952, questiona se o Ae. africanus poderia ser mesmo o vetor.
**Upideite(23/fev/2016): Adido a esta data.
***Upideite(23/fev/2016): Referência adida a esta data.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

Microcefalia e zika: uma análise (parcial) dos números

É certo que os dados do Sinasc (Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos) - de uma média de 156,2 microcéfalos/ano entre 2010 e 2014 - representam uma grande subnotificação (a estimativa feita por Fernando Reinach de cerca de 20.000 casos anuais regulares de microcefalia para o Brasil é consistente); sobretudo antes da declaração da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN) pelo governo brasileiro em nov.2015 (o que foi seguido de declaração de Emergência em Saúde Pública de Importância Internacional - ESPII -, pela OMS, no começo do mês).

Mas como a metodologia do Sinasc - até antes da declaração do ESPIN - era a mesma (e a variação anual do número de casos era relativamente pequena), aparentemente os dados serviam como um proxy dos números reais de microcefalia - ao menos dos casos mais graves. Levantamento de Araújo et al. 2016, de recém-nascidos na Paraíba entre 2012 e 2015 encontrou um número relativamente estável de casos de microcefalia no período (ao menos na minha interpretação - ver figura 1 -; os autores acreditam que houve pico do 2° trimestre de 2014, o que, para eles, seria incompatível com a tese de introdução do ZIKV no Brasil durante a Copa do Mundo)

Figura 1. Painel à esquerda: figura original com variação temporal de casos de microcefalia na PB entre 2012 e 2015; painel à direita: figura modificada com análise de regressão para o período a entre o 4° trimestre de 2012 e o 4° trimestre de 2015. Fonte: Araújo et al. 2016.

Já para os casos mais severos de microcefalia (no terço inferior de cada um dos diferentes critérios de classificação de microcefalia considerados) parece haver um aumento mais súbito a partir do 3° trimestre de 2015: mais ou menos o observado pelos dados do Sinasc.

Figura 2. Evolução temporal de casos de microcefalia grave na PB entre 2012 e 2015. Extraído de: Araújo et al. 2016

Claro que isso é apenas um estudo e referente a apenas um estado da federação. Uma análise mais abrangente será necessáriao para confirmar que os dados do Sinasc realmente atuaram como um proxy dos casos graves de microcefalia.

Note-se que o fato de a metodologia antes do ESPIN não ser de notificação obrigatória de microcefalia não é um defeito - a maioria dos sistemas nacionais são de notificação facultativa para os defeitos congênitos. Um número limitado de doenças e agravos são de notificação obrigatória: seria impraticavelmente caro e complexo reportar todos os casos de todas as doenças e condições médicas. Assim, concentram-se mais em doenças com potencial mais graves em caso de epidemia (várias das infecções que podem causar microcefalia, como rubéola e sífilis, são de notificação compulsória no Brasil).

Por outro lado, 1.227 casos de microcefalia analisados até 06.fev.2016, 462 foram confirmados como relacionados à zika a ação de agentes infecciosos* (37,65% dos casos analisados), dos quais, em 41 (3,34% dos analisados) foram detectados vestígios de ZIKV. A estimativa é que de 440 mil (0,22%) a 1,3 milhão (0,65%) de pessoas tenham sido infectadas por ZIKV no Brasil. A probabilidade de, ao acaso, haver esse tanto ou mais de microcéfalos com o vírus zika é inferior a 0,0001% (de menos de 1 em 1 milhão - na verdade bem menos do que isso, mas é o limite inferior da calculadora online de probabilidade binomial que utilizei). Se considerarmos uma taxa de infecção geral de 2%, a probabilidade de haver 41 microcéfalos com vestígios de ZIKV em 1.227, é de 0,13%.

*Upideite(17/fev/2016): Corrigido a esta data.

sábado, 6 de fevereiro de 2016

Especial GR: Microcefalia e zika

Relação de textos sobre a epidemia de microcefalia e zika publicados no GR:

Microcefalia e zika: o Ministério da Saúde precipitou-se em declarar associação?
Entrevista com uma médica geneticista - Lavinia Schüler Faccini
Sai zika: mitos sobre o vírus zika e a microcefalia - 2
Microcefalia e zika: uma análise (parcial) dos números
Volta ao Mundo com Zika Camargo: 1 - Uganda
Microcefalia x Piriproxifem: sem correlação
Zika e microcefalia: um olhar crítico ao olhar crítico
Microcefalia e zika: batendo o martelo para a relação causal
Microcefalia e zika: o tamanho do estrago
Piriproxifem - pelos dados, sereno e propício
Volta ao Mundo com Zika Camargo: 2 - Tanzânia

Relação de textos sobre epidemia de microcefalia e zika publicados na DCsfera:
Do Nano ao Macro: O que sabemos sobre o Zika?
 A febre zika é um risco para os turistas e atletas durante as Olimpíadas no Rio de Janeiro?
Rainha Vermelha: Zika vírus e suas complicações
  Zika, patentes, Rockefeller e a diferença entre saber e entender
  Porque a transmissão sexual de zika não é preocupante
Café na Bancada: Zika, dengue ou chikungunya? Prepare o seu Natal!
   Mitos desmistificados! Piriproxifeno e a microcefalia 
Dotô, é virose?: Dotô, deu zika?
   Dotô, tô grávida e com medo do zika, o que eu faço?
Nerdologia: Vírus Zika (vídeo)
Coluna Ciência: O mosquito da microcefalia
Canal do Pirulla: Zika: 'brigada' anti-boato (vídeo)
  Zika e boatos zicados (vídeo)
  Zika: Água parada pra combater mosquito??? (vídeo)
  Zika é propriedade dos Rockefeller? (vídeo)
  Zika, DDT e Narloch (vídeo)
Carlos Orsi: Teorias da conspiração: zika, rubéola, microcefalia
Medicina Baseada em Evidências: Zika e Microcefalia - fato ou ficção científica?*
Cientistas Descobriram Que...: Vírus Zika e microcefalia X comprovação científica
Canal do Slow: Zika vírus, o que sabemos? (vídeo)
Discutindo Ecologia: Mais mitos sobre Vírus Zika e fosfoetanolamina: patentes
Dragões de Garagem: Vírus zika (áudio)
Cientista Invisível: Vamos falar sobre Zika Vírus?

*Obs: sinto-me particularmente compelido a destacar que eu discordo em essência do texto, mas registro aqui porque é a função primordial desta lista - não é uma lista de textos com os quais concordo, mas de textos publicados na DCsfera (ainda que eu possa omitir textos que eu considere particularmente desinformativos ou desnecessariamente agressivos).

Lista de fontes de informações oficiais sobre boatos a respeito da microcefalia e zika:
OMS: Dispelling rumors around Zika and microcephaly
Fiocruz: Zika e microcefalia - notas oficiais para esclarecimento da população
MS: Mitos e verdades

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Sai zika: mitos sobre o vírus zika e a microcefalia - 2

Como previsto, mais e mais boatos foram surgindo, e outras bobagens haverão de aparecer ainda; então seguirei atualizando a lista de mitos e esclarecimentos aqui (veja aqui a lista anterior). (O que significa que vou desagrupar alguns mitos que poderiam ser encaixados como submitos de outros que já foram comentados na postagem anterior.)

Antes o aviso necessário:
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NUNCA REENVIE NENHUMA MENSAGEM A SEUS CONTATOS DENTRE AS QUE PEDEM PARA SEREM REENVIADAS.

Mesmo as que parecem bem intencionadas. Em uma corrente, como no telefone sem fio, sempre há alguma coisa que se altera no meio do caminho - pode ser um espírito de porco (bem apropriado para a gripe suína e em linha com a zika), pode ser um erro involuntário. Essa alteração pode ser grave.

Procure informações sempre em fontes confiáveis. (Desconfie até das informações dadas por este blogue.) Não sou especialista na área. Se receberem os mesmos spam/correntes/hoaxes/posts/atualizações/tweets/conteúdos aqui respondidos e forem contra-argumentar, não indiquem esta postagem, usem as referências aqui citadas: OMS, MS, Fiocruz... Procurei trazer informações relevantes, mas posso inadvertidamente ter interpretado erroneamente ou ter tirado do contexto devido.)
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13) O vírus foi criado pela Fundação Rockefeller (fonte: Rainha Vermelha, e-Farsas, Canal do Pirulla)
Embora o vírus tenha sido isolado e descrito por equipe de cientistas ligados à Fundação Rockefeller e a instituição venda amostras da cepa, o vírus foi isolado em 1947 (e a descrição publicada em 1952). A estrutura de uma molécula de ADN só foi descrita em 1953, e só a partir de 1955 é que seriam realizados experimentos que levariam à descoberta da polimerase de ARN. Em 1957, a compreensão da natureza dos vírus, embora avançasse muito, ainda engatinhava.8

Isto é, à época da descoberta do vírus zika pelos pesquisadores da Fundação Rockefeller não havia nenhuma das tecnologias de manipulação genética que pudessem levar ao desenvolvimento em laboratório de vírus novo.

Mas aí provavelmente um certo greco-suíço descabelado tem uma palavra para isso: Aliens!

14) Microcefalia causada pelo uso de pyriproxyfen na água potável para controlar o desenvolvimento de larvas de mosquito (fonte: Diário de Pernambuco, MS, Boatos)*,**,6

Os testes realizados com o piriproxifemno mostram que é seguro para os humanos, não sendo detectados efeitos teratogênicos (alteração no desenvolvimento de embriões e fetos):

"O resultado das avaliações feitas pelo IPCS/OMS mostra que o produto não tem ações carcinogênicas, teratogênicas ou genotóxicas. A toxicidade oral aguda de pyriproxyfen é baixa, com valores de DL50 superiores a 5000 mg/kg de peso corporal em animais testados. A toxicidade cutânea aguda também é baixa, com valores de DL50 maiores do que 2000 mg/kg de peso corporal. A CL 50 da exposição por inalação determinada foi superior a 1,3 mg/l de ar são encontrados. A Organização Mundial de Saúde (2001) classifica pyriproxyfen como improvável de causar danos à saúde em uso normal (OMS 2001.The WHO recommended classification of pesticides by hazard and guidelines to classification 2000–2002. Geneva, World Health Organization, International Programme on Chemical Safety (WHO/PCS/01.5)." ("Orientações técnicas para a utilização do larvicida pyriproxyfen (0,5 G) no controle de Aedes aegypti")

A OMS estabelece a ingestão diária admissível como sendo de 0,1 mg/kg de massa corporal. No Brasil, o produto é usado em água potável a 0,01 mg/l; para se atingir o nível máximo seguro, seria preciso ingerir 10 litros de água por kg de massa corporal - uma mulher de 50 kg haveria de ingerir 500 litros de água por dia para atingir a concentração de 0,1 mg/kg.

Em 1999, foi publicado um estudo da OMS/FAO sobre a segurança do piriproxifemno***

Na Colômbia, o SumiLarv (formulação com piriproxifemno) é usado desde 2010. Na Austrália usam o piriproxifemno como um dos pesticidas para controle e erradicação de lava-pés. Então a hipótese apresenta também problemas quanto ao padrão geográfico e temporal.4

Evans et al. 2016 têm uma opinião contrária quanto à segurança do piriproxifem, considerando que mais testes devam ser realizados.10

15) Os mais de 3.000 casos de grávidas com zika na Colômbia e sem registro de microcefalia provam que o vírus zika não tem nada a ver com microcefalia (fonte: R7)5

Embora haja 3.177 grávidas diagnosticadas com zika na Colômbia até 30.jan.2016 (330 com confirmação laboratorial por RT-PCR; 2494 por confirmação clínica; 353 casos suspeitos) e, de fato, não haja (ainda) registro de microcefalia, não é correto por ora considerar isso como prova da não relação entre ZIKV e microcefalia. Isso porque não são todos esses mais de 3.000 casos os analisados e com diagnóstico fechado de ausência de microcefalia. Até  20.jan.2016, 560 gestantes foram acompanhadas e somente 26 nascidos foram confirmados como sadios (sem microcefalia), o resto segue em investigação.

Upideite(04/mar/2016): Três casos de má formação cerebral congênitas - um de microcefalia - foram detectados em gestações acompanhadas na Colômbia. Nos três, o ZIKV foi detectado.

16) Microcefalia causada por mosquito com bactéria Wolbachia (fonte: MS)9

A OMS esclarece: "Bactérias como a Wolbachia são usadas no controle de populações de mosquito: elas não infectam humanos ou outros mamíferos. A bactéria Wolbachia é encontrada em 60% dos insetos comuns, incluindo borboletas e moscas das frutas. Mosquito portando Wolbachia tem sido liberado em vários locais, incluindo Austrália, Brasil, Indonésia e Vietnã para ajudar a controlar a dengue (que é transmitida pelo mesmo mosquito que transmite a Zika). Quando fêmeas acasalam-se com machos portadores da bactéria, os ovos não eclodem e, assim, reduzem as populações de mosquito".

Além disso, mosquitos infectados com Wolbachia são menos susceptíveis à infecção por vírus.

A maior parte da goiaba têm traços de larvas de moscas das frutas (tefritídeos) - pode chegar a uma média de umas 15 larvas por fruto, que geralmente são naturalmente infectados com Wolbachia. Quem consome suco de goiaba - e várias outras frutas - está ingerindo Wolbachia. Não há registro de que suco de goiaba esteja ligado a casos de microcefalia.

17) Microcefalia causada por mosquitos irradiados (fonte: prefiro não linkar)9

A OMS diz: "Uma técnica em desenvolvimento para deter a Zika é a liberação em massa de mosquitos machos esterilizado por meio de baixas doses de radiação. Quando machos estéreis se acasalam, os ovos das fêmeas não sobrevivem. A técnica tem sido usada com sucesso em controle de larga escala de insetos praga que ameaçam a agricultura e a criação animal. Não há indícios que a técnica tenha sido associada a um aumento em casos de microcefalia ou outras anomalias e defeitos humanos."

*Upideite(11/fev/2016): adido a esta data.
**Upideite(13/fev/2016): link adido a esta data.
***Upideite(13/fev/2016): adido a esta data.
4Upideite(14/fev/2016): adido a esta data.
5Upideite(15/fev/2016): adido a esta data.
6Upideite(16/fev/2016): link atualizado a esta data.
7Upideite(19/fev/2016): Veja também os esclarecimentos da Fiocruz sobre vários mitos a respeito da zika e microcefalia.
8Upideite(26/fev/2016): links editados a esta data.
9Upideite(01/mar//2016): adido a esta data.
10Upideite(04/julho/2016): adido a esta data.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Microcefalia e zika: uma observação sobre os casos descartados

No último dia 27.jan.2016, o MS atualizou os dados de casos suspeitos e confirmados de microcefalia associada à infecção por ZIKV.

São um total de 4.180 casos notificados desde 2015 até o dia 23.jan.2016. Em 270 foi confirmada a microcefalia, das quais em 6 a infecção por ZIKV, em 462 a presença microcefalia ou a relação dela com o ZIKV foi descartada; outros 3.448 casos seguem em investigação. (Sem contar bem os casosdados de SP, que insiste em não divulgar os casos suspeitos - apenas os que os laboratórios do estado confirmam.)*

Mas mesmo o total dos casos até o momento já descartados é muito superior à média anual registrada entre 2010 e 2014: 156,2 ± 14,7 casos. Só de descartados até o momento temos 2,96 vezes os casos esperados em um ano.

Se a epidemia de microcefalia se deve ao ZIKV - a associação está bem estabelecida, mas não a relação causal, nem a extensão da associação - seria esperado que 90 a 96% dos casos dessem positivo para a presença do ZIKV (por ora apenas 6/270= 2,22% tiveram a confirmação da presença)**,6. Em que se pese o fato de que provavelmente os descartes sejam mais fáceis de se estabelecer do que se confirmar - o que significa que a proporção de casos confirmados deve crescer mais pra frente - mesmo que todas as demais amostras sob investigação deem positivo, teríamos 89% de presença de ZIKV: quase certamente será bem inferior a isso.

A discrepância, então, merece explicação. Há algumas potenciais:

1) Subnotificação pregressa de microcefalias. A subnotificação para várias outras morbidades é bem estabelecida por vários motivos. Com o alerta emitido pelo MS, a varredura por casos de microcefalia tornou-se mais rígida. Mas teríamos uma taxa de mais de 2 para 3 (de 9 em 10, se a proporção de casos positivos de microcefalia confirmados puder ser extrapolada para os que aguardam investigação)** de casos de microcefalia que deixam de ser notificados normalmente? (Fernando Reinach desconfia que a subnotificação seria ainda maior - pela regra dos 2DP, o número de casos anuais esperados seria de 19.250 microcefálicos.)****

2) Casos de falsos negativos para a presença de ZIKV. O vírus, dentro de poucos dias, é combatido pelo nosso sistema imune, de modo que o exame de RT-PCR (que detecta traços de material genético do vírus) só é possível normalmente até o 5° dia após o início dos sintomas. O exame sorológico - que detecta a presença de anticorpos contra o ZIKV - permite saber se o corpo do indivíduo entrou em contato com o vírus (porém como há reação cruzada também com anticorpos para a dengue, muitos casos podem estar sendo considerados de dengue)**. Mas nos dois casos, é preciso que as amostras estejam bem conservadas a pelo menos -20°C. Nem sempre a coleta e o transporte ocorrem em condições ideais. Além disso, a confirmação de ZIKV, por protocolo, dá-se diante da negativação de outras causas (infecciosas ou não) de microcefalia. Mas pode ser que o ZIKV seja co-ocorrente a essas outras causas. P.e., pode haver coinfecção de ZIKV e citomegalovírus, mas nesse caso, a causa é atribuída apenas ao citomegalovírus e o caso é descartado.

3) A causa do surto de microcefalia é, de fato, outra***, provavelmente ainda não conhecida - já que as outras causas possíveis conhecidas foram previamente analisadas e descartadas.

4) Combinação das causas anteriores.

Qual, se alguma, delas é de fato o responsável pela discrepância merece uma análise atenta. Isso parece ter passado um tanto batido pelas autoridades sanitárias e pela imprensa (ou a comunicação disso passou batido por mim - o que não é nem um pouco improvável)5.

*Upideite(03/fev/2016): alterado a esta data.
**Upideite(03/fev/2016): adido a esta data.
***Upideite(03/fev/2016): link adido a esta data.
****Upideite(06/fev/2016): adido a esta data.
5Upideite(06/fev/2016): A reportagem na Nature é de 28.jan.2015, então pelo menos essa passou batido por mim.

6Upideite(09/fev/2016): No boletim do dia 02/fev/2016 com dados atualizados até 30/jan/2016, são 404 casos confirmados 709 descartados: 36,3% de confirmação (contra 270:462 ou 36,9% de confirmação no boletim anterior). Dos confirmados, 17 foram relacionados ao zika: 4,21% dos casos (contra 2,22% no boletim anterior).

quarta-feira, 9 de dezembro de 2015

Sai zika: mitos sobre o vírus zika e a microcefalia

Manterei aqui uma lista de esclarecimentos a respeito de mitos sobre o ZIKV e a microcefalia (procurarei atualizá-la à medida em que surgirem, infelizmente surgirão, mais boatos). A desinformação tende a ser um vírus muito mais letal.

Como no caso da pandemia da gripe H1N1, começam a circular textos/vídeos/áudios, muitas vezes apócrifos, sem nenhum embasamento científico que, se levados a sério, podem causar problemas bastante graves às pessoas.

Repito o apelo que já fiz antes:
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NUNCA REENVIE NENHUMA MENSAGEM A SEUS CONTATOS DENTRE AS QUE PEDEM PARA SEREM REENVIADAS.

Mesmo as que parecem bem intencionadas. Em uma corrente, como no telefone sem fio, sempre há alguma coisa que se altera no meio do caminho - pode ser um espírito de porco (bem apropriado para a gripe suína e em linha com a zika), pode ser um erro involuntário. Essa alteração pode ser grave.

Procure informações sempre em fontes confiáveis. (Desconfie até das informações dadas por este blogue.) Não sou especialista na área. Se receberem os mesmos spam/correntes/hoaxes/posts/atualizações/tweets/conteúdos aqui respondidos e forem contra-argumentar, não indiquem esta postagem, usem as referências aqui citadas: OMS, MS, Fiocruz... Procurei trazer informações relevantes, mas posso inadvertidamente ter interpretado erroneamente ou ter tirado do contexto devido.)
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1) Crianças e idosos com sintomas neurológicos, em especial o coma, devido ao vírus zika, (fonte: BBC)
Segundo a Fiocruz, até o momento não há nenhum registro de crianças, jovens, adultos e idosos com sintomas neurológicos decorrentes do vírus zika. Ainda que não seja algo impossível de vir a ocorrer, nenhum caso foi notificado e muito menos confirmado pelas autoridades de saúde.

Porém, há confirmação da relação entre infecção por vírus zika e ocorrência da síndrome de Guillain-Barré: fraqueza muscular devido a danos no sistema nervoso *periférico* - por um ataque autoimune (isto é, as próprias células de defesa atacam células do corpo do indivíduo).

2a) Inseticidas e repelentes naturais contra o mosquito transmissor do ZIKV (fonte: Bolsa de Mulher)
Inseticidas e repelentes ditos 'naturais' a base de óleo de citronela, cravo, andiroba e outros não têm nenhuma comprovação científica de eficácia e nem têm registro na Anvisa. Há formulações comerciais registradas com fórmulas que contêm tais compostos, porém elas apresentam sempre outro princípio ativo, cuja eficácia e eficiência foram devidamente testadas.

2b) Ingerir ou passar sobre a pele vitamina B afasta mosquitos (fonte: iG)***
Não há comprovação científica de que a ingestão ou aplicação tópica de vitamina B evite que a pessoa seja picada por mosquitos. Estudos disponíveis indicam que não tem efeito: Khan et al. 1969Maasch 1973Ives et al. 2005, entre outros.

2c) Crotalária contra de mosquito (fonte G1)8
Não há nenhum indício de que a Crotalaria spp. tenha efeito de combater o mosquito da dengue pela presença de libélulas que seriam atraídas pela planta.

Diz o documento do Instituto Agronômico de Campinas a respeito da prática:
"A divulgação dessa informação, como prática eficaz e comprovada e considerada por alguns até como de vanguarda é de fato alarmante e irresponsável porque, além da semeadura em praças e farta distribuição de vasinhos com mudas de crotalária, como ações de alguns políticos e de prefeituras do interior dos Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, por exemplo, foram propostos muitos projetos de lei de âmbito municipal, alguns vetados e outros, preocupantemente já aprovados, para incentivo ao cultivo de crotalárias (geralmente de C. juncea), bem como de citronela, muitos deles baseados em justificativas no mínimo, não adequadas, particularmente no quesito comprovação científica."
"Segundo o professor Andrade, 'seriam necessários milhões de libélulas para combater apenas algumas larvas do mosquito'. Informa também que, além de ser uma predadora inespecífica, ou seja, não preda preferencialmente as larvas do Aedes, é raro que as libélulas sejam constatadas em locais onde, também, é comum o mosquito da dengue. Além disso, a libélula faz a postura de seus ovos em grandes depósitos de água enquanto o mosquito precisa apenas de uma gota de água (Lange, 2001)."

2d) Espalhar potes de água e trocar a água três vezes por semana para eliminar o mosquito (fonte: Canal do Pirulla)9
O grande problema é que  medida não foi testada (por exemplo, aplicando-se em um bairro e comparando os níveis de infestação com bairros próximos). É temerária a indicação de medidas de saúde pública sem testes prévios adequados.

Sem testes, no entanto, há elementos que nos fazem suspeitar que a medida traz perigos potenciais.

As pessoas não têm disciplina suficiente para manter a troca da água do pote dia sim, dia não. E uma semana que deixem de trocar, pode ser o suficiente para que as larvas virem pupas e os adultos alados emerjam - do ovo ao adulto o ciclo pode levar cerca de 10 dias.

A população não tem disciplina nem de eliminar os focos de água parada nos quintais - uma fração da população tem, mas outra não - por isso que praticamente todo verão vemos surtos de dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos (embora não seja um problema exclusivo do cidadão comum).

"Apesar dos níveis de conhecimento satisfatório em praticamente todos os estudos, foram observados elevados níveis de infestação domiciliar pelo vetor, indicando que as campanhas educativas, embora relativamente eficientes na transmissão de informações, não têm alcançado seu principal objetivo, que é a mudança de comportamento das populações quanto ao efetivo controle dos criadouros do vetor. [...] Duas questões levantadas por esses estudos parecem explicar, na maior parte, a pequena adesão das comunidades às estratégias de eliminação dos criadouros do vetor – as representações sobre o dengue [como algo inevitável, mas passageiro, como gripe] e sobre os riscos associados aos mosquitos; e as dificuldades em evitar a infestação de recipientes domésticos em função de problemas de saneamento nas comunidades." (Claro et al. 2004.)

E mesmo que todos realmente trocassem a água a cada dois dias, onde essa água irá parar? Quase certamente no ralo. Aí selecionaremos as linhagens cujas larvas são capazes de completar o ciclo nos esgotos.

Medidas testadas e aplicadas são as campanhas de eliminação de criadouros (inclusive com fiscalização casa a casa), introdução de controle biológico (predadores, patógenos, competidores, técnicas de macho estéril...), controle químico, vacinação e combinações dessas estratégias.

3) A microcefalia causada por agrotóxicos como a 2,4 D (fonte: prefiro não linkar)
Há várias causas de microcefalia: genéticas, infecção por rubéola e abuso de álcool e drogas durante a gravidez., E vários agrotóxicos, incluindo o herbicida 2,4-D, têm efeitos teratogênicos - como entre outros, a microcefalia - comprovados em vertebrados. Porém, o surto atual corresponde a um número de casos mais de 10 vezes maior do que a média dos 5 anos anteriores: de cerca de 150 casos por ano para mais de 1.700 registrados até a primeira semana de dezembro. Não temos um registro de aumento súbito e nesse nível da utilização de agrotóxicos no país: o aumento foi de 700% ao longo dos últimos 40 anos.

4a) A epidemia de zika é invenção para cobrir contaminação de vacina contra rubéola, um plano para reduzir a população mundial (fonte: twitter, Extra**)
A introdução da vacinação para reduzir a população mundial deve ser o plano de conspiração mais ineficiente da história, já que tudo o que a população mundial tem feito desde a introdução das campanhas de vacinação é crescer e crescer muito. Só a vacina contra o sarampo sozinha deve ter salvado algo como 17 milhões de vidas desde o ano 2000.

Há casos de lotes ou linhas de vacinas com problemas - por exemplo, por inativação ineficiente do patógeno ou utilização de um componente que causa alergia -, quando detectado, a utilização destes tende a ser rapidamente suspensa (para os que não acreditam em suspensão humanitária, pode pensar que a continuação do uso pode significar mais casos de processos indenizatórios) - embora o processo de indenização tenda a não ser tão veloz.

O zika, até o momento, está associado a 19 óbitos no Brasil. Seria, novamente, um processo altamente ineficaz de redução da população. Compare-se, p.e., com as mortes por homicídio no país, 53.646 em 2013, ou as 43.800 mortes no trânsito no mesmo ano. É menor até mesmo do que o número de pessoas que morrem por ano atingidas por raio no Brasil: média anual de 111 mortes.

*Embora o vírus da rubéola (RuV) seja uma das causas de microcefalia, as vacinas contra a rubéola (dupla ou tripla viral), contendo vírus atenuados, não são aplicadas em grávidas (mesmo os dados indicando que são seguros também durante a gravidez) - o período crítico da RuV é entre 1 a 3 meses de gestação. O protocolo para relacionar um caso de microcefalia à infecção por ZIKV exclui os principais fatores causadores da má formação: rubéola, citomegalovírus, toxoplasmose... e de síndrome exantemática (manchas vermelhas na pele):; dengue, chicungunha, herpes...

4b) Vacina de HPV responsável pelo surto de microcefalia (fonte twitter)5
O padrão espacial e demográfico também não dão apoio ao mito. Uma grande campanha de vacinação contra o HPV foi iniciada no primeiro semestre de 2014 e em todo o Brasil; se houvesse vínculo, o aumento dos casos deveria se dar entre o fim de 2014 e início de 2015 e não se concentrar nos estados do Nordeste.

Além disso, o público alvo foram meninas de 11 a 13 anos.

5) Mosquito transgênico causou o zika e a microcefalia (fonte: prefiro não linkar)
O ZIKV tem existência registrada há bem mais tempo do que os mosquitos transgênicos. Foi isolado pela primeira vez em 1947, a partir de macaco reso mantido em gaiola como sentinela para detecção de expansão de doenças, na floresta de Zika, em Uganda. Os primeiros surtos maiores fora da África foram detectados em 2007, em ilhas da Federação da Micronésia.

Os primeiros testes com mosquito transgênico no Brasil ocorreram em 2011, em Juazeiro-BA. O surto de microcefalia só ocorreu em 2015. Além disso os municípios com mais casos de microcefalia no Estado são: Salvador (53), Lauro de Freitas (4) e Camaçari (3) - cidades litorâneas a uns 500 km de Juazeiro.

Ou seja, os padrões de tempo e espaço são incompatíveis com a liberação de mosquitos transgênicos estar relacionada com a epidemia de zika e microcefalia.

6) A inexistência de epidemia de microcefalia nos países africanos prova que a zika não tem relação com a má formação (fonte: O Sul)***
Embora não haja registro de epidemia de microcefalia nos países africanos, a incidência da má formação é relativamente alta. Em um estudo com 3.196 recém-nascidos entre 2005 e 2007 no sudoeste da Nigéria, 340 apresentavam microcefalia, isto é, uma incidência de 10.638 casos a cada 100.000 nascimentos - compare-se com a média de 2010 a 2014 no Brasil de 5,38 casos a cada 100.000 nascimentos. Mesmo em situação de epidemia, aqui, por enquanto, a média nacional está em 60,64 casos por 100.000 nascidos vivos. Nessa região da Nigéria, durante o período do estudo, há uma incidência 175 vezes maior do que no Brasil durante a epidemia. Lá, a maior parte dos casos possivelmente tem a contribuição da infecção por citomegalovírus (CMV): virtualmente 100% dos recém-nascidos estão infectados.

Um estudo feito entre 2004 e 2005 com crianças em idade pré-escolar em Kinshasa, República Democrática do Congo, encontrou, entre as 90 crianças controle (sem infecção pelo HIV), 1 caso de microcefalia. Se isso reflete a incidência ao nascer, corresponderia a uma taxa de 1.111 casos em 100.000.

Faltam estudos para saber se alguma fração desses casos deve-se à incidência de zika. Afinal, foi com a epidemia no Brasil que se aventou a possibilidade de associação - portanto, ninguém poderia pensar em pesquisar isso antes. Desconsiderando-se que a microcefalia possa ser uma manifestação nova de infecção por zika - os vírus, ao se espalharem por novas áreas, podem sofrer mutações e, com isso, induzir novos sintomas -, há várias outras possibilidades. Pode ser que a infecção por zika por gestantes em países da África sub-saariana esteja também relacionada a casos de microcefalia fetal, mas esteja mascarado pela alta incidência geral da má formação. Como não parece haver uma flutuação na taxa de infecção por zika nesses países (repetindo que faltam informações para saber o quanto é verdade que realmente não haja essa flutuação), o nível de microcefalia não varia - permanece alto. Pode ser que, como o ZIKV circula há mais tempo por lá, boa parte da população apresente imunidade, não havendo infecção nova entre as gestantes. Pode ser que a relação entre ZIKV e a microcefalia dependa de outros fatores - como infecção pregressa por determinados sorotipos de vírus da dengue.

O motivo exato de não se ter registro de relação entre ZIKV e casos de microcefalia em países africanos ainda precisa ser esclarecido, mas desde já parece claro que não se constitui em prova de que essa relação não possa existir - ao contrário, dados da Polinésia Francesa e do Brasil indicam a associação.

7a) Carência nutricional - como falta de iodo e magnésio na dieta - como causa principal da microcefalia e fator de predisposição à microcefalia associada à zika (fonte: prefiro não linkar)***
A carência nutricional materna - sobretudo durante a gravidez - está associado a casos de microcefalia congênita. Mas não há registro de que tenha havido um surto de deficiência nutricional materna concomitante ao aumento atual dos casos de microcefalia.

A desnutrição também tende a tornar o organismo de modo geral mais vulnerável a infecções. Mas, novamente, não há registro de aumento súbito no nível de desnutrição dos brasileiros nas áreas com epidemia de zika e microcefalia.

Uma população bem nutrida certamente deve ser mais resistente a epidemias do que uma população com carências nutricionais, no entanto, dificilmente deixaria de haver uma alta do número de casos de zika e de microcefalia se, em tudo o mais sendo igual, o brasileiro tivesse acesso a uma dieta mais rica e equilibrada: epidemias de outras doenças como a dengue correlacionam-se muito mais com a população de vetores - no caso, os mosquitos - do que com o estado nutricional geral da população: o brasileiro não tende a ficar subitamente mal nutrido em época de calor e chuvas, quando os casos de dengue tendem a subir muito.

7b) Carência de vitamina D/falta de exposição ao sol como causa/agravante da zika (fonte: prefiro não linkar)8
Os padrões geográficos entre incidência de hipovitaminose D e febre zika não são compatíveis com a hipótese de relação causal entre elas. Se a falta de exposição ao sol tivesse uma influência significativa, então os estados do sul deveriam ser mais afetados do que os do NE.

Um dos textos assume que no Brasil haveria febre zika e não nos países africanos pela diferença de exposição à luz solar, mas não sabemos bem se realmente não há casos da doenças por lá pela falta de dados confiáveis - na epidemia recente, a transmissão autóctone de ZIKV foi registrada em Cabo Verde. Em anos passados, em vários países africanos houve casos reportados de febre zika, como na Nigéria, nos Camarões e na República Central Africana.

Curiosamente, na Nigéria não há registro de maior hipovitaminose D nas crianças com raquitismo, mas há registro de incidência bastante alta (83%) entre as mulheres da etnia fula. Entre as crianças sul-africanas, há insuficiência de vitamina D em 19% e em 7% delas há deficiência. A falta de exposição pode ser a causa especialmente por causa da vestimenta das mulheres de certas culturas e religiões, que devem ficar praticamente toda coberta. Há também carência da vitamina em função da dieta.

No Brasil, a hipovitaminose D é rara - ainda que possa ocorrer em nível subclínico, especialmente entre as mulheres idosas.

8) Remédios homeopáticos para prevenção e tratamento de zika (fonte: prefiro não linkar)****
Nas epidemias de dengue há vários casos de uso de formulações homeopáticas, inclusive por autoridades sanitárias locais, para o tratamento da doença - em especial como auxiliar ao tratamento convencional (não como substituto). Mas, de modo geral, falta um bom acompanhamento do resultado.

Os melhores resultados disponíveis, no entanto, indicam que *não* há eficácia na utilização de tratamentos homeopáticos contra a dengue.

Considerando-se que meta-análises mostram que a homeopatia não é melhor do que o placebo para uma ampla gama de doenças e condições: câncer, TDAH, asma, demência, indução de trabalho de parto, entre outros, seria surpreendente que funcionasse contra a dengue. Do mesmo jeito seria surpreendente que funcionasse contra a febre zika.

De todo modo, como se trata de uma epidemia recente, não há nenhum estudo para o uso de tratamento homeopático contra a infecção por ZIKV; portanto, não há nenhum dado científico a sustentar sua eficácia. (No caso da dengue, nem mesmo associações médicas homeopáticas sustentam que a homeopatia previna a doença.)

9a) O vírus zika chegou ao Brasil com os imigrantes haitianos (fonte: prefiro não linkar)5
O padrão temporal e geográfico são contrários ao mito.

Os haitianos entram pelo Brasil principalmente através do Acre, via Peru e Equador. A grande maioria dirige-se, então, para São Paulo, Minas Gerais e estados do Sul. Até 05/dez não havia registro nem epidemia de zika, nem de surto de microcefalia.

Além disso, esse fluxo migratório iniciou-se em 2010, com o grande terremoto de magnitude 7 que arrasou o país. E até o momento não há registro de surto de ZIKV no Haiti.

9b) O zika veio com os médicos cubanos (fonte: prefiro não linkar)7
Mais um caso em que o padrão temporal e geográfico não bate com a alegação.

Os primeiros médicos cubanos do Programa Mais Médicos chegaram ao fim de 2013. O estado que mais recebeu médicos do país caribenho é São Paulo - com 1.914 profissionais atuando em agosto de 2014 (apenas o 15° entre os estados com mais suspeitas de microcefalia até 15/dez/2015); seguido da Bahia: 1.067 (3° em microcefalia), Minas Gerais: 1.012 (13°), RS: 808 (20°, com apenas um caso suspeito) e PR: 704 (sem casos suspeito registrado até o momento). PE, com mais casos de microcefalia até 15/dez/2015, é apenas o nono estado com mais médicos de Cuba: 504.

Até o momento não há registro de ZIKV em Cuba.

10) A causa da microcefalia é a sífilis. Ocultam isso porque gastam mais no combate ao mosquito da dengue do que com a prevenção da sífilis. (fonte: prefiro não linkar)6
Infecção materna por Treponema pallidum, bactéria causadora da sífilis, realmente é uma das causas de microcefalia. Mas não há registro de epidemia de sífilis no país (nos comentários, a leitora Sher Duarte observa que há profissionais de saúde que classificam o aumento do número de casos de sífilis desde 2007 como epidêmicoa; no entanto, o padrão de aumento não é de 10 vezes em um ano; em AC, o aumento foi de 96% nos registros entre 2013 e 2014; em PE, de 95%; no Paraná, de 63,1%; o padrão geográfico não bate com as taxas de aumentos de microcefalia)10. E o protocolo de diagnóstico de vírus zika nos casos suspeitos de microcefalia incluem testes sorológicos contra a sífilis.

De fato, a prevenção à sífilis dependeria apenas de uma mudança no comportamento sexual: uso de preservativo, principalmente. E há campanhas de incentivo ao sexo seguro, no contexto das DST (a sífilis é uma das várias DST) e aids. Mas o combate ao mosquito também envolveria basicamente uma mudança comportamental: as pessoas eliminarem locais de acúmulo de água da chuva em suas residências. E há campanhas para isso.

11) A relação entre o vírus zika e o surto de microcefalia foi confirmada pelo governo com base em um único caso de detecção do ZIKV em tecidos de um bebê. (fonte: prefiro não linkar)6
Na apresentação do "Protocolo de vigilância e resposta à ocorrência de microcefalia relacionada à infecção pelo vírus zika", o MS lista os indícios que relacionam o ZIKV com o surto de microcefalia.
"1. Constatação de que os padrões de distribuição dos casos suspeitos de microcefalia pós-infecciosa
apresentam características de dispersão e não indicam concentração espacial;
2. Constatação de que os primeiros meses de gestação das mulheres com crianças microcefálicas
correspondem ao período de maior circulação do vírus Zika na região Nordeste;
3. Constatação, após investigação epidemiológica de prontuários e entrevistas com mais de 60
gestantes, que referiram doença exantemática na gestação e cujas crianças com microcefalia,
sem histórico de doença genética na família e/ou exames de imagem sugestivo de processo
infeccioso; 
4. Constatação de alteração no padrão de ocorrência de microcefalias no SINASC (Sistema de
Informação de Nascidos Vivos), apresentando um claro excesso no número de casos em várias
partes do Nordeste;
5. Observações de especialistas em diversas áreas da medicina (infectologia, pediatria,
neuropediatria, ginecologia, genética, etc.) de que há alteração no padrão clínico individual
desses casos que apresentam características de comprometimento do Sistema Nervoso Central,
similar às infecções congênitas por arbovírus em animais, como descrito na literatura;
6. Evidência na literatura de que o vírus Zika é neurotrópico, demostrado em modelo animal e pelo
aumento na frequência de quadros neurológicos relatados na Polinésia Francesa e no Brasil após
infecção por Zika e confirmado em Pernambuco, após isolamento do vírus em paciente com
síndrome neurológica aguda;
7. Identificação de casos de microcefalia também na Polinésia Francesa após notificação do Brasil
à Organização Mundial da Saúde; 
8. Constatação da relação de infecção pelo vírus Zika com quadros graves e óbitos a partir da
identificação de casos que evoluíram para óbito em estados diferentes e ambos com
identificação do RNA viral do Zika e resultados negativos para os demais vírus conhecidos, como
dengue, chikungunya entre outros;
9. Identificação do vírus Zika em líquido amniótico de duas gestantes cujo feto apresentava
microcefalia, no interior da Paraíba;
10. Identificação de óbitos de recém-nascidos com malformações e padrão sugestivo de infecção no
estado do Rio Grande do Norte e outros Estados;
11. Identificação de recém-nascido, no estado do Ceará, com diagnóstico de microcefalia durante a
gestação e resultado positivo para o vírus Zika, tendo evoluído para óbito nos primeiros 5
minutos de vida."

Pelos dados divulgados no boletim do dia 15/dez, dos casos suspeitos de microcefalia já analisados, em 134 foi diagnosticada a zika e em 102 houve descarte da presença do vírus. Outros 2.165 casos estão sob investigação. (Na verdade, os casos de confirmação é de diagnóstico inicial de microcefalia. Os casos de microcefalia com confirmação de presença de ZIKV até 23.jan.2016 são 6.)11

12) A recomendação pelo Ministério da Saúde para que as mulheres não engravidem é para controlar as mulheres (fonte: prefiro não linkar)6
O MS *não* fez recomendação para que as mulheres não engravidem. Nas orientações às gestantes, o MS diz explicitamente:
"Não há uma recomendação do Ministério da Saúde para evitar a gravidez. As informações estão sendo divulgadas conforme o andamento das investigações. A decisão de uma gestação é individual de cada mulher e sua família."

Agora, de fato, há profissionais de saúde, inclusive ligados aos órgãos do MS, que fazem a recomendação de evitar a gravidez enquanto houver a epidemia de zika. Mas é uma recomendação, não uma imposição. A decisão final é da mulher.

*Upideite(10/dez/2015): adido a esta data.
**Upideite(10/dez/2015): adido a esta data.
***Upideite(10/dez/2015): adido a esta data.
****Upideite(11/dez/2015): adido a esta data.
5Upideite(19/dez/2015): adido a esta data.
6Upideite(23/dez/2015): adido a esta data.
7Upideite(27/dez/2015): adido a esta data.
8Upideite(25/jan/2016): adido a esta data.
9Upideite(31/jan/2016): adido a esta data.
10Upideite(05/fev/2016): adido a esta data.
11Upideite(05/fev/2016): corrigido a esta data.

Upideite(27/jan/2016): Veja também
Educação na Web/Material de apoio docente para Zika (material produzido pela turma de 2015 da disciplina Internet no Ensino de Ciências e Biologia, ministrada pelo Dr. Átila Iamarino e pela Profa. Dra. Sônia Lopes.
Zika: "Brigada" Anti-Boato (Canal do Pirulla)
Zika e os boatos zicados (Canal do Pirulla)

Parte 2 da lista.

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