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domingo, 21 de agosto de 2016

Bibbidi-Bobbidi-Boo: vaias como varinhas de condão?

As vaias dirigidas pelo público ao atleta francês do salto com vara, Renaud Lavillenie, - tanto durante a prova, quanto na cerimônia de entrega de medalhas - repercutiram tanto nacional quanto internacionalmente. Certamente há considerações éticas que podem ser tecidas - embora a situação tenda a ser um tanto mais complexa do que o quadro traçado em algumas análises (especialmente as que operam em quadros de heróis e vilões bem definidos) -, mas não é o objetivo desta postagem.

As vaias são um elemento bastante comum e destacado no cenário esportivo. Torcedores, especialmente em modalidades de equipes e as disputadas um contra um, valem-se de aplausos, gritos e sonorizações de desaprovação.Curiosamente, a despeito de sua frequência e relevo, parece haver poucos estudos a analisar mais especificamente os efeitos dessas manifestações vocais negativas da plateia sobre o desempenho desportivo.

O único específico sobre a vaia que encontrei no Google Scholar foi Greer 1983 (pode haver mais e seja apenas falha minha em achar estudos sobre os efeitos da vaia nos atletas). Ele analisou alguns parâmetros de equipes de basquete - times da casa e times visitantes - logo após episódios de vaia (geralmente contra marcações da arbitragem). O time visitante tende a ter um aumento significativo da taxa de faltas nos 5 minutos seguintes aos apupos. Outros parâmetros considerados não apresentaram alterações significativas, embora a tendência tenha sido sempre de melhor desempenho da equipe da casa e um pior da visitante.

Clayman 1993 analisou a vaia em outro contexto: em reação a discursos. Como manifestação coletiva, a varia difere do aplauso em seus padrões de manifestação. O aplauso tende a surgir logo após trechos proeminentes do discurso e, de início, com os manifestantes atuando de modo independente. Já a vaia tende a ocorrer após um intervalo em que os membros avaliam a reação dos demais (verificando sinais de desaprovação - como balançar de cabeças, expressões.faciais de contrariedade, murmúrios...).

Nevill et al. 2002 estudaram não especificamente a vaia, mas o barulho das torcidas de futebol (o que inclui cânticos, xingamentos, gritos) sobre a decisão dos árbitros. A conclusão é que torcida barulhenta faz com que os juízes se tornem caseiros. Myers 2014 chega à mesma conclusão - e de modo generalizado para todos os esportes - em sua revisão sobre a influência do barulho da torcida na decisão dos árbitros esportivos. Thirer & Rampsey 1979 observaram o desempenho de equipes universitárias de basquete após manifestações negativas da torcida e obtiveram um resultado oposto ao que seria obtido por Greer 1983 para as vaias: após os episódios de comportamentos antissociais, o time da casa apresentou um número maior de faltas, enquanto o time visitante não apresentou alteração.

Epting et al. 2011 examinaram os incentivos e as zombarias da torcida sobre a performance individual de atletas. O efeito parece variar de esporte para esporte. Jogadores universitários de basquete não têm o desempenho nos lances livres afetado seja pela torcida contra seja pela torcida contra; jogadores de beisebol são afetados negativas em seus lançamentos por zombarias da torcida; já jogadores de golfe tendem a errar suas tacadas tanto por manifestações de apoio quanto por troças.

Lavillenie pode ter, assim, razão em sua reclamação de que as varias afetaram seu desempenho, mas barulhos - incluindo varias (e até para o time da casa) - estiveram e estão presentes em várias outras modalidades. Por outro lado, há variação nos ethos admitidos em cada esporte: no tênis espera-se silêncio da torcida entre o saque e a definição do ponto; no golfe, o silêncio absoluto durante preparação e execução da tacada... No futebol, o barulho é esperado o tempo todo - a menos do minuto de silêncio antes do início de algumas partidas, ou o silêncio sepulcral diante uma derrota inesperada e sentida do time da casa; basquete, beisebol, andebol, futsal, vôlei e outros são também jogados diante de torcidas barulhentas o tempo todo. Mas em nenhuma dessas há um regulamento (mesmo que não escrito) de que apenas sons de incentivo possam ser emitidos. Haveria que se fazer exceção ao atletismo? Bem, mas isso dificilmente pode ser respondido por números, quantificações de desempenho e análises estatísticas.

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