De um lado, acho mais do que válida e bem vinda a valorização por parte dos cientistas em geral do que muitas vezes era vista como patinho feio do trinômio universitário: a extensão. E dentro da extensão, a DC também muitas vezes gerava mal entendidos - como o famigerado (e certamente falso) "efeito Carl Sagan" - de que acadêmicos que se dedicam à divulgação tendem a ser pouco produtivos em publicações científicas.
Entre outros efeitos, isso deve (acho) redundar em: 1) mais cientistas se dedicando à atividades de DC; 2) mais oportunidades de trabalho para grupos já relativamente organizados de DC; 3) maior preocupação com capacitação e formação dos divulgadores.
Mas me preocupo um tanto com um aparente excesso de esperanças que parte da comunidade científica parece depositar na DC para angariar apoio popular - e, daí, político; e, daí, reverter cortes nos financiamentos e ações anticiência. A DC tem um papel importante a desempenhar, mas a expectativa me parece irreal. Ela não faz mágica.
A DC não é meramente um departamento de relações públicas e assessoria de imprensa e de imagem das ciências. Parte dela pode cumprir tal papel. Mas é também parte da DC desempenhar um papel de observação crítica da prática científica. Denunciar más práticas, relativizar hypes de descobertas - colocando em contexto ou até mesmo apontando possíveis consequências danosas da aplicação de um achado científico, é algo que cabe à DC (seja ou não na vertente do jornalismo científico) - ainda que não exclusivamente à DC, a própria ciência em si tem seus fóruns internos para tal discussão (p.e. a questão sobre o uso ou não de significância estatística como critério dicotômico de aceitação ou não de hipóteses tem sido feita através de artigos científicos e de opinião em publicações científicas e acadêmicas).
Mas mesmo a DC em seu papel de reforçar a confiança nas ciências é limitada. Estudos de persuasão indicam que os variados métodos como uso de humor, metáforas, elementos emotivos, admoestações peremptórias, inoculação preventiva, etc. têm resultados modestos (ainda que positivos) nas atitudes do público em relação às ciências. As pesquisas têm ajudado a conhecer as melhores práticas da DC no quesito convencimento, mas ainda estão engatinhando como uma área de ciência da divulgação de ciências.
A DC precisa vir acompanhada de muitos outros fatores a mudar a relação entre a comunidade científica e a sociedade em que ela se insere. Transparência/accountability e participação democrática são dois termos chave que vêm sendo brandidos e estudados nesse quesito. A comunidade científica se abrir mais para a participação popular na definição de prioridades das pesquisas e discussão das preocupações com as tecnologias em uso e por se introduzir - até mesmo com os não especialistas botando a mão na massa na prática da ciência cidadã. É um processo que exige humildade nem sempre fácil de se aceitar e confiança mútua nem sempre prontamente estabelecida. Porém, o contrário, a desconfiança mútua e a arrogância, traz
Um outro movimento que a academia tem (re)tomado e que também em histórico recente é alvo de polêmicas internas é o do ativismo político. Marchas e protestos (ainda que de alcance limitado - em parte, justamente por essa resistência da academia a se ver em meio a algo que não é meramente a discussão racional do fazer científico), lobbies (ou, em termo socialmente mais aceitável, grupos de advocacy ou de pressão) (recentemente pelo menos três iniciativas foram organizadas - o Instituto Questão de Ciência, como associação independente de indivíduos; o Observatório do Conhecimento, uma rede de associações discentes do ensino superior; e a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento, a ICTP.br, um movimento conjunto da SBPC com outras sociedades científicas - todas com o objetivo de interlocução com parlamentares para a elaboração de políticas públicas baseadas no conhecimento científico e em defesa da ciência), e talvez num movimento mais ousado: lançando candidatos cientistas a cargos públicos representativos (embora nenhuma entidade científica - até por questões estatutárias e legais - tenha apoiado abertamente algum)
Foram durante os anos de chumbo que a SBPC teve alguns de seus momentos de maior relevância, colocando-se como elemento de resistência à perseguição político-ideológica do regime contra acadêmicos, cientistas e intelectuais.
Um terceiro movimento, não organizado (ao menos por enquanto), é o de simplesmente (quase nunca é simples, na verdade) tentar ir buscar oportunidades (e fugir de perseguições) no exterior. Desconheço uma medida do tamanho do brain drain atual (se souberem de estudos estimando o total de cientistas brasileiros que tenham se mudado para o estrangeiro em tempos recentes, por favor, indiquem nos comentários*). É um movimento compreensível, mas, claro, que não tende a ser ativamente incentivado pela academia.
Um quarto busca articular os dois primeiros: DC e ação política. Mas é ainda mais incipiente. E igualmente (ou até mais, talvez) polêmico. É compreensível a resistência uma vez que, sim, é preciso resguardar tanto a prática científica quanto a comunicação pública a respeito dela de vieses que as distorçam. Mas, sem equacionar a questão, a máquina anti-intelectual vem fechando o cerco. Pode ser questão de sobrevivência (até literal).
*Upideite(19.mai.2019): Um grupo da Unicamp está mapeando a diáspora de cientistas brasileiros nos Estados Unidos.
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