Não sendo
dia de São Patrício em Chicago, a água torna
r-se verde de uma hora para outra não costuma ser uma boa notícia. Em uma
edição olimpica, então...
O comitê organizador chegou a falar no mesmo dia 09.ago.2016
, em que
se deu a mudança de cor e turbidez da água da piscina de saltos ornamentais no complexo Maria Lenk no Rio de Janeiro
, que os atletas não corriam riscos de saúde. Mas é difícil de se imaginar um conjunto de testes que, em poucas horas, permitam analisar a potabilidade/balneabilidade/inocuidade da água: testes para a presença de micro-organismos levam pelo menos um dia para incubação. Aparentemente, tudo o que verificaram foi o pH; o que não permite, por si, determinar a segurança: há bem mais riscos numa água de banho do que simplesmente sua acidez ou basicidade.
Quatro dias depois do início do incidente, o comitê organizador revela que foram despejados 80 litros de peróxido de hidrogênio: H
2O
2, na piscina previamente clorada. Tanto o peróxido quanto o cloro são utilizados para o tratamento de piscinas para evitar a proliferação de micro-organismos, especialmente bactérias e algas. Mas não devem ser usados em conjunto: o peróxido de hidrogênio, na verdade, é usado para desclor
ar a água (p.e. para permitir o despejo em rios e lagos).
Normalmente, a água de piscina é clorada com hipoclorito de cálcio: Ca(ClO)
2 - em formulação com 60 a 80% do composto. O hipoclorito de cálcio reage com a água formando ácido hipoclórico: HOCl, e hidróxido de cálcio: Ca(OH)
2. O HOCl se dissocia em próton: H
+ e íon hipoclorito: OCl
- (enquando o hidróxido de cálcio se dissocia em íons cálcio: Ca
+2 e hidroxilas: OH
-). Costuma-se usar em quantidades que correspondem a uma concentração final de 5 a 10 ppm (mg/l) de equivalente de cloro livre:
OCl
-, ou
0,14 a 0,28 0,1 a 0,19 mmol/l.
O peróxido reage com o íon hipoclorito, formando gás oxigênio: O
2 e íons Cl
-, que podem reagir com moléculas de HOCl e prótons para formar gás cloro: Cl
2. Os 80 litros de H
2O
2 diluídos em 3.725.000 de litros da piscina equivalem a uma concentração final de 0,18 a 0,55 mmol/l (a depender da concentração no produto usado), o suficiente para reagir com praticamente todo o íon hipoclorito da água, desclor
ando-a por completo.
Sem peróxido e sem cloro, então, a alga pôde proliferar, certo? Bem... Certamente não havia os principais inibidores. Mas, a despeito da fotossíntese precisar apenas de luz e CO
2, para o florescimento de algas é preciso a presença de íons fosfato e fontes de nitrogênio, p.e. Ou seja, era preciso que a água da piscina tivesse fontes de matéria orgânica. Sim, nadadores são fontes de matéria orgânica com seus suores, restos de células que descamam da pele, pelos que caem, saliva e até urina. O vento poderia trazer também uma carga de poeira rica em fosfato e nitrogênio, pássaros poderiam contribuir com suas fezes. Mas... qualquer pessoa que tenha - um tanto irresponsavelmente, diante das epidemias de dengue e outras arboviroses - deixado um vidro transparente com água terá notado que leva vários dias ou semanas (ou até mais tempo) até que comecem a aparecer algas; mesmo em aquários, quando desligamos o filtro, leva alguns dias para a parede começar a esverdear. Se a mudança de cor deve-se somente à proliferação de algas, bem, havia *muita* matéria orgânica na água da piscina. Em uma estimativa no olhômetro bem grosseira, a turbidez da água parece algo na casa dos
20 NTU - o que, em termos de bioturbidez causada por floração de algas/cianobactérias, corresponde a uns 36 µg/l de clorofila, ou a cera de 3 a 4 mg/l de massa seca de alga/cianobactéria, considerando cerca de 11 mg de
clorofila por grama de massa seca de cianobactéria - ou 10 a 15 kg de matéria orgânica na piscina toda: entre 900g e 1,5 kg de nitrato e 90 a 250 g de fosfatos - considerando a relação entre
crescimento e captura de nitratos e fosfatos em cianobactérias. O que significa, no mínimo, um processo de filtragem muito pouco eficiente - ou uma fonte de contaminação mais intensa da água (vazamento de esgoto talvez?).
Íon cloreto produzido na reação com o peróxido (ou mesmo pela própria cloração) pode
reagir com amônia presente, formando monocloramina: NH
2CI, dicloramina: NHCI
2, ou a tricloramina NCI
3. A monocloramina é um gás incolor a temperatura e pressão ambientes, dicloramina é um gás amarelo, a tricloramina é um líquido oleoso amarelo e também irritante de mucosas (vários atletas reclamaram de ardência nos olhos) e é o responsável pelo "cheiro de piscina". As cloraminas em concentrações acima de 5 mg/l (em torno de 0,1 mmol/l) tornam a
água amarelo-esverdeada. Mas, de novo, seria preciso uma fonte de matéria orgânica a fornecer amônia ou uréia. Naquela piscina, seria preciso uma concentração de 1.500 a 5.000 litros de xixi para fornecer essa quantidade de amônia para a reação química de formação de cloraminas amarelar ou esverdear a água. O que, de novo, aponta, no mínimo, para uma filtragem altamente deficiente.
Então, embora o despejo não planejado de peróxido de hidrogênio seja uma falha, não parece ser um fator suficiente para explicar a situação. Seja a mudança de cor devido à proliferação de algas ou cianobactérias
ou à reação de formação de cloraminas.
Confira o que outros canais de DC falaram sobre o caso (atualizo à medida em que souber de mais):
Dragões de Garagem: O estranho caso da piscina olímpica verde.