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terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Meninas, vocês namorariam este cara?

Os raros (e qualificados) leitores mais assíduos deste blogue devem ter notado que o Semciência é uma fonte constante de pautas para as postagens aqui.

Por lá que tomei conhecimento desta reportagem da Folha Online sobre este estudo aqui, feito pelo estudante de doutorado da University of Warwick, Peter Backus. (Garotas, deem uma olhada na figura, no currículo dele e respondam se vocês namorariam o rapaz. Ok, sem preconceitos, garotos também podem responder.)

O estudo se baseia na equação de Drake que tenta estimar o número de civilizações inteligentes no Universo (ou em nossa galáxia), mas aplicada para as chances de se encontrar um par amoroso.

Diligentemente, Backus identifica suas preferências pessoais, a fração da população que corresponde a cada uma dessas preferências e procede a uma simples operação de multiplicação.

A vantagem de se usar tal procedimento no cálculo das chances de se encontrar alguém interessante no planeta em vez de no Universo é que, para a maioria dos fatores, no primeiro caso é possível se estimar valores com base em dados reais, já no segundo caso, para vários fatores cruciais (como o número de planetas com vida) só podemos ainda chutar algum valor. Ao fim de todo o trabalho, Backus chega a um decepcionante resultado de 0,00034% de chance de encontrar um par dentro de suas especificações (que não são tão restritivas quanto esse número parece indicar) ao longo de sua vida em uma noitada em Londres.

Porém, notemos que Backus é economista. Na verdade, sua modelagem para encontros é biologicamente irrealista. Podemos chamar o modelo totalmente casualizado de Backus para encontrar um par de "modelo cinético" (Joey Salgado, nos comentários, sugere outro nome: "modelo boltzmanniano"*) - encontros aleatórios como o de moléculas em uma reação química. Para a felicidade geral, inclusive de Backus, isso *não* é o que acontece. Do contrário, as espécies com reprodução sexual estariam extintas há muito tempo.

O leitor ou a leitora antirromântica poderia objetar: "Mas alto lá! Isso apenas indicaria que as pessoas acabam formando par com pessoas por quem não se sentem tão atraídas". É verdade que muitos casais não apresentam o mais alto grau de afinidade, porém mesmo assim o solteirão não-convicto pode ter muito mais esperanças.

Em primeiro lugar, os encontros *não* são aleatórios. Se o critério for de se encontrar pessoas com afinidades socioeconômicas, a dinâmica social faz com que seja muito mais provável que encontremos com pessoas com condições socioeconômicas similares: Backus, como economista, deve frequentar simpósios e congressos de economia, onde encontrará vários outros (e, para o interesse dele, outras) economistas. O fato de eu manter este blogue, faz com que eu mantenha contato (ainda que na maior parte das vezes por meios eletrônicos) com várias pessoas com interesses em ciências. Mas há muito mais do que isso.

Como sapas encontram parceiros? É preciso que seja da mesma espécie para começo de conversa. E, mais do que isso, é preciso atender a critérios importantes: se a sapa se acasala com um sapo da mesma espécie, mas que não tenha uma constituição genética que favoreça a prole, a sapa corre sérios riscos de ter uma descendência que esteja em desvantagem em relação aos filhotes de outras sapas que se acasalaram com machos com melhor constituição genética ("melhor" aqui no sentido de que aumentem as chances de sobrevivência até a idade reprodutiva - por exemplo, versões de genes que aumentem a capacidade imunológica ou de escape à predação). A sapa não irá aplicar a equação de Drake-Backus, não irá aplicar um questionário padrão, nem irá se inscrever no Perfect(Toad)Match.com. É possível até que ela faça escolha de modo totalmente automático. Kentaro Mori destrincha alguns mecanismos de *comunicação* biológica. Muitos sapos machos cantam à beira do lago - e não sobre seus hábitos higiênicos suspeitos a respeito de seus pés -, esse canto leva informações bastante interessantes às fêmeas: 1) localização (ahá! não é preciso mais sair catando papel em ventania), 2) espécie (o acasalmento será compatível), 3) constituição genética (entre outras coisas, cantar envolve um gasto energético considerável - é o que os biólogos chamam de sinalização honesta, não dá para fingir que é capaz de cantar -, certas características sonoras podem ainda indicar o tamanho do emissor ou estar associadas com aspectos não-físicos).

A comunicação afasta ainda mais da realidade um modelo cinético puro. E humanos, queiram ou não, também emitem comunicação o tempo todo - inclusive sobre sexo. Feromônios, proporções corporais, modo de se vestir e de caminhar, etc. tudo isso se constitui em comunicação não-verbal processada por quem está à procura de parceiros potenciais. (Sem falar em anúncios explícitos como nos sítios de relacionamento.) Um equivalente humano do coaxar pode ser, por exemplo, um carango turbinado - as garotas podem achar tremendamente cafona, mas sabem avaliar os custos envolvidos (sim, nem todas, nem todas).

Então, Backus, lamento, mas sua desculpa de vítima da estatística não cola. Estar desacompanhado sendo uma pessoa com características atraentes às mulheres ou é coisa de solteirão convicto (como Charlie Harper) ou é sinal de que possui alguma outra característica negativa que sobrepuje a atratibilidade (não necessariamente algo repugnante - pode ser excesso de timidez, p.e.). Ou então, pode ser coisa de gênio do automarketing amoroso - agora é uma pessoa famosa, com um trabalho não-publicável em revistas científicas padrão comentado em diversos veículos. Afinal, até assassinos perigosos reconhecidos conseguem parceiras. Resistirei à tentação de sugerir que, em último caso, tente se lambusar de chocolate, fazer um pouco de ginástica, inventar jeans mais largos, e se libertar do celular e da TV de plasma. (Não sei se o resultados dessas pesquisas revelam mais do famoso humor britânico ou se realmente revelam que príncipe Charles, afinal, seja um britânico típico.)

*Upideite(20/jan/2009): atualizado a esta data.

4 comentários:

Joey Salgado disse...

Bom, como biólogo, Backus é um excelente economista. Fora que considero que esse "cálculo" (como afirmou a Folha) foi um raciocínio de boteco (ou pub, como queira) que ele empregou para impressionar a bartender (sem sucesso, ao que tudo indica) e que acabou virando piada interna. Depois, como todo bom britânico, ele tentou tirar uma casquinha de vantagem desse lance.

O cara tem que ser muito mané para enxergar o problema de relacionamento dele por um ponto de vista boltzmanniano. Não é a toa que está "flying solo", rs.

Inté!

none disse...

Salve, Joey,

Sendo um pouco maldoso: com esse tipo de raciocínio, não é à toa que os economistas sejam melhor em explicar o que já aconteceu do que em prever o que irá acontecer. (Na verdade os fisicos não se saem melhor nessas simplificações excessivas na modelagem de sistemas altamente complexos sujeitos às interferências de agentes inteligentes.)

[]s,

Roberto Takata

Joey Salgado disse...

Continuando com a maldade: os físicos se gabam de trabalhar com as quatro forças (nucleares forte e fraca, gravidade e eletromagnética), ficam a vida inteira tentando juntar elas em um único modelo e morrem sem conseguir. Economistas só podem se gabar de trabalhar com uma única força, o poder do dinheiro, e mesmo assim morrem sem sucesso, rs.

Inté!

Joey Salgado disse...

Uou, obrigado pela citação, rs!

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