Há um mito bastante disseminado relacionando cores e apetites. Não que não haja nenhuma relação, mas com frequência as cores relacionadas e seus efeitos são invertidos ou têm seus efeitos exagerados.
Um desses perfis de fatos curiosos diz que a cor azul desestimula o apetite por ser uma cor incomum para alimentos humanos, o que causaria uma resposta de evitação pelo cérebro.
Figura 1. Postagem desinformativa (esquerda). Real valor (direita). (Sim, piada repetida. mas os erros se repetem também.)
Parece fazer sentido, mas...
Antes do "mas", cabe observar que é algo que vemos e ouvimos não apenas na imprensa leiga como até na especializada de divulgação científica. O sítio web M de Mulher de agosto de 2012 traz em uma matéria com dicas para emagrecer: "A cromoterapia garante: a cor azul é supressora de apetite. Hora de investir em porcelanas, guardanapos e jogos americanos azuis. A cor calmante faz você comer mais devagar, o que ajuda a perceber quando está satisfeita." A ligação com a cromoterapia, prática dentro da chamada "medicina alternativa complementar", considerada por muitos (inclusive o autor do GR) como sem base científica apropriada, é suspeita.
A revista Superinteressante, no início, antes de se perder em bobagens pseudocientíficas descaradas, publicava em sua edição de fevereiro de 1988: "Imagine quatro fotografias de um mesmo prato. Toda a diferença está no fundo. Sobre o branco, parece uma insossa refeição de hospital. O verde também corta a fome, porque chama mais a atenção que a própria comida. O violeta esfria o prato. Sobre o vermelho, porém, o filé parece suculento, os legumes mais tenros — sem dúvida, esta é a foto que mais impressiona. Ao vê-la, alguém é bem capaz de correr à geladeira ou dar um pulo à lanchonete mais próxima."
No segundo episódio do programa Crowd Control exibido pela National Geographic em dezembro de 2014 (no Brasil é conhecido como "Repense sua Rotina"): "Food for Thought" é apresentado a mesma história sobre a cor azul ser inibidora de apetite. "Blue is an appetite suppressant, other than blueberries, there’s hardly any naturally occurring blue food, so we don’t have a hunger response to that color." ["O azul é um inibidor de apetite, além de mirtilos, dificilmente encontramos alimentos azuis na natureza, assim não temos nenhuma resposta a essa cor."]
Afora haver diferença entre ser inibidor (uma resposta negativa) e não haver nenhuma resposta (ausência de resposta), parece fazer sentido, mas...
Ok, acho que esses exemplos são o suficientes para demonstrar a disseminação e a continuidade do mito. Mas... mas isso é mito.
Na realidade há poucos estudos publicados a respeito da relação entre cores do ambiente (ou dos alimentos) e o apetite ou a quantidade ingerida. Os poucos que existem, porém, contam uma história bem diferente.
Piqueras-Fiszman & Spence 2014 fizeram uma revisão desses estudos: "Regarding the effect of certain colours of the extrinsic elements of food on people’s intake, it is
worth considering the fact that the colour red has been shown to elicit avoidance motivation across a
variety of behavioural contexts (e.g., Birren, 1963; Mehta & Zhu, 2009; though Singh, 2006, once
reported that red stimulates appetite). Several studies have investigated the effect that the colour red has
on the consumption of both snack foods and soft drinks (e.g., Genschow, Reutner, & Wanke, 2012).
For instance, the participants in Genschow et al.’s study drank less from a cup with a red label than
from a cup with a blue label. They also ate less snack food from a red plate than from a blue or white
one. The authors concluded that red might function as a subtle stop signal that works even outside of a
person’s focused awareness and may thereby reduce incidental food and drink intake (cf. Kulman,
2001, for a possible environment in which to apply such findings). Meanwhile, Bruno, Martani,
Corsini, and Oleari (2013) extended this line of research by looking further into this intriguing phenomenon, demonstrating that red plates reduced the consumption of food (and the use of hand
cream), while, interestingly, the samples from all the plates were rated as being similarly liked. In
addition, Bruno et al. also demonstrated that their results were not dependent on the Michelson
(luminance) contrast nor on the colour contrast either, leaving them to suggest that it might simply be
the meaning of avoidance associated with the colour red (of the plate) that was influencing people in
those conditions." ["A respeito do efeito de certas cores de elementos extrínsecos dos alimentos - i.e., pratos, talheres, ambientes e outras coisas em volta que não os alimentos em si - sobre a ingestão pelas pessoas, vale considerar o fato que se demonstrou que a cor vermelha ativa a motivação de evitação em uma variedade de contextos comportamentais (e.g., Birren, 1963; Mehta & Zhu, 2009; embora Singh, 2006, tenha reportado uma vez que o vermelho estimula o apetite). Vários estudos investigaram o efeito da cor vermelha sobre o consumo tanto de petiscos quanto de refrescos (e.g., Genschow et al. 2012). Por exemplo, os participantes no estudo de Genschow et al. beberam menos de uma xícara marcada com etiqueta vermelha do que de uma xícara com etiqueta azul. Eles também comeram menos petiscos de um prato vermelho do que de um prato azul ou branco. Os autores concluíram que o vermelho pode funcionar como um sinal sutil de parada que funciona mesmo fora da consciência focada da pessoa e pode, assim, reduzir a ingestão incidental de alimentos e bebidas (cf. Kulman, 2001, por um possível ambiente no qual se aplicar esses achados). Enquanto isso, Bruno et al. 2014, estenderam essa linha de pesquisa observando mais atentamente esse intrigante fenômeno, demonstraram que pratos vermelhos reduzem o consumo de alimentos (e o uso de cremes para mãos), enquanto, interessante, amostras de todos os pratos foram classificados como sendo similarmente apreciados. Além disso, Bruno et al., demonstraram também que seus resultados não dependiam do contraste de luminância de Michelson, nem do contraste de cores, fazendo-os sugerirem que isso pode ser simplesmente o significado da evitação associada com a cor vermelha (do prato) a influenciar as pessoas nessas condições."]
Qual o tamanho do efeito inibidor do vermelho?
No estudo de Genschow et al. 2012, a 41 estudantes universitários (todos do sexo masculino) foram oferecidos refrescos de chá (três sabores) em copos de 300 ml. A média de consumo dos copos azuis foi de 57,24±41.74 ml; dos vermelhos: 33,59±22,21 ml. Durante um encontro público na universidade, ao qual compareceram 130 pessoas (52 homens, 72 mulheres, 6 sem sexo informado), foram oferecidos pretzels em pratos azuis, vermelhos e brancos. Dos pratos azuis, a média de consumo foi de: 3,00±3,08 pretzels, dos brancos 2,91±2,98 e dos vermelhos: 1,57±2,29.
No estudo de Bruno et al. 2013, os voluntários eram divididos em três grupos e após experimentarem os produtos, deveriam preencher um questionário com sua avaliação sensória. 90 alunos (45 mulheres) - 30 em cada grupo - comeram uma média de 6,7±0,7 pipocas do prato azul; 7,3±0,7 do prato branco e 4,8±0,7 do vermelho. 75 alunos (45 mulheres) - 25 em cada grupo - consumiram 4,3±0,5 g de chocolate no prato azul; 3,3±0,5 g do branco e 2,3±0,4 g do vermelho. 75 alunos (39 mulheres) - 25 em cada grupo - usaram uma média de 1,9±0,2 g de creme para as mãos do prato azul; 1,8±0,2 g do branco e 1,0±0,1 g do vermelho.
Há uma redução de 30 a 50% no consumo com pratos ou copos vermelhos em relação a pratos e copos azuis ou brancos.
Então, aparentemente, há um
Se for isso mesmo, (bom frisar novamente: os estudos ainda são esparsos, mesmo que consistentes) é uma má notícia para aquela rede de lanchonetes de arcos dourados.
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