segunda-feira, 30 de dezembro de 2019
Mitos na ciência: Para que serve a revisão por pares?
Status: Bastante duvidoso (mas talvez seja melhor do que nada a depender de como é feito)
Uma das práticas chave do processo de publicação científica é a submissão do manuscrito a uma avaliação por revisores que atuam na mesma área ou em áreas próximas, a famigerada revisão por pares ou, na expressão inglesa de amplo uso entre cientistas nativos de outras línguas, peer review. Normalmente, o editor da revista envia o manuscrito submetido para dois revisores - que podem indicar pela rejeição sumária, o aceite para publicação ou sugerir correções antes do aceite final - e, se as opiniões divergirem muito, o editor pode tomar a decisão ou enviar para um terceiro revisor.
Porém, talvez tanto quanto é defendida, essa instituição é alvo de fortes críticas e questionamentos quanto à utilidade como barreira contra artigos ruins ou mesmo falsificados.
De acordo com uma revisão sistemática de 2002 de Tom Jefferson e colegas, os poucos estudos (19) sobre os efeitos do peer review sobre a qualidade do artigo não permitiam concluir sobre a validade do processo. Em outro estudo, também do grupo de Jefferson, de 2006, a mesma conclusão (com 28 estudos), ainda que com a tendência de apontar alguma melhora na legibilidade e na qualidade geral do manuscrito. Em um levantamento independente, de Derek Richards (2007), que incluiu 28 estudos para análise sistemática, também concluiu que há poucos indícios de um efeito positivo da revisão por pares na qualidade do estudo.
Rachel Bruce e cia. (2017) analisaram 22 artigos sobre processos para melhorar a revisão por pares: como introdução de processo cego (os revisores não têm acesso aos nomes dos autores do artigo), introdução de um avaliador com formação em estatística, uso de checklists, treinamento de revisores, open peer review (os revisores são informados de que os autores têm acesso aos nomes dos avaliadores) e outros - mas os resultados foram bastante variados. (Houve uma melhora na qualidade final do manuscrito com a introdução de um revisor formado em estatística - 2 estudos - e com revisão aberta - 7 estudos.)
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A mesma falta de estudos sistemáticos sobre a validade do uso de índice de citação como medida de qualidade de artigo também se revela na avaliação da eficiência da revisão por pares - pode ser que exista, mas em minha busca não encontrei nenhuma meta-análise. É desconcertante a confiança que se dá a um mecanismo com tão pouca base empírica para ser um elemento basilar da prática científica.
quarta-feira, 25 de dezembro de 2019
Nem tudo que doureja é lúzio 8
- Grills, N. 2009. Santa Claus: a public health pariah? O autor questiona se o Papai Noel seria um bom modelo de saúde para as crianças.
- Ince, C. et al. 2012. Why Rudolph’s nose is red: observational study. Um estudo fisiológico especulativo de que por que uma das renas mais famosas do Papai Noel teria o nariz vermelho.
- Kemp, M. 2003. Nasal bioluminescence in reindeer, Rangifer tarandus rubens. Mas este autor tem outra hipótese.
- Straube, S. & Fan, X. 2015. The occupational health of Santa Claus. Uma análise dos perigos à saúde das condições de trabalho do Papai Noel.
- Park, JJ. et al. 2016. Dispelling the nice or naughty myth: retrospective observational study of Santa Claus. Será mesmo que o bom velhinho dá presentes de acordo com o bom comportamento das crianças? Este trabalho investiga essa alegação.
- Wormser, GP & Ladenheim, A. 2018. How many calories did Santa Claus consume on Christmas Eve? A dupla de autores disseca quanta caloria o Papai Noel acaba ingerindo nas visitas às casas com os biscoitos e copos de leite que a tradição manda deixar para ele repor as energias.
- Hassani, S. 2005. Santa Claus and the conservation of energy. Já este paper analisa do ponto de vista da física a energia liberada pela movimentação do São Nicolau - e o perigo que isso representa.
- Randler, C. 2019. Is Santa Claus an evening owl? Seria Papai Noel um galo madrugador ou uma coruja noturna? Essa pergunta move o estudo sobre o ritmo biológico deste símbolo natalino.
segunda-feira, 23 de dezembro de 2019
#AmigoCientista: O que as múmias falam sobre o passado (e o presente) do Brasil
Claro que o título do post já entrega logo de cara a quem me coube - mui honradamente - homenagear. Sim, a 8a Hokage da Vila de Aracaju, a mãe-generala do Army, a espanadora de areias ancestrais, a sacerdotisa da velha arte de profanar túmulos; a sua, a nossa, a única, Márcia Jamille do Arqueologia Egípcia (um rápido perfil do canal - e da criadora - aqui.)
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É bem possível que você já tenha ouvido falar de múmias no Brasil. Por exemplo, as múmias presenteadas ao imperador Pedro 2o durante sua viagem ao Egito - lamentavelmente perdidas na tragédia que se abateu sobre o Museu Nacional. Mas há ainda outras em coleções privadas.
Porém, não é sobre essas de que falaremos aqui. E, sim, de múmias made in Brazil-zil-zil, múmias brasileiras e não somente múmias no Brasil. Não, esqueçam as piadinhas de pessoas que você juraria que são múmias vivas - ou nem tão vivas. São múmias, de verdade, não ofensas pessoais. Oquei, não são múmias antrópicas - como as egípcias, em que os corpos passam por processos intencionais para sua preservação -, mas múmias naturais - resultados da atuação não intencional de fatores ambientais como baixa umidade, presença de sais, baixas temperaturas...
As condições climáticas preponderantes no Brasil são pouco favoráveis à mumificação natural - predomínio de clima úmido e quente, propício à ação de micro-organismos que degradam completamente as partes moles e mesmo os próprios ossos. Além disso, a cultura funerária dos antigos habitantes (provavelmente refletida na dos indígenas atuais) que pode envolver a cremação ou enterramentos secundários (os corpos são desenterrados e enterrados novamente após um período) também faz com que diminuam as chances de ocorrer a mumificação natural. Ainda assim temos um certo número delas - mais do que podemos contar nos dedos das mãos. (Souza et al. 2002.)
A região do Vale do Peruaçu, no norte do Estado de Minas Gerais, onde fica o Parque Nacional das Cavernas do Peruaçu é de um ambiente de relevo cárstico (formação de rochas calcárias que são profundamente recortadas por dissolução química - especialmente por ação da chuva e de águas subterrâneas) em um clima semi-árido. A combinação de um solo de pH alto (básico) e um ar seco permite que em certos locais se formem microambientes favoráveis à mumificação natural - com a dessecação do corpo promovida pela baixa umidade do ar e uma menor ação bacteriana pelo calcário. No sítio arqueológico do Abrigo do Malhador, em 1985, foram encontrados restos mortais mumificados naturalmente de uma mulher de prováveis 35, 40 anos na ocasião de sua morte - ela foi batizada de AM1 (Fig. 1). Estima-se que tenha entre 4.500 e 7.000 anos de idade (um pouco mais jovem do que a múmia mais velha - natural - da América do Norte, datada de uns 10.600 anos; e talvez um pouco mais velha do que as múmias egípcias - antrópicas - mais antigas). Outras múmias foram encontradas na mesma região - algumas de mesma idade e outras mais novas: entre 600 e 1.200 anos. (Prous & Schlobach 1997)
Isso pode indicar uma relativa estabilidade climática por todo esse período nessa região - ou, pelo menos, uma ausência de períodos muito mais úmidos - para que elas tenham se preservado por tanto tempo.
Em 2008, um grupo da Fiocruz examinou os restos da AM1 - especificamente um fragmento de 6 cm de uma das costelas. Análise genética revelou a presença de DNA de Tripanosoma cruzi. Não é uma novidade: em múmias chilenas e peruanas de 9.000 anos já foram encontrados sinais de infecção pelo parasita. O mal de Chagas é mesmo uma chaga que assola parte da humanidade há tempos. Mas o curioso é que é de um grupo (tipo I) que não ocorre atualmente na região (há presença apenas do tipo II). T. cruzi do mesmo tipo I foi encontrado em múmias mais recentes, de cerca de 560 anos, da mesma região. Possivelmente houve uma mudança após a chegada dos europeus às terras brasileiras. Quem sabe, talvez, relacionada ao espalhamento e à domiciliação dos vetores como o barbeiro Triatoma infestans (de origem provavelmente nos altiplanos bolivianos) com o espalhamento das casas de taipa e desmatamento?
Além do mal de Chagas, a análise de múmias mostrou que a população local também sofria de infestação por vermes como o Echinostoma e Trichuris- identificados por amostras de fezes reidratadas analisadas ao microscópio.
Dos estudos a que tive acesso a partir do Google Scholar e do Web of Knowledge, encontrei análises a respeito da AM1 e outras múmias de Peruaçu (e também de outras localidades) apenas em relação à paleoparasitologia - que parasitas acometiam os indivíduos pré-históricos - e a práticas de sepultamento (e.g. Strauss 2014) - em que posição enterravam seus mortos, se faziam uso de pinturas corporais e ornamentos, se dispunham os corpos direto sobre a terra ou em urnas, etc. Pode haver, sendo apenas uma falha minha em achar, mas não vi estudos - a partir das múmias - sobre a dieta (como pelos restos de eventuais sementes nos coprólitos ou vestígios de desgastes no dentes), genética (qual a relação com os demais paleoíndios e com os povos indígenas atuais, há contribuição na genética brasileira de hoje?), etnobotânica (em algumas múmias identificam o uso de plantas, mas teriam características medicinais? o que os povos atuais fazem com as espécies identificadas?) e outros. Se o meu fracasso em localizar tais estudos refletir uma real escassez, pode indicar um campo muito prolífico para o estudos das múmias brasileiras em aclarar não apenas o passado, mas também o presente.
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Mas quem será que me tirou no #AmigoCientista?
Corram lá no BláBláLogia pra ver o que o Chico Camargo aprontou. (Nota: isso de eu ser bot é intriga da oposição!)
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Confira os vídeos dos demais canais participantes do #AmigoCientista.
A Matemaníaca (Juju Jaccoud): Como os fractais aparecem na natureza?
Arqueologia Egípcia (Márcia Jamille): Existirá Arqueologia no futuro?
AstroTubers (Marcelo Rubinho/Pedro Pinheiro): Simulando o Universo
Caio Dallaqua: Bioinformática: De 5 MILHÕES a 100 dólares
Dragões de Garagem (Tabata Bohlen): Notícias de Garagem
Laboratório 2000 (Leonardo Souza): O que é um solstício?
Mural Científico (Lucas Rosa): Como sabemos a idade dos dinossauros?
Nunca Vi 1 Cientista (Laura Freitas/Ana Bonassa): 5 coisas que você não sabia sobre um laboratório
Olá, Ciência! (Guilherme Ximenes): Ciência de Verdade|Terra Planta e Teoria da Evolução
Papo de Primata (David Ayrolla): Como a evolução pode ajudar no combate ao HIV
The Mingau (Johnny Pauly: Mingau): A evolução em outros mundos
Versada (Vanessa Costa): Macaco-prego, o descascador de árvores
segunda-feira, 25 de novembro de 2019
Apresentação: "Que história é essa de storytelling?"
sexta-feira, 22 de novembro de 2019
Desmatamento na Amazônia aumentou 29% em 2019. O que isso quer dizer?
Uma coisa que podemos notar é que, a partir de 2012, provavelmente não por coincidência, ano da aprovação da modificação do Código Florestal que diminuiu a proteção sobre a cobertura vegetal nativa, houve um reversão na tendência até então de diminuição das taxas de desmatamento. (Fig. 1.)
Então, muito do aumento atual pode ser creditado a uma tendência recente de crescimento das taxas de desmatamento. Porém, a última taxa divulgada pelo Inpe para a temporada de agosto de 2018 a julho de 2019, está acima do esperado pelo ritmo do crescimento de 2012 até 2017. (Fig. 2)
Mesmo se considerarmos o desmatamento apenas durante o ano de 2019 - que corresponde, usando como proxy a distribuição das taxas do sistema Deter, a cerca de 56% do total do desmatamento da temporada (Fig. 3) - teríamos 667 km² (acumulados de janeiro a julho deste ano) acima do esperado, que seria de 8.570 km², uma alta de cerca de 7,8% pelo menos que podemos atribuir ao que ocorreu durante o presente ano - incluindo as ações do governo federal de fragilização das políticas de proteção ambiental**. Considerando toda a temporada, o aumento foi de 13,8% acima da tendência (1.190 km²).
sexta-feira, 18 de outubro de 2019
Amerek, um cutucão em seu cérebro com novo Curso de Especialização em Comunicação Pública da Ciência da UFMG
Com duração prevista de 18 meses (mas que pode ser concluído em até 24 meses), o curso pretende formar profissionais dedicados à democratização das ciências. Mais do que meramente levar conhecimento das ciências para o público, na visão da coordenação da especialização, a divulgação científica deve envolver a população a participar dos processos de troca. Daí também a escolha do nome fantasia de "amerek", palavra no idioma dos krenak, que significa algo como "cutucão", "beliscão" - referência um contato social próximo e interação pessoa a pessoa. No vídeo abaixo, o Prof. Dr. Yurij Castelfranchi, coordenador do curso explica a filosofia e a visão que norteiam o projeto, que conta com o apoio do Instituto Serrapilheira:
As inscrições estão abertas, mas vão só até o dia 25 de outubro. Podem se inscrever pessoas com formação superior em qualquer área interessadas na comunicação da ciência com o público.
As aulas serão principalmente às 2as e 3as de manhã e à tarde em modo presencial na câmpus da Pampulha da UFMG. (Algumas disciplinas eletivas poderão ser ofertadas à noite e em outros dias e poderão contar com momentos à distância.)
Mais informações podem ser acessadas nas mídias sociais do Amerek:
Facebook; twitter; instragram e linkedin.
E também pelos telefones:
DDC/UFMG: (31) 3409-4427 / 4428
e email:
ddc-secretaria@proex.ufmg.br.
Com exceção de mim, o corpo docente é altamente capacitado com experiência em pesquisa em DC e/ou na prática.
domingo, 13 de outubro de 2019
Barraco científico: dos recentes bate-bocas públicos entre cientistas
Estas últimas semanas foram bem movimentadas e ilustrativas das disputadas que há em várias áreas das ciências.
Houve a polêmica em torno do artigo que detectou introgressão de genes de uma linhagem modificada em laboratório em populações naturais de mosquito da dengue; e outra sobre resultados anunciados de um estudo a respeito de efeitos biológicos dos agrotóxicos; e uma discussão aberta entre físicos a respeito da teoria das cordas e seu status científico*.
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Transferência de genes de mosquitos modificados para populações naturais
Com o disclêimer de minha ligação com as partes envolvidas a respeito do estudo do mosquito transgênico - fui orientado de mestrado de um dos autores do estudo (e que defende o artigo na íntegra), pelo que pude acompanhar da polêmica (tentei entrevistar tanto a Oxitec, quanto os autores do artigo que concordam e que discordam da versão publicada do próprio estudo, mas não consegui respostas), minha conclusão é que a discussão gira a respeito de um detalhe que nem afeta tanto - salvo a amplificação criada por interpretações equivocadas em certos veículos.
Os detalhes, além do artigo original podem ser lidos em:
.Bill Hathaway/YaleNews (10.set.2019): "Transgenic mosquitoes pass on genes to native species".
.Oxitec (18.set.2019): "Oxitec responds to article entitled 'Transgenic Aedes aegypti mosquitoes transfer genes into a natural population".
.Cesar Baima/Revista Época (21.set.2019): "A 'fake news' do 'supermosquito' transgênico que está gerando pânico no Brasil".
.Natália Pasternak/Revista Questão de Ciência (24.set.2019): "Autora repudia artigo sobre mosquito transgênico".
.Bernado Esteves/Revista Piauí (02.out.2019): "O supermosquito que nunca existiu".
Todos: a Oxitec, os autores do estudo que querem alteração ou retirada da publicação e os autores que defendem como está - concordam com o principal: a metodologia e os dados do estudo. Genes pertencentes à linhagem criada em laboratório - com a introdução de genes que fazem com que os machos não deixem descendentes viáveis - foram encontrados na população selvagem depois que a linhagem modificada foi liberada em massa para reduzir a população selvagem. Não os genes modificados que causam a inviabilidade da descendência, mas os genes que constituem o genoma das populações cruzadas para produzir a linhagem modificada.
A disputa está em algumas afirmações mais pontuais feitas no artigo:
*"The three populations forming the tri-hybrid population now in Jacobina (Cuba/Mexico/Brazil) are genetically quite distinct (Extended Data Fig. E2), very likely resulting in a more robust population than the pre-release population due to hybrid vigor."
["As três populações que formam a população agora tri-híbrida de Jacobina (Cuba/México/Brasil) são geneticamente bem distintas, muito provavelmente resultará em uma população mais robusta do que a população anterior à liberação em função do vigor híbrido."]
A Oxitec rebateu dizendo: "The data published in this paper and in the entire body of peer-reviewed literature do not support this hypothesis." ["Os dados publicados no artigo e em todo o corpo de literautra revisada pelos pares não sustenta essa hipótese."]
É bem verdade que no artigo é detectada uma tendência a diminuir o número de indivíduos com os genes da população modificada e nele é dito que: "This observation also implies that introgressed individuals may be at a selective disadvantage causing their apparent decrease after release ceased, although much more data would be needed to confirm this." ["Essa observação também implica que os indíviduos introgredidos podem estar em desvantagem seletiva causando sua aparente diminuição após a cessação da liberação, embora muito mais dados sejam necessários para confirmar isso."] O que é um tanto contraditório com o "muito provável" vigor híbrido.
Mas na literatura há, sim, precedentes de vigor híbrido (híbridos com maior capacidade de sobrevivência) em mosquitos (no caso, em Anopheles coluzzii). Descendentes de cruzamentos de populações distintas (ou os heterozigotos) que apresentam características de maior robustez e/ou capacidade reprodutiva do que os indivíduos das populações originais são um fenômeno bem conhecido na literatura. Não é, nem de longe, um resultado universal, mas é bastante frequente - ainda que os mecanismos ainda não estejam consensualmente esclarecidos (e.g. Comings & MacMurray 2000; Groszmann et al. 2013) .
Chamar de "muito provável" pode ser um exagero. Mas também dizer que a "não há apoio em toda a literatura" também é. É uma possibilidade, difícil de calcular, mas bem longe de zero. É algo a se olhar com atenção.
*"Also, introgression may introduce other relevant genes such as for insecticide resistance." ["Além disso, a introgressão pode introduzir outros genes relevantes tais como os que conferem resistência a inseticida."]
A Oxitec observa: "To the contrary, Oxitec has demonstrated that OX513A is not resistant to commonly used insecticides." ["Ao contrário, a Oxitec já demonstrou que o OX513A não é resistente a inseticidas comumente utilizados"]
É uma observação relevante, mas é preciso verificar a possibilidade de recombinação genética gerando um novo alelo ou uma nova combinação de alelos que possam conferir tal resistência. Novamente, não há um cálculo fácil dessa probabilidade; mas é também coisa para se acompanhar.
*"These results demonstrate the importance of having in place a genetic monitoring program during releases of transgenic organisms to detect un-anticipated consequences." ["Estes resultados demonstram a importância de se ter um programa de monitoramento genético durante as liberações de organismos transgênicos para se detectar consequências não-antecipadas."]
Ninguém contesta a necessidade de se manter um programa de monitoramento. Alguns autores contestam de que a introgressão seja uma consequência não-antecipada - já que, em laboratório, cerca de 3 a 4% dos machos modificados eram capazes de se reproduzir. Mas Powell, um dos autores que defendem o artigo, salienta que os descendentes se mostram pouco viáveis no laboratório e, por isso, imaginava-se que, em campo, não haveria uma transferência significativa de genes.
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Uma observação feita por críticos é que pelo menos alguns autores fazem parte de uma empresa que agora é concorrente da Oxitec Brasil - a Moscamed. No entanto, não anotaram nada no campo de declaração de interesses conflitantes. Isso deveria ter sido deixado claro.
Mas uma coisa que não ficou claro é por que os autores que discordam da versão publicada do artigo não leram antes o texto final. Não consegui informações de se foi distribuído ou não para os autores - dos autores que concordam com o artigo, apenas um se manifestou, e disse haver lido. Apenas uma pessoa que não concorda com o artigo parece haver se manifestado publicamente até agora e disse não haver lido nem recebido.
Upideite(21.dez.2020): Em março deste ano, a equipe editorial da Scientific Reports publicou um adendo ao artigo relatando pontos de preocupação com a metodologia e as conclusões.
- o título, o resumo e a introdução podem dar a entender que foram amostrados espécimes da população natural com o transgene por um período longo de monitoramento, mas foram analisados somente espécimes sem o transgene e durante o período de liberação dos mosquitos transgênicos, não se mencionou também trabalho de alguns dos autores que mostravam que o transgene introgresso era perdido na população com o tempo;
- na discussão, o artigo menciona a possibilidade do vigor do híbrido, mas os dados do próprio artigo sugerem um rápido declínio do número de indivíduos híbridos após a liberação;
- a sugestão na conclusão da necessidade de monitoramento genético durante a liberação não menciona que tal programa já existe.
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As outras duas celeumas não acompanhei tão de perto e não tenho uma opinião formada - apenas em alguns pontos.
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.Cristiano Zaia/Valor (06.ago.2019): "Anvisa e Agricultura contestam pesquisa do Butantã sobre agrotóxicos"
.Marina Simões/A Pública (30.set.2019): "Pesquisadora é perseguida após comprovar que não existe dose segura de agrotóxicos"
.Natalia Pasternak/Revista Questão de Ciência (04.out.2019): "Sim, existe 'concentração segura' de agrotóxicos"
.Mônica Lopes Ferreira (5.out.2019): Pronunciamento!
Punição/persecução
Minhas observações. Pelo que pude levantar a punição à pesquisadora deveu-se ao fato de ela não haver submetido o projeto ao conselho de ética do instituto - o que é necessário por se utilizar animais nos experimentos. Não falei ainda com a pesquisadora a respeito.
Dose segura.
Há uma certa briga na literatura acerca da definição de dose segura (e.g. Hrudey & Krewski 1995, Polkey et al. 1995, Fryer & McLean 2011, Moss 2013). Existem críticas a modelos chamados de lineares sem limiar - neles, as concentrações não nulas de substâncias terão efeitos (benéficos e maléficos) em qualquer dose (de modo proporcional). Pode-se argumentar, com razão, que, em muitos casos, em concentrações suficientemente pequenas os efeitos deletérios serão também muito pequenos e poderão ser aceitáveis (em níveis determinados por agências reguladoras - direta ou indiretamente envolvendo a sociedade para dizer o que é aceitável). Em outros casos, pode haver concentração abaixo da qual não é observado nenhum efeito. De qualquer maneira, é usada na literatura - ainda que de modo minoritário - a expressão "sem dose segura" ("no safe dose") quando qualquer nível não nulo causa algum efeito ruim, por mais baixo que seja.
A minha proposta, levando em conta a análise de benefício/custo, é comparar a dose máxima de aplicação em que não ocorre nenhum efeito grave e a dose mínima de aplicação para que ocorra algum efeito benéfico significativo. Se a dose para efeito benéfico for igual ou maior do que a dose sem efeito grave, podemos considerar como "sem dose segura". Se a dose para o efeito benéfico for menor do que a dose sem efeito grave, a "dose segura" é o intervalo entre os dois.
Se é um ou outro caso, seria preciso verificar o que a pesquisadora encontrou. Que o relatório seja liberado logo para uma análise.
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Não são polêmicas que a imprensa foi buscar dos recônditos das discussões acadêmicas. As próprias partes envolvidas vieram a público para externar seus pontos de vista, mas, na hora de um esclarecimento maior a respeito de detalhes importantes, parecem recuar.
Não é tanto o dissenso público que pode causar danos à ciência e eventualmente à sua reputação junto ao público, mas mais o comportamento das partes - o tom usado e a falta de transparência em muitos casos.
*Upideite(13.out.2019): Na verdade, a briga dos físicos é mais velha, de 2016. Porém, houve uma retomada recentemente.
domingo, 15 de setembro de 2019
Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 35
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Krause, RJ & Rucker, DD. 2019. Strategic storytelling: When narratives help versus hurt the persuasive power of facts. Personality and Social Psychology Bulletin doi: 10.1177/0146167219853845.
*Experimento 1
Metodologia
>Design e participantes: entre-sujeitos 2 x 2 (2 apresentações: apenas fatos vs fatos dentro de uma história; 2 qualidades dos fatos: forte vs fraco).
397 (de 403 iniciais, após eliminação por checagem de atenção) adultos residentes nos EUA, recrutados mediante pagamento no serviço Mechanical Turk. Idade média = 35,9 anos; 44,1% mulheres.
>Procedimento: Todos os participantes inicialmente foram apresentados a instruções (os participantes da condição de "apenas fatos" foram instruídos a lerem com muita atenção).
.Condição de "apenas fatos": lista de atributos de um celular fictício da marca Moonstone. Os fatos foram criados para variar em sua qualidade persuasiva: p.e. "O aparelho resiste a uma queda de até 30 pés" (forte) x "O aparelho resiste a uma queda de até 3 pés" (fraco) (pré-teste com 79 sujeitos confirmou a força relativa de convencimento das diferentes versões do fato).
.Condição de "história": fatos inseridos em uma história; participantes instruídos a ler e mergulha na história.
.Indicação de reação à marca Moonstone: escala diferencial semântica de 3 itens de 1 ('bad/strongly dislike/unfavorable' ['ruim/desgosta fortemente/desfavorável']) a 9 ('good/strongly like/favorable' ['bom/gosta fortemente/favorável']).
.Checagem de manipulação: 'To what extent did the text you read in this survey seem like a story?' ['O quanto o texto que você leu nesta pesquisa se parece com uma história?'].
.Checagem de atenção: pergunta sobre o nome da marca.
.Questões básica de demografia dos respondentes.
.Questões não-relacionadas de um projeto diferente.
>Materiais de estímulo:
.Condição de "apenas fatos": lista de fatos - fortes ou fracos - sobre o produto.
.Condição de "história": duas páginas de um homem (Dan) e uma mulher (Amelia) escalando uma montanha; conforme escalam, Dan descreve seu amor intenso por Amelia; uma hora Amelia despenca e se machuca muito; Dan deve pedir ajuda através do celular de Amelia.
Resultados
>Checagem de manipulação:
.ANOVA de dois fatores;
.Se parece mais com uma história:
+condição de "história" (M=7,81; SD=1,60) > condição de "apenas fatos" (M=3,41; SD=2,25); F(1, 393)=501,5; p<0,001; η2p =0,561;
+condição de "fatos fortes" (M=5,54; SD=2,88) = condição de "fatos fracos" (M=5,56; SD=3,01); F(1, 393)=0,36; p=0,550; η2p = 0,001;
.Apresentação x qualidade: F(1, 393)=6,06; p=0,014; η2p = 0,015.
>Atitude em relação ao produto:
.escala diferencial semântica de 3 itens: α = 0,98 - média como uma única escala de atitude;
.ANOVA de dois fatores;
.Condição de "fatos dentro de uma história" (M=6,83; SD=2,09) > condição de "apenas fatos" (M=5,80; SD=2,38); F(1, 393)=30,71; p<0,001; η2p =0,72;
.Condição de "fatos fortes" (M=7,20; SD=1,76) > condição de "fatos fracos" (M=5,44; SD=2,43); F(1, 393)=85,90; p<0,001; η2p =0,179;
.Interação "apresentação" x "qualidade": F(1, 393)=86,16; p<0,001; η2p =0,180;
+"fatos fracos": "fatos dentro de uma história" (M=6,83; SD=2,06) > "apenas fatos" (M=4,04; SD=1,92); F(1, 393)=112,64; p<0,001; η2p =0,223, [2,27; 3,30];
+"fatos fortes": "fatos dentro de uma história" (M=6,82; SD=2,14) < "apenas fatos" (M=7,53; SD=1,27); F(1, 393)=6,83; p=0,009; η2p =0,17, [-1,23; -0,174].
*Experimento 2
Metodologia
>Design e participantes: entre-sujeitos 2 x 2 (2 apresentações: apenas fatos vs fatos dentro de uma história; 2 qualidades dos fatos: forte vs fraco).
389 (de 405 iniciais, após eliminação por checagem de atenção) adultos residentes nos EUA, recrutados mediante pagamento no serviço Mechanical Turk. Idade média = 36,2 anos; 51,7% mulheres.
.Exposição a condições ou de "apenas fatos" ou de "fatos dentro de uma história" com os mesmos fatos e história sobre o celular Moonstone do experimento 1.
.Questões sobre intenção: 'If you were in the market for a new phone, how likely would you be to try using the Moonstone cell phone?' ['Se você estivesse numa loja para comprar um celular novo, quão provável seria de você experimentar o celular Moonstone?'] (1='very unlikely' ['muito improvável'] a 9='very likely' ['muito provavelmente']) e 'How willing would you be to try using the Moonstone cell phone next time you need a phone?' ['O quanto você desejaria experimentar usar o celular Moonstone na próxima vez em que você precisar de um celular?'] (1=´very unwilling' ['não desejaria nem um pouco'] a 9='very willing' ['desejaria muito']);
>Checagem de manipulação:
.ANOVA de dois fatores;
+condição de "história" (M=7,76; SD=1,55) > condição de "apenas fatos" (M=3,00; SD=2,11); F(1, 382)=632,99; p<0,001; η2p =0,624;
+condição de "fatos fortes" (M=5,25; SD=3,02) = condição de "fatos fracos" (M=5,46; SD=3,02); F(1, 382)=0,04; p=0,846; η2p = 0,000;
.Apresentação x qualidade: F(1, 382)=0,910; p=0,341; η2p = 0,002.
.Condição de "fatos dentro de uma história" (M=6,16; SD=2,26) > condição de "apenas fatos" (M=5,22; SD=2,87); F(1, 385)=22,81; p<0,001; η2p =0,056;
.Condição de "fatos fortes" (M=6,99; SD=1,92) > condição de "fatos fracos" (M=4,43; SD=2,60); F(1, 385)=150,81; p<0,001; η2p =0,281;
+"fatos fracos": "fatos dentro de uma história" (M=5,75; SD=2,31) > "apenas fatos" (M=3,04; SD=2,13); F(1, 385)=84,56; p<0,001; η2p =0,180, [2,13; 3,28];
+"fatos fortes": "fatos dentro de uma história" (M=6,62; SD=2,12) < "apenas fatos" (M=7,32; SD=1,66); F(1, 385)=5,45; p=0,020; η2p =0,14, [-1,29; -0,11].
.Interação "apresentação" x "qualidade": F(1, 383)=87,23; p<0,001; η2p =0,185;
.Interação "apresentação" x "qualidade": F(1, 383)=27,68; p<0,001; η2p =0,067;
+"fatos fortes": "fatos dentro de uma história" (M=5,2%; SD=12,5%) < "apenas fatos" (M=32,1%; SD=28,4%); F(1, 383)=109,04; p<0,001; η2p =0,222, [-32,0%; -21,9%].
>Design e participantes: entre-sujeitos 2 x 2 (2 apresentações: apenas fatos vs fatos dentro de uma história; 2 qualidades dos fatos: forte vs fraco).
291 (de 293 iniciais, após eliminação por checagem de atenção) indivíduos de uma grande universidade do Meio Oeste americano e da comunidade ao redor atraídos para um laboratório comportamental mediante recompensa por pagamento. Idade média = 21,1 anos; 63,2% mulheres.
>Checagem de manipulação:
.ANOVA de dois fatores;
+condição de "história" (M=7,46; SD=1,75) > condição de "apenas fatos" (M=1,56; SD=1,25); F(1, 286)=1084,05; p<0,001; η2p =0,791;
+condição de "fatos fortes" (M=4,59; SD=3,26) = condição de "fatos fracos" (M=4,50; SD=3,39); F(1, 286)=0,09; p=0,770; η2p = 0,000;
.Apresentação x qualidade: F(1, 286)=1,55; p=0,214; η2p = 0,005.
+"fatos fortes": "fatos dentro de uma história" (17,6%) < "apenas fatos" (34,3%): χ2 =5,11; p=0,024.
terça-feira, 3 de setembro de 2019
"A torre de marfim é indefensável quando suas muralhas são assaltadas." Um pequeno teste
Leia atentamente o excerto abaixo:
"Os ataques incipientes e reais à integridade da ciência tem levado os cientistas a reconhecerem sua dependência de certos tipos de estrutura social. Manifestos e declarações de associações científicas são dedicados às relações entre a ciência e a sociedade. Uma instituição que sofre ataques tem que examinar seus fundamentos, revisar seus objetivos, buscar sua explicação racional. As crises convidam à autocrítica. Agora que tem que enfrentar ameaças ao seu modo de vida, os intelectuais foram lançados a um estado de aguda conscientização: consciência da própria personalidade como elemento integrante da sociedade, e das obrigações e interesses correspondentes. A torre de marfim é indefensável quando suas muralhas são assaltadas. Depois de prolongado período de relativa segurança, durante o qual o culto à ciência e a difusão dos conhecimentos tinham chegado a uma posição de destaque, senão de primeiro plano, na escala de valores culturais, os cientistas se vêem obrigados a justificar os caminhos da ciência para os homens. Assim eles fecharam o círculo, levando-o de volta ao ponto e momento em que a ciência reapareceu no mundo moderno. Três séculos atrás, quando a instituição da ciência pouca justificação podia apresentar para conseguir o apoio da sociedade, os filósofos naturais eram levados assim mesmo a justificar a ciência como um meio para fins culturalmente válidos de utilidade econômica ou de glorificação de Deus. O cultivo da ciência não era então um valor evidente por si mesmo. Mas, com a interminável corrente de êxitos obtidos pela ciência, o instrumental se transformou em final, os meios se transformaram em fins. Assim fortalecido, o cientista chegou a considerar-se independente da sociedade e a encarar a ciência como empresa que se justifica por si mesma e que 'está' na sociedade, mas não 'faz parte' dela. Era necessário que se desse um ataque frontal contra a autonomia da ciência, para transformar esse isolacionismo otimista em participação realista do conflito revolucionário das culturas. A consequência dessa associação leva a clarificar e reafirmar o 'ethos' da ciência moderna."
Qual o autor e época a que se refere o trecho acima?
a. Robert Merton. 1942.
b. Thomas Kuhn. 1962.
c. Bruno Latour. 1979.
d. Bruno Latour. 2018.
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Resposta:
a. Robert Merton, 1942 (pp: 651-2; Merton, R. 1949. "Sociologia - Teoria e Estrutura").
É uma sensação bizarra de dia da marmota que um texto de quase 80 anos atrás possa se encaixar à perfeição nos dias atuais. E, mais do que isso, possa descrever diversos períodos intermediários. O mesmo diagnóstico de encastelamento e distanciamento do restante da população, e o mesmo receituário da necessidade da reaproximação. Será que desta vez vai? Talvez seja a última chance, dados os desmontes - e não apenas ataques verbais à autoridade cultural e epistemológica da ciência, mas a desestruturação, no nosso subcontexto, de todo o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia por asfixia financeira com os cortes e o aparelhamento.
sábado, 31 de agosto de 2019
Pequeno diretório de minicursos em vídeos de DC
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Divulgação Científica em Novas Mídias (Atila Iamarino):
- Aula 1 - a dinâmica das redes sociais - parte 1
- Aula 1 - a dinâmica das redes sociais - parte 2
- Aula 2 - fontes de consulta
- Aula 3 - ferramentas de organização e escrita
- Aula 4 - consumo de divulgação científica na internet - parte 1
- Aula 4 - consumo de divulgação científica na internet - parte 2
- Aula 4 - consumo de divulgação científica na internet - parte 3
- Aula 5 - falta de informação vs comunidades - parte 1
- Aula 5 - falta de informação vs comunidades - parte 2
- Aula 6 - Quem tem voz e quem não tem
- Aula 7 - Ciência e pseudociência - parte 1
- Aula 7 - Ciência e pseudociência - parte 2
- Aula 8 - Politização das redes sociais
- Aula 9 - Estratégias de canais científicos - parte 1
- Aula 9 - Estratégias de canais científicos - parte 2
- Aula 9 - Estratégias de canais científicos - parte 3
- Aula 10 - Contando histórias - parte 1
- Aula 10 - Contando histórias - parte 2
- Aula 11 - Preparando roteiros - parte 1
- Aula 11 - Preparando roteiros - parte 1
- Aula 12 - Fazendo o Storyboard
Talking Science (Greg Foot - inglês)
- ‘Talking Science: An Introduction To Science Communication’
- Why should you bother doing science communication?
- Who do you want to engage with your science?
- What type of science communication can you do?
- How to get an audience to care about your science
- How to tell a science story
- How to explain a science idea clearly
- How to give a great science talk
- How to perform a science demo
- How to give a brilliant media interview about your science
- How to make a YouTube video about science
- Meet the EduTubers
Divulgação Científica na Internet (LabHotta - Carlos Hotta)
- Divulgação Científica em Redes Sociais: um pouco menos bin Laden, um pouco mais ISIS (Atila Iamarino/Nerdologia)
- É Ciência que você quer, @? (Mariana Fioravanti/Talent Marcel)
- Divulgando Ciências Cientificamente (Roberto Takata/Gene Repórter)
- Storytelling em Divulgação Científica (Bárbara Paes/Dragões de Garagem)
- Jornalismo Científico (Maria Guimarães/Pesquisa Fapesp)
- Naruhodo! (Altay de Souza/Naruhodo)
- Fake News: os bugs do sistema (Carlos Orsi)
- Representatividade nas Redes Sociais - ´parte 1 - parte 2 (Ana Arantes/Science Blogs Brasil)
- Divulgação Científica: da ideia à prática (Julia Jaccoud/A Matemaníaca)
Becoming the Next Bill Nye: Writing and Hosting the Educational Show (MIT - Biological Engineering)
- Day 1: Identity and Genre: Part 1: Video Best Practices
- Day 1: Identity and Genre: Part 2: Visual Storytelling
- Day 1: Identity and Genre: Part 3: Wrap-up and Assignment
- Elizabeth Choe's Day 1 Pitch Example
- Day 2: Audience: Part 1: Middle School Consultations
- Day 2: Audience: Part 2: BioBuilder.org
- Day 2: Audience: Part 3: Nugget Workshop and Wrap-up
- Day 3: Storyteller's Toolkit Pt. 1: Part 1: Writing Workshop
- Day 3: Storyteller's Toolkit Pt. 1: Part 2: Hosting Workshop
- Day 4: Storyteller's Toolkit Pt. 2: Part 1: Animation
- Day 4: Storyteller's Toolkit Pt. 2: Part 2: Storyboarding
- Day 5: Storyteller's Toolkit Pt. 3: Part 1: What's the Point of your Video?
- Day 5: Storyteller's Toolkit Pt. 3: Part 2: Visual Language
- Day 5: Storyteller's Toolkit Pt. 3: Part 3: Producing a Video
- Day 5: Storyteller's Toolkit Pt. 3: Part 4: Filming
- Day 6: Table-read and Office Hours
- Day 7: Table-read and Post-production: Part 1: Table-read
- Day 7: Table-read and Post-production: Part 2: Post-production
- Days 8, 9, & 10: Project Time: Part 1: Animation
- Days 8, 9, & 10: Project Time: Part 2: Rough Cuts
- Days 11 & 12: Screening (Rough Cuts): Screening
- Day 13: Screening (Final Cuts): Part 1: Student Interviews
- Day 13: Screening (Final Cuts): Part 2: Screening
JAN032 -Divulgação Científica (Marcelo Valério - UFPR Jandaia do Sul)
- História da Divulgação Científica - Aula 04
- Divulgação Científica em Museus e Pedagogia Museal - Aula 06
- Divulgação Científica e Ensino de Ciências - Aula 09
I Curso de Formação de Divulgadores Científicos (UFU)
- O que é divulgação científica? (Natália Flores)
- Divulgação científica nas mídias (Erica Mariosa)
- Divulgação científica, extensão e rede (Marina Andrade e Helder Eterno da Silveira)
- Divulgação científica e educação (Bárbara Duque)
- Como montar um projeto de divulgação científica (Vanessa Fagundes
- O que é Divulgação Científica (Franklin Valverde)
- Como fazer Divulgação Científica (Helga Aleme)
- A produção de vídeos para a divulgação científica (André Bianco)
- Storytelling como recurso metodológico para a divulgação científica (Afonso Neves e Sérgio Andrade)
- A quem se destina a divulgação científica (Walter Lima Jr.)
- Uso de mídias sociais para a divulgação científica (Gilberto Peçanha)
sábado, 20 de julho de 2019
Da Terra à Lua - e de volta à Terra (e de volta à Lua?): 50 anos depois.
Cena de "Viagem à Lua" de Georges Méliès, 1902. Fonte: Wikimedia Commons. |
Em 1865, o escritor francês, Jules Verne, lança seu "Da Terra à Lua", influente obra de ficção científica em que narra a conquista do satélite natural de nosso planeta através de um projeto balístico. (Incidentalmente, esse modo de viagem é impraticável, posto que exige aceleração acima do que o corpo humano é capaz de suportar.)
Pouco mais de 100 anos depois, às 17h17 (horá de Brasília) do dia 20 de julho de 1969, o módulo lunar Eagle, da missão Apollo 11, pousaria num canto do Mar da Tranquilidade, uma planície formada há bilhões de anos por derramamento de lava e coberta por fragmentos de rocha algo similar a areia grossa e cascalho, o regolito lunar, resultante dos inúmeros impactos de meteoritos e partículas solares e interestelares contra a superfície da Lua. Seis horas mais tarde, às 23h56, o astronauta americano Neil Armstrong se tornaria a primeira pessoa a pisar em outro corpo celeste além de nosso próprio mundo.
Fotografia do local do pouso da missão Apollo 11, tirada em 2012 pelo Lunar Reconnaissance Orbiter. LM: módulo lunar; LRRR: refletor para medição de distância lunar por laser; PSEP: pacote de experimento sismológico passivo Fonte: Wikimedia Commons. |
Desta vez, o interesse é menos político-militar e esportivo, e mais científico e econômico. A longo prazo, a ideia é estabelecer uma base lunar com presença permanente de humanos; permitiria o lançamento de sondas e talvez missões tripuladas a Marte com mais facilidade; e a mineração lunar permitiria a obtenção de recursos valiosos: água (há água na forma de gelo no fundo de crateras nos polos - além de abastecer as bases permanentes, poderiam fornecer hidrogênio para propulsão de foguetes lançados do satélite), hélio-3 (que permitiria a exploração da fusão nuclear - assim que a tecnologia se tornar viável) e terras raras (elementos metálicos importantes para a indústria eletrônica).
O feito de Michael Collins (que permaneceu no módulo de comando em órbita, sem pisar na Lua), "Buzz" Aldrin e Neil Armstrong - e centenas de técnicos, engenheiros e outros funcionários da agência espacial americana - há meio século legou não apenas muito da miniaturização eletrônica e outras tecnologias de amplo uso e frases de efeito inesquecíveis ("A Águia pousou", "Um passo pequeno para o Homem, um salto gigantesco para a Humanidade", "Eu levantei meu dedão e fechei um olho, e meu dedão cobriu totalmente a Terra. Eu não me senti um gigante. Me senti muito, muito pequeno.", entre outras.). Inserido em um contexto político complexo (como sempre estamos, afinal) e dentro de toda uma série de realizações (às vezes interrompidas tragicamente, com desastres, explosões e mortes, sempre nos lembrando quão perigosa é a viagem espacial em todas as suas etapas) anteriores e posteriores, a conquista da Lua ainda inspira o avanço do conhecimento e do que, com trabalho dedicado e coordenado, a Humanidade é capaz de alcançar.
Localmente é de fazer notar o contraste com o cenário atual de desinvestimento em ciência e educação no país, globalmente é de fazer refletir se seria possível congregar tais esforços em escala planetária para deter o pior cenário da crise climática global.
Abaixo, uma seleção de peças produzidas pela DCsfera lusófona sobre a efeméride:
*SciCast. 12.jul.2019: A Conquista da Lua - Parte I; Parte II e Parte III. (áudios)
*Ponto em Comum. 15.jul.2019: Por que PARAMOS de ir à LUA? (vídeo)
*Canal Metrologia. 16.jul.2019: Infográfico: 50 anos da Apollo 11: primeiro pouso na Lua.
*Herton Escobar/Ciência USP. 19.jul.2019: O legado da lua: 50 anos depois.
*E-farsas. 20.jul.2019. Descubra a verdade sobre várias teorias conspiratórias envolvendo a Lua!
*Papo de Primata. 20.jul.2019. Há 50 anos, alienígenas invadiram a Lua!
*SpaceToday. 12.jul.2019. 50 anos do homem na Lua - Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV (vídeos)
*Fake em Nóis. 24.jul.2019. 50 anos do homem na lua: o que é fato e o que é fake news (vídeo)
quarta-feira, 5 de junho de 2019
Ciência: a longa (longa) marcha 4
De um lado, o astronauta Marcos Pontes, titular do MCTIC, apesar de aparentemente sem poder para efetivamente reverter os cortes e contingenciamentos do orçamento na pasta, ao menos se mostrava solícito e solidário. Pelo menos tomava para si a tarefa de dialogar com os demais departamentos do governo e com o legislativo, além de representantes da comunidade científica, para minorar os efeitos. Boa vontade era demonstrada.
Do lado do MEC... o então ministro Ricardo Vélez Rodrigues se mostrava de uma inoperância que paralisava as ações do ministério da educação. Praticamente um cone fora colocado na cadeira frente à pasta. Depois de ser severamente admoestado pelos deputados em sabatina na Câmara, acabou caindo em pouco mais de três meses de governo. Já depois de criar entreveros como a desastrosa sugestão de fazer com que os alunos das escolas pronunciassem o lema de campanha do atual presidente em cerimônias de hasteamento da bandeira, num ato patentemente ilegal por personalismo vetado à administração pública; e que elas fossem filmadas cantando o hino, outra ilegalidade, já que, sem anuência dos pais, imagens de menores de idade não podem ser veiculadas.
Mal o novo ministro da educação, Abraham Weintraub, assumiu, em 8 de abril, o cargo e os atritos com a comunidade educacional e acadêmica escalaram. Inicialmente anunciou o corte (ou contingenciamento - trato como corte no restante do texto) de verbas discricionárias de três universidades federais: a de Brasília, a Fluminense e a da Bahia, supostamente por mau desempenho e por promoverem "balbúrdia", isto é, atos contrários ao governo federal. Como mau desempenho era uma mentira crassa, as federais de modo geral (inclusive as três) estão entre as melhores universidades brasileiras e estão entre as melhores do mundo e, além disso, as avaliações delas vêm melhorando; e o corte por "balbúrdia" é ilegal, seria uma represália do governo federal; anunciou-se que os cortes seriam em todas as IFES e também em institutos e colégios técnicos federais. E pouco depois o ministro falou em cortar as verbas de cursos como Sociologia e Filosofia por não serem úteis. O presidente só piorava a situação ao mentir em entrevista dizendo que pouco se faz pesquisa em universidades públicas (que estariam concentradas em instituições privadas e, depois, também em institutos militares).
A coleção de atos contra a educação e a ciência foi acumulando mal estar entre os pesquisadores e alunos.
Para o dia 8 de maio, um grupo de estudantes da USP organizou um protesto em São Paulo, - que contou com apoio da SBPC, dos Cientista Engajados e da Marcha pela Ciência em São Paulo - com concentração em frente ao Masp a partir das 14h. Entre 600 (minha contagem) e 3.000 (estimativa da organização) pessoas compareceram.
Para o dia 15 de maio, havia um protesto de Greve Geral da Educação convocada pelos sindicatos de profissionais da educação. A pauta inicialmente se referia à reforma da previdência, cujo projeto apresentado pelo atual governo é considerado deletério para a categoria. Mas, com os ataques do governo federal, a pauta se ampliou e o movimento estudantil e dos acadêmicos afluiu para o ato. Era uma defesa geral da educação contra as ações do Palácio do Planalto. Em cerca de 170 cidades houve atos que, segundo algumas estimativas, totalizaram mais de 1,5 milhão de participantes - inclusive secundaristas e estudantes de universidades particulares. O tom belicoso do governo federal se manteve, com o presidente classificando os participantes de "idiotas úteis e imbecis". À véspera chegou a circular o anúncio de que o presidente havia cancelado os cortes, desmentido logo depois por setores do governo. Deputados da base, que testemunharam o presidente anunciar o cancelamento, criticaram o desmentido do recuo e a desinformação gerada. Desinformação também foi a tática do ministro Weintraub, ao comparar o corte de cerca de 30% no orçamento discricionário - o que efetivamente entra no caixa das universidades para o custeio e outras despesas - com o orçamento total (incluindo a parte que não pode ser mexida: salários e aposentadorias) para dizer que seria um corte de apenas 3,5%, ilustrando com chocolates.
A dose se repetiu em 30 de março, com protesto convocado pela UNE e o movimento estudantil. Mais de 130 cidades registraram atos. A tática desinformacional do MEC também se repetiu, com vídeo performático de Weintraub com um guarda-chuva negando os cortes no orçamento do Museu Nacional, prontamente rebatido pela UFRJ. O ataque aos educadores também se repetiu, com o ministro enviando nota às escolas para denunciar professores e pais que divulgassem em horário de aula os protestos, atitude ilegal que fez o MPF solicitar o cancelamento da nota.
O conjunto da obra dos ataques verbais e verborrágicos do novo ministro da educação lhe rendeu um processo pelo MPF, que pede indenização de 5 milhões de reais por danos morais aos estudantes.
Enquanto isso, uma greve geral para o dia 14 de junho está convocada pelas centrais sindicais e provavelmente contará com adesão do setor da educação.
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Enfim o setor acadêmico parece haver aderido às mobilizações de rua e parece contar com apoio da população em geral. Foi necessário um conjunto de ações deliberada e abertamente hostis e persecutórias contra os educadores e os cientistas para se romper a passividade - no limite de total inviabilização das atividades das universidades. Mas, é isso, agora é questão de sobrevivência. Venceremos?*
*Havemos de vencer. Como sociedade.
domingo, 19 de maio de 2019
A (re)união faz... (re)lançamento do ScienceVlogs Brasil
Entre os últimos está o ScienceVlogs Brasil. Iniciativa lançada há 3 anos de um selo de qualidade de canais científicos no YouTube, o SVBR avança para uma nova fase: consolidando os canais já integrantes e os recém-incorporados ao grupo, busca para futuro breve uma nova expansão com novos parceiros.
Embora já contando com uma audiência considerável de 500 milhões de views (somando o histórico das visualizações acumuladas de todos os canais), o objetivo é expandir o alcance. Para tanto conta com os chamados patronos: personalidades e canais (participando ou não diretamente do selo) com um grande número de seguidores e/ou que atingem um público representativo de minorias (visando a aumentar a diversidade do público - furando o clube do bolinha classe média que tende a ser a maioria dos consumidores de informações de divulgação científica no Brasil e no Mundo). Os patronos irão promover os canais do selo entre seus públicos, enfatizando a necessidade de se preocupar com a qualidade da informação consumida na internet.
Um patrono de peso, p.e., é o canal do médico Dr. Drauzio Varella, que anunciou o apoio à iniciativa.
E, como uma etapa para uma possível incorporação futura, os canais participantes passarão a adotar canais amigos: canais não associados ao SVBR que contarão com a tutoria ou mentoria dos responsáveis pelo canal membro. Dicas sobre como produzir conteúdo de qualidade e embasado serão compartilhadas, aproximando-se de um padrão mínimo exigido para os parceiros da iniciativa.
Live do lançamento:
Vídeo do relançamento:
segunda-feira, 13 de maio de 2019
Humanas, demasiado Humanas: Daisa Teixeira Jerônimo - Cinema e Gênero
#MinhaPesquisaMinhaBalburdia— DaDais(t)a (@DaisaTJ) 10 de maio de 2019
Sou mestranda em Belas Artes na argentina
Minha investigaçao é sobre a Representaçao da mulher em filmes feitos por mulheres: recorte latino americano.
E eu estava para fechar uma bolsa conjunta com uma federal brasileira para poder continuar o estudo
Um grande número de respostas questionava a utilidade desse tipo de pesquisa. Não poucas com ataques pessoais à autora. Inclusive de um blogueiro famoso.
A entrevista abaixo com Daisa TJ, como é conhecida, foi concedida por whatsapp ao Gene Repórter e deixo aqui os agradecimentos pela paciência com que a entrevistada respondeu às perguntas.
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GR: Oi, Daisa, você pode falar um pouquinho sobre você e sua trajetória acadêmica, como escolheu pesquisar audiovisual e cinema?
Daisa Teixeira Jerônimo: Meu nome é Daisa Teixeira Jerônimo, mas assino meus trabalhos práticos como Daisa TJ. Sou graduada em Cinema e Audiovisual pela Unisul, em Santa Catarina. Eu sempre estudei em colégios dentro de universidades, minha mãe por anos lecionou na Unesc, inclusive uma grande inspiração para mim, ela tem vários livros e artigos publicados. Desde pequena fui incentivada a me desenvolver através da arte, especialmente porque tive dificuldades quando criança com o código escrito (por assim dizer), sempre fui muito audiovisual, literalmente. O Cinema foi algo que, desde que descobri poder ser uma profissão, soou muito certo para mim.
GR: E como surgiu o tema da representação da mulher em filmes dirigidos por mulheres?
DTJ: Começando do começo, em 2013 fui contemplada com uma bolsa de pesquisa e, há 6 anos, fiz a minha primeira investigação sobre Filmes Experimentais feitos por Mulheres. O tema foi sugerido pela minha orientadora, e nos dois anos seguintes continuamos estudando sobre identidade de gênero, sexualidade e representatividade no Cinema Queer. Agora o foco é das Mulheres tanto representadas como representantes, na frente e atrás das câmeras. Isso porque como realizadora senti na pele o que é ser excluída apenas por ser o "sexo frágil", e por não me sentir representada como mulher nos filmes com narrativas e estéticas vindas de homens.
O papel da mulher na arte historicamente é de objeto, não de criador. E isso faz com que a representação que temos da mulher desde o inicio da história da arte seja idealizado, e mais que isso, seja feito por homens para ser visto por homens. No cinema não é diferente, por mais que seja uma forma de linguagem e arte nova (com pouco mais de um século), ainda se reproduzem narrativas normativas que invisibilizam, não só a mulher, mas também outras etnias, sexualidade e afins.
O objetivo da minha pesquisa é visibilizar trabalhos feitos por mulheres e como estas cineastas trabalham estética e narrativamente a construção de personagens.
GR: Você está na Argentina agora, né? Como foi parar aí?
DTJ: Sim, estou na Argentina, cursando mestrado em Estética e Teoria de Belas Artes na Universidade Nacional de La Plata.
Eu já planejava fazer um mestrado e vir a lecionar sobre cinema, porém o plano era pra fazer quando eu tivesse uns 35 anos (atualmente estou com 25). Acontece que, apesar de ter muita experiência na minha área, mudei para São Paulo e não consegui me inserir no mercado de trabalho.
Minha mãe então me incentivou a voltar para a pesquisa, voltar aos estudos. Na época o processo seletivo estava aberto para UNLP e eu resolvi participar, já que não consegui seguir com a minha carreira de realizadora, quero então poder promover o trabalho das mulheres que fazem cinema, por meio de pesquisa.
GR: Aí na Argentina também houve protestos dos cientistas recentemente por causa dos cortes, certo?
DTJ: Sim, aqui as pessoas são muito mais ativistas, os estudantes vão bastante para as ruas. No governo atual, faltando pouco menos de 5 meses para anova eleição, a educação nunca foi um ponto forte. A Argentina está em crise e houve cortes também, principalmente nas áreas de Humanas.
A grande diferença que sinto aqui é que os estudantes lutam pelos seus direitos, nas ruas, não só na internet. Fazem listas de assinaturas, buscam pessoas influentes.
Não que não seja feito no Brasil, é a minha visão de fora. Até por que quando eu estudei conseguir o Fies ou bolsa de estudos era muito mais acessível.
GR: Aqui também o pessoal da academia parece estar começando a querer tomar as ruas. Chegou a acompanhar os protestos do dia 8 de maio?
DTJ: Vi algumas imagens pelo twitter sim, mas não acompanhei diretamente.
GR: E como resolveu tomar parte na campanha da hashtag #MinhaPesquisaMinhaBalbúrdia?
DTJ: Algumas pessoas que eu sigo retuitaram e eu amei a iniciativa. Como estava achando lindo conhecer as pesquisas alheias resolvi compartilhar a minha.
Devo dizer que não esperava a atenção que recebi, muito menos a forma que recebi.
GR: Como foi isso?
DTJ: Eu postei inocentemente apenas para participar de uma #. Não costumo fazer isso e não tenho visibilidade no twitter, geralmente fico falando sozinha lá. Eu só fui ver a repercussão depois de 24h e foi um choque para mim. Eu fiquei extremamente chateada por um momento, porque absolutamente todos os comentários eram menosprezando a minha pesquisa e justificando os cortes de gastos com educação. Até que começaram a aparecer pessoas me apoiando, que foi um alívio.
Só hoje de manhã, na aula do mestrado, que eu entendi que essa reação negativa é exatamente o motivo de eu precisar continuar. As pessoas que me atacaram o fizeram por não compreender a importância de estudos sociais, culturais...
Não sou ingênua em pensar que posso ensinar algo a essas pessoas, que pouco argumentam ou ouvem. Mas posso gerar conteúdo e fomentar algo maior.
E tudo isso sendo que eu não tenho bolsa de pesquisa e nem estudo no Brasil, e ainda assim muitas pessoas vieram em busca do meu tuíte menosprezar um estudo.
GR: E para as pessoas que estão dispostas a argumentar e ouvir, como você explicaria a importância das Humanidades e de sua pesquisa?
DTJ: Para a humanidade poder evoluir precisamos romper com padrões estabelecidos, socialmente necessitamos constantemente nos questionar para encontrar estes padrões enraizados que nos são impostos indiretamente. É uma tendencia humana ter receios em relação a mudanças, especialmente quando o individuo está confortável no papel privilegiado. Minha investigação não é diferente, ela busca por meio de narrativas já existentes pontuar onde e como essa evolução vem ocorrendo (mesmo que lentamente) nos filmes. Isso serve para movimentos feministas, pois, sim, é uma forma de representar a mulher sem objetificá-la. Serve para fomentar pautas acadêmicas em torno do assunto "mulher no cinema", como igualdade de funções e salários.
E serve também para que essas realizadoras sejam reconhecidas, sejam imortalizadas de outra forma além de sua obra. Muitas vezes elas não ganham atenção e análises, e nessa pesquisa é sobre elas: as realizadoras e as obras.
GR: Você falou que estava para fechar uma parceria com uma universidade no Brasil. Seria para continuar a pesquisa aqui? Seria em co-orientação?
DTJ: Eu pretendia fazer uma ponte entre a universidade aqui com uma universidade no Brasil, inclusive ter uma orientadora argentina e outra brasileira. Porém dificilmente será possível com o cenário atual.
GR: E como está a sua situação aí? Pretende voltar ao Brasil?
DTJ: Eu tenho dinheiro para mais uns meses na Argentina, trabalho às vezes com o que aparece. Estou em contato com fundações não governamentais que podem vir a financiar minha pesquisa.
Especialmente fundações que buscam produzir conteúdo sobre igualdade de gênero, fundações feministas que reconhecem a importância de pesquisas como a minha.
Inclusive, essa é uma dica para quem perdeu a bolsa ou pretendia tentar uma bolsa. Buscar fundações não governamentais que se relacionem com o assunto.
Pretendo voltar para lecionar em universidades.
GR: Além das críticas, você mencionou que recebeu também mensagens de apoio. Pode falar mais delas?
DTJ: Fico muito feliz de algumas pessoas usarem do seu tempo para me defender, tentar explicar aos usuários ofensivos o valor da minha pesquisa. Me deu alguma esperança ver que tem gente que reconhece o valor de estudar
GR: E sobre sua pesquisa? Já tem resultados?
DTJ: Eu ainda estou na fase de escolher as obras que analisar com base nos estudos teóricos que venho acumulando.
Posso falar mais sobre as minhas pesquisas anteriores do cinema queer que já foram finalizadas. Os resultados que eu tenho com as minhas pesquisas anteriores servem mais para o meio acadêmico, pois são relacionadas análises fílmicas de filmes experimentais e cinema queer. O cinema queer é considerado um "cinema menor" (em questão de quantidade de produção, não qualidade) por ser filmes com conteúdo, e muitas vezes também em estética, diferenciados, em que quebram com a heteronormatividade, representando minorias LGBT+, além disso a mulher também faz parte deste "cinema menor".
Compreender a representatividade ao longo da história do cinema queer, a evolução e a quebra de paradigmas dentro deste cinema marginalizado é essencial para entender o cinema hoje, o cinema mainstream historicamente aprende com cinema experimental, traz conceitos e técnicas de lá. O cinema feito por mulheres é uma evolução separada do cinema mainstream, é uma revolução pelo simples fato de terem pouquíssimas mulheres nas funções de liderança no Cinema. E isso tudo (história da mulher, da mulher na arte, mulher no cinema) resulta em uma estética e narrativa diferenciada, em que tende muito a não perpetuar uma visão homogênea masculina (e caucasiana, mas isso já é outro tópico).
Pretendo tornar esses estudos mais acessíveis, no caso, não apenas dentro do mundo acadêmico ou dentro do círculo de cineastas. Por muito tempo venho pensando sobre criar um canal no youtube ou um blog, para poder falar sobre isso de forma mais abrangente.
Mas, continuando, entender essa crescente narrativa, essa revolução é benéfico para realizadoras poderem aperfeiçoar ainda mais. Afinal é muito fácil cair em representações ou esteriótipos sociais, o estudo serve para encontrá-los, entender como estão sendo quebrados e também onde ainda há resquícios desses esteriótipos.
GR: Então pretende criar um canal no YouTube? Como seria? Que canais você acompanha?
DTJ: Eu penso em fazer um canal no YouTube, sim. Já tive uns anos atrás e falava sobre cinema em geral, mas eu não tinha a maturidade que tenho hoje e meu foco hoje em dia seria para um nicho mais restrito, focado no mesmo que minha pesquisa em cinemas menores, de identidade de gênero, sexualidade... Eu acho extremamente importante criar formas de visibilidade mais acessíveis e mais acessadas, afinal o grande público não busca por artigos acadêmicos, procuram por vídeos, o mundo atual é muito visual e eu quero aproveitar disso para criar conteúdo.
Eu faria um canal em que eu poderia abordar temas muito além de Cinema feito por mulheres, poderia ser cinema queer, gênero de filmes, filmes com temáticas queer que chegaram ao Oscar, personagens mulheres fortes em séries grandes. Análise de construção de personagens mulheres em Game of Thrones, por exemplo, daria uma série de vídeos, pois temos várias personagens incríveis e bem construídas.
Como eu já trabalhei com marketing e com youtubers diretamente eu tenho uma boa base de como fazer um conteúdo atrativo para o público, bem como editar e fazer inserts, vinhetas, trabalho de som... Meu maior desafio não é técnico nem de conteúdo, é o falar para a câmera, afinal eu normalmente estou atrás dela.
Claro que eu sei que toda visibilidade na internet culmina em haters, isso seria algo a se trabalhar, mas hoje eu me sinto madura o suficiente para lidar com isso. Como eu acredito na força e na importância dos assuntos que quero abordar, alguns espinhos não serão suficiente para me parar.
Acompanho canais como Tese Onze, Louie Ponto, Carol Moreira, Jout Jout, Pirula, como diversos outros de análises de filmes e séries, produção audiovisual.