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segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Uma piada perigosa?

Não é sobre a caça a paraquedistas do Science Blogs Brasil, talvez seja mais um tipo de ciência gaiata. Seja como for, é incômodo para mim que o artigo de Smith e Pell 2003 [1] tenha se convertido em um paper de referência, com os argumentos ali utilizados considerados bases para a negação da necessidade de estudos com controle e distribuição aleatorizada dos pacientes entre os grupos de tratamento e de controle para novos procedimentos e medicamentos.

Em resumo, Smith e Pell fizeram uma "revisão" da literatura em busca de estudos sobre a segurança dos paraquedas na prevenção de mortes e graves ferimentos - baseando-se nos modelos de estudos aleatorizados com controle. A "conclusão" é que faltam estudos que demonstrem a eficiência dos paraquedas e, "portanto", a se mantiverem a mesma exigência feita para a introdução de novos tratamentos e medicamentos contra as enfermidades, os paraquedas não deveriam ter seu uso aprovados. Essa "conclusão" é, claramente, uma mofa. O que preocupa é o "corolário" dali derivado: "claro que os paraquedas devem ser usados, mesmo na ausência de estudos controlados sobre seus efeitos, 'portanto' tal tipo de exigência também não deve ser feita para o caso de tratamentos médicos - apenas dados observacionais sem controle bastam".

Aproveitando o trocadilho possível: esse "salto" lógico não é autorizado. Dito de modo muito simples: as situações *não* são equivalentes.

A questão do uso do paraquedas envolve simplesmente parâmetros físicos: velocidade terminal e a força do impacto (na verdade, há um parâmetro médico muito bem determinado - os riscos de morte por conta da velocidade de impacto) - não apenas equações relativamente simples e bem testadas podem ser chamadas à baila, como modelinhos físicos simples: bonecos de teste e acelerômetros - substituem à perfeição sujeitos experimentais, quer humanos, quer animais, nos testes.

Vamos ao caso de intervenções cirúrgicas, uso de medicamentos e outros tipos de tratamentos médicos. Pelos dados acumulados até o momento, as chances de novos tratamentos darem certos são reduzidas. É preciso então testá-los. Mas não existem modelos simples para isso. A resposta do organismo tem uma gama muito mais variada e complexa. Se humanos interagem todos mais ou menos da mesma forma com a gravidade e com a resistência do ar - segundo parâmetros simples como massa e área de seção transversal - o mesmo não se pode dizer (nem de longe) da interação dos seres humanos com intervenções médicas. Sem um experimento devidamente projetado para a avaliação de sua eficiência, uma base observacional limitada permitirá a ocorrência de muitas correlações espúrias: justamente por causa do sem número de parâmetros (muitos desconhecidos) que certamente estão envolvidos.

Via Ecce Medicus

Referência
1 - Smith & Pell. 2003. Parachute use to prevent death and major trauma related to gravitational challenge: systematic review of randomised controlled trials. BMJ 327: 1459-61. doi:10.1136/bmj.327.7429.1459

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