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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Divagação científica: divulgando ciências cientificamente 12 (parte 1 de 2)

Jon D. Miller publicou em 2004 um estudo em que analisa o entendimento público de ciências bem como sua atitude em relação às ciências nos EUA com base em dados de 40 anos: no período que vai de 1957 a 1999. O quadro não é muito animador. A despeito dos esforços feitos em educação e divulgação de ciências no país no período, os resultados alcançados foram bastante modestos. Divido minhas anotações em duas partes. Segue a parte 1 abaixo.

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Miller, J.D. 2004. Public understanding of, and attitudes toward, scientific research: what we know and what we need to know. Public Understand. Sci. 13: 273-94. doi: 10.1177/0963662504044908

Compreensão (understanding)
Termo amplo que vai de uma ideia elementar sobre o significado de algo (ou como algo funciona) à compreensão profissional profunda de um conceito ou construto no contexto total de seu campo. Miller considera todos os níveis, mas foca mais em um nível de compreensão para se acompanhar os textos jornalísticos das páginas de ciências do New York Times.

Pesquisa científica (scientific research)
No artigo, Miller considera toda a pesquisa científica da básica à aplicada, mas desconsidera a manufatura ou aplicação de conhecimento científico no desenvolvimento de um produto específico de consumo. Desenvolvimento da teoria, teste de teoria, experimentação, falsificação e questões correlatas são consideradas.

Compreensão da natureza da pesquisa e estudos científicos (understanding of the nature of scientific study and inquiry)
Em 1957, a National Association of Science Writers (NASW) encomendou uma pesquisa com cerca de 1.800 adultos americanos. Perguntou-se: "Algumas coisas são estudas cientificamente; outras, de outro modo. De seu ponto de vista, o que significa estudar alguma coisa cientificamente?"
(Responderam: 10% - usar um método experimental ou outro método rigoroso; 4% - abertura de mente, ceticismo e suspensão de julgamento.)
Em 1979, a National Science Foundation (NSF) encomendou uma nova pesquisa para o relatorio Science and Engineering Indicators (SEI) da National Science Board (NSB). Perguntou-se: "Algumas coisas são estudas cientificamente; outras, de outro modo. Você diria que você tem um entendimento claro do que significa estudar algo cientificamente, uma ideia geral do que isso significa ou não tem nenhuma compreensão de seu sigificado?" Para os que responderam ter uma compreensão clara, perguntou-se também: "De seu ponto de vista, o que significa estudar algo cientificamente? (Use suas próprias palavras.)"
Fazendo-se um conjunto independente de codificação das respostas, considerou-se que: 12% das respostas foram satisfatórias em 1957 e 14% em 1979. Várias outras pesquisas foram realizadas - em 1999, 21% das respostas foram consideradas satisfatórias. (Figura 1.)

Compreensão sobre experimentos (Understading of experimentation)
Em 1993, a National Institutes of Health (NIH) realizou o Biomedical Literacy Study, incluindo a seguinte pergunta: "Agora, por favor, pense nesta situação. Dois cientistas querem saber se uma certa droga é eficaz contra pressão alta. O primeiro cientista quer aplicar a droga em 1.000 pessoas com pressão alta e ver quantos têm a pressão diminuída. O segundo cientista deseja aplicar a droga em 500 pessoas com pressão alta e não aplicar em outras 500 pessoas com pressão alta e ver quantas pessoas em cada grupo têm a pressão diminuída. Qual é a melhor maneira de se testar a droga? Por que desse modo é melhor?" A mesma questão foi feita entre 1995 e 1999 para os SEI da NSB.
Em 1995, 69% dos respondentes escolheram o formato de dois grupos. Mas destes - correspondente a 40% do total dos entrevistados - responderam que o formato de dois grupos é melhor porque se a droga for letal irá matar menos pessoas dessa forma. 12% escolharam o formato de dois grupos e explicaram a lógica do grupo de controle. Outros 14% escolheram o formato de dois grupos por questão de comparação, mas não apresentaram a lógica do grupo de controle. 1% escolheu o formato de dois grupos, explicaram a lógica do grupo de controle, mas disseram que não seria eticamente aceitável negar o medicamento para pessoas doentes.
Em 1993, foram considerados que 22% das respostas apresentavam boa noção de experimentação; em 1999, esse número foi de 35%. (Figura 1.) (O autor credita esse crescimento ao aumento do número de pessoas com educação superior e ao aumento da cobertura da mídia sobre assuntos relacionados à saúde.)

Compreensão de probabilidade (Understading probability)
Apresenta-se uma situação em que o médico "diz a um casal que a constituição genética deles significa que há uma chance em quatro de que tenham uma criança com uma doença hereditária" e as opções são:
a) Se tiverem apenas três filhos, eles não terão a doença;
b) Se a primeira criança tiver a doença, os próximos três não terão;
c) Cada um dos filhos do casal tem a mesma chance de ter a doença;
d) Se as três primeiras crianças não tiveram a doença, a quarta terá.
Em 1988, 57% dos americanos escolheram a resposta correta. Houve pouca variação desde então. O autor conclui que o aumento da exposição à reportagens que incluem conceitos probabilísticos tem pouco influência no nível de compreensão. (Figura 1.)

Rejeição da astrologia como ciência (Rejection of astrology as scientific)
Perguntou-se se a astrologia era: "totalmente científica, parcialmente científica, nem um pouco científica". Em 1988, 60% dos adultos americanos responderam que a astrologia não era nem um pouco científica, números que variaram pouco ao longo dos anos. (Figura 1.)


Compreensão de construtos científicos específicos (Understanding specific scientific constructs)
Moléculas, composição da matéria
Perguntou-se se o entrevistado tinha um entendimento claro, uma ideia geral ou nenhuma compreensão a respeito de molécula. Aos que disseram ter um entendimento claro, pediu-se que explicassem o conceito usando as próprias palavras.
Em 1997, 11% responderam corretamente; em 1999, 13%. (Muitos não sabiam se moléculas eram compostas de átomos ou se o inverso era verdadeiro. Alguns sabiam que as moléculas eram pequenas e componentes básicos da matéria, mas não além disso.)
Universo, sistema solar e astronomia
Em 1986, Lightman e Miller perguntaram (os resultados seriam publicados em 1989): "Você diria que o Sol é um planeta, uma estrela ou outra coisa?". 50% responderam corretamente. Apenas 24% disseram que o universo está atualmente em expansão. Ao longo da década de 1990, nas pesquisas da NSB, cerca de 1/3 dos americanos consideraram que o universo "começou com uma grande explosão"*, 1/3 rejeitavam a idéia e outro 1/3 não sabia dizer se o construto era ou não verdadeiro. (O autor considera que a rejeição esteja ligada à questões religiosas.)
Cerca de 1/2 dos americanos dizem que a Terra gira ao redor do Sol uma vez por ano. 1/5 que o Sol gira ao redor da Terra. 14% dizem que a Terra gira ao redor do Sol uma vez por dia. (Figura 2.)
ADN e herança
Cerca de 40% dos adultos americanos são capazes de dar uma resposta satisfatória para o conceito de ADN. Em 1990, 24% incluíam a hereditariadade entre os papéis do ADN. Em 1999, 29%. (Figura 2). O autor considera que esse aumento se deu pelo aumento da importância da compreensão do ADN para o entendimento de doenças e saúde e pela melhoria da cobertura da mídia.
Radiação e energia nuclear
10% dos adultos americanos são capazes de dar uma definição satisfatória para radiação. Em perguntas abertas, 11% respondem em termos de emissão de energia na forma de partículas ou de ondas a partir de um material ou fonte. 26% são capazes de citar uma fonte de radiação, mas não de explicá-la. 10% são capazes de dizer os efeitos da radição, mas não nomear uma fonte ou de explicá-la. Desde 1990 esse padrão de respostas se mantém estável. (Figura 2.)

Compreensão de pesquisas ou projetos científicos atuais (Understanding current scientific research or projects)
Pesquisa da genética do mal de Alzheimer
80% fariam testes genéticos para ver a propensão a desenvolver o mal de Alzheimer (Neumann et al, 2001). Não havia até a data da elaboração do estudo nenhuma pesquisa sobre a grau de compreensão pública a respeito da doença e da pesquisa relacionada.
Alimentos geneticamente modificados
Em 2001, 56% dos adultos americanos relataram não ter ouvido nada ou ter ouvido muito pouco sobre o uso de biotecnologia na produção de alimentos.
Em 1997-1998, 10% dos adultos americanos achavam que tomates comuns não possuiam genes; 45% respodenram que não sabiam; 45% responderam que havia genes (Miller 1998b, 1998c). 1/3 respondeu ser possível transferir genes de plantas para animais.
61% responderam que ingerir frutas modificadas geneticamente não alteravam os genes do consumidor.
Visão do universo através do telescópio Hubble
O autor lamenta a inexistência até a data da publicação do estudo de pesquisas sobre o impacto das imagens obtidas pelo telescópio na compreensão pública a respeito do universo.
Pesquisa sobre aquecimento global e mudanças climáticas
Estudos preliminares em 1994 indicavam que as pessoas tentavam explicar a questão das mudanças climáticas globais a partir de suas experiências próprias com o tempo local. Elas também confundiam a questão do buraco da camada de ozônio com a do aquecimento global.
Em estudos de 1998 e 2001 com perguntas diretas, 2/3 concordavam que o CO2 era o principal responsável pelo aquecimento global; 52% que o aquecimento global pode levar ao aumento do nível dos oceanos e 69% que o tempo poderá se tornar mais turbulento nos próximos 100 por causa do aquecimento global. (O autor observa que os resultados de 1994 com questões abertas sugerem que parte dessa concordância seja sem maior substância ou conhecimento.)

Compressão de produtos ou resultados específicos da pesquisa científica (Understanding of specific products or results from scientific research)
Antibióticos
Em 1988, 26% responderam que antibióticos não matam vírus; wm 1999 foram 45%. (Figura 2)
Laser
"Lasers funcionam pela focalização de ondas sonoras", em 1988, 36% indicaram a frase como falsa, em 1999, 43%. (Figura 2)
Computadores e Internet
Em 1985 e em 1995, pediu-se para definirem "programa de computador" ("computer software"). 28% responderam em ambas as ocasiões como "instruções para computadores".
Em 1997 e 1999, pediu-se para definerem "internet". Em 1997, 13% caracterizaram como rede mundial de computadores capazes de se comunicar entre si. Em 1999, 16% responderam dessa forma. Nas duas ocasiões, 40% disseram que a internet era uma conexão eletrônica com informação ou com uma biblioteca, mas não mencionaram ligação entre computadores. Mais de 45% não conseguiram dar nem mesmo uma descrição genérica.



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Obs: *É uma simplificação errônea a respeito do Big Bang de qualquer modo.

Parte 2.

2 comentários:

Mônica Lobo disse...

Achei ótimo o artigo. Você tem ele em pdf? Isso muito me interessa pra minha tese. :D

none disse...

Oi, Mônica,

Mande um email pra mim. Meu nome de usuário é rmtakata. O serviço é o hotmail.com.

[]s,

Roberto Takata

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