Lives de Ciência

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segunda-feira, 23 de junho de 2014

Comensais das ciências: conceitos satélites às ciências

Filósofos, historiadores, sociólogos das ciências e cia. gastam bastante energia para definir o que são as ciências. Sem consenso. Mas além das ciências em si, uma série de conceitos correlacionados surgem identificando elementos que se parecem com ciência, mas não chegam a sê-lo ou ficam em uma zona cinza entre ciência bona fide e algo claramente não científico.

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Ciência de borda/marginal (fringe science): "ideias altamente especulativas ou fracamente confirmadasSteven I. Dutch 1982.

Ciência extrapolada (extrapolated science): concepção de estado da arte da ciência e tecnologia de um futuro - imediato ou mais distante -, a partir da extrapolação do desenvolvimento científico e tecnológico atual: especialmente aplicado em obras de ficção científica. Particularmente úteis para essa concepção são relações como a lei de Moore ou a curva de Carlson.

Ciência patológica (pathological science): "não há desonestidade envolvida, mas as pessoas são iludidas por resultados falsos devido à falta de compreensão dos modos como os humanos podem ser desencaminhados por efeitos subjetivos, pensamentos sequiosos [wishful thinking] ou interações limítrofes [threshold interacions]. [...] São coisas que atraem grande atenção. Normalmente centenas de artigos são publicados sobre isso. Às vezes duram por 15, 20 anos e, então, gradualmente desaparecem."
"Sintomas de ciência patológica: 1) O efeito máximo observado é produzido por agentes causativos de intensidade quase indetectável e a magnitude do efeito é substancialmente independente da intensidade da causa; 2) O efeito é de uma magnitude que se mantém perto do limite da detectabilidade ou muitas medidas são necessárias por causa da baixa significância estatística dos resultados; 3) alegações de grande exatidão; 4) teorias fantásticas contrárias à experiência; 5) as críticas são respondidas com desculpas ad hoc inventadas na hora; 6) a razão entre apoiadores e críticos aumenta para algo próximo a 50% e então gradualmente cai no esquecimento." Irving Langmuir 1953.

Metaciência (metascience): "estudo da estrutura lógica das teorias científicas." Pearce & Rantala 1982.

Paraciência (parascience): "sistema pseudocientífico de crenças não testáveis baseadas em ilusão, erro e fraude." Marks 1986.

Protociência, ciência emergente (proto-science, emerging science): "obviamente é uma ciência em statu nascendi. Se sobreviver, tal campo pode se desenvolver eventualmente em uma ciência matuda, em uma semiciência ou em uma pseudociência. Em outras palavras, quando uma disciplina é chamada de protociência, é muito cedo para dizer se ela é científica ou não. Por exemplos: a física antes de Galiley e Huygens, a química antes de Lavoisier e a medicina antes de Virchov e Bernard. Todas essas disciplinas amadureceram rapidamente e se tornaram científicas por completo. (A medicina e a engenharia pode ser chamadas de científicas mesmo que elas sejam mais tecnologias do que propriamente ciências.)Bunge 2006.

Pseudociência (pseudoscience): "usa terminologias científicas, mas não critérios científicos. [...] Não há 'nenhuma linha demarcação bem definida entre ciência e pseudociência, mas a ausência de quadro teórico independentemente testável capaz de apoiar, conectar e explicar as alegações'. (Groove 1986). Nas pseudociências, com frequência é difícil de se falsear uma afirmação, o que significa que é provar que ela não seja verdadeira. 'A virtude das ciências como sistema é que elas podem remover seus erros e o fazem. As pseudociência, não' (Gould 1986). [...] Os três principais pecados das pseudociências em sua [(Derksen 1989)] opinião são: opinião baseada em evidências observacionais insuficientes; imunização [desconsideração de dados contrários] infundada; abdução (abdução = tirar conclusão a partir de coincidências; prática que, como primeiro passo, não é errada em si e é comum nas ciências) infundada.Cornelis de Jager 1990.

Semiciência (semi-science): "disciplina surgida como ciência e normalmente chamada de ciência, mas que ainda não se qualifica totalmente como talBunge 2010.

Transciência (trans-science): "Muitaos dos problemas que surgem no curso da interação entre ciência ou tecnologia e sociedade - p.e., os efeitos colaterais deletérios dos procedimentos científicos - estão ligados a questões que podem ser feitas pelas ciências, mas não podem por elas ser respondidas. Proponho o termo transcientífico para essas questões uma vez que, embora sejam, epistemologicamente falando, questões de fatos e podem ser feitas na linguagem das ciências, são irrespondíveis pelas ciências; elas transcendem às ciências." Weinberg 1972.

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Outros termos para os quais não consegui encontrar uma definição.
Quasiciência (quasi-science), perisciência (periscience).

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Humanas, demasiado Humanas: Nota de Repúdio da Sociedade Brasileira de Sociologia

A Sociedade Brasileira de Sociologia também emitiu nota criticando a postagem de Luis Nassif.

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Nota de Repúdio


A Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS - vem, de público, manifestar veemente repúdio ao modo desrespeitoso com o que o jornalista Luis Nassif tratou a pesquisa em sociologia, mediante crítica grosseira e desqualificada ao trabalho do sociólogo e professor Dr. Josimar Jorge Ventura de Morais, da Universidade Federal de Pernambuco.
No último dia 16 do mês corrente, o jornalista publicou em seu blog um artigo com o título "O financiamento da masturbação sociológica pelo CNPq", no qual é posto em xeque, de forma improcedente, o processo de avaliação e financiamento da pesquisa na área de ciências sociais.
A SBS lamenta que assuntos com esse grau de relevância, que dizem respeito à pesquisa e aos métodos de julgamento e avaliação de projetos, sejam tratados de forma preconceituosa, contribuindo para reforçar estereótipos.
A desqualificação, além de abranger uma agência de fomento como o CNPq, reconhecedora da relevância do trabalho sociológico, atinge também consultores e pareceristas, ou seja, os profissionais que possuem o mérito e a autoridade para tecer julgamento sobre os projetos de sua área de competência.
No momento em que a sociologia adquiriu um patamar de legitimidade, sendo reconhecida como ciência dotada de regras e métodos peculiares de investigação, declarações dessa ordem são prova da permanência do obscurantismo e da percepção de que as ciências sociais constituem um campo que não supõe aprendizado e conhecimento especializado.

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quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Limitações das ciências: fraudes

A propósito das discussões suscitadas pelo mais recente caso de plágio na USP, reproduzo abaixo trecho de um ensaio mais longo (em verdade, mais uma colcha de retalhos) que estou preparando (no andar da carruagem não termino antes do mundo acabar em 2012)*.

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Várias outras limitações surgem às ciências em função dela ser uma atividade humana. Não obstante, a mais insidiosa certamente é a adulteração deliberada dos dados: a fraude. Há vários motivos por que alguém relataria um achado falso. Ser o primeiro a anunciar a realização de um feito perseguido por vários outros pesquisadores é uma glória que satisfaria a muitos: no entanto, somente uma pessoa pode obter esse feito. E isso pode depender de recursos que não estão disponíveis ao pesquisador, ou ele pode estar sem sorte. Atualmente existe ainda a pressão por publicações: o pesquisador que não lança artigos a uma certa taxa é tido como improdutivo, preguiçoso e imerecedor de promoções ou da própria manutenção do cargo. Talvez a filha dele esteja doente, ele não tenha tido muito tempo para se dedicar às pesquisas e o órgão financiador ameaça suspender o financiamento de seu trabalho, o que mancharia seu currículo. Certamente uma fraude mancha de modo mais profundo e permanente, mas conquanto não seja descoberta... Vira um jogo. Um jogo duplamente perigoso. Não apenas à carreira do pesquisador, mas ao próprio sistema de produção de conhecimento científico: altamente dependente de uma relação de confiança. Há mecanismos para tentar inibir a fraude ou erros não propositais: os trabalhos devem apresentar a metodologia de modo que outros pesquisadores possam tentar replicar os achados, os artigos são submetidos ao exame de outros pesquisadores na área para que possam tentar detectar erros e sugerir melhorias. Mas não são mecanismos à prova de falhas. E há até mesmo uma forte pressão para que tal procedimento seja revisto, em parte, novamente, pela pressão para a publicação: o processo de revisão pelos pares tende a tornar tudo muito mais lento e custoso. Se erros são detectados após a publicação, os trabalhos podem ser retirados (na prática anuncia-se que eles não são mais válidos, se estiverem em servidores web o arquivo é removido do diretório e substituído por uma mensagem de alerta) por iniciativa da publicação e/ou dos autores do trabalho.

Estas fraudes, disse, minam a razão de ser do processo científico. É como a presença de notas falsas circulando no mercado. Isso debilita a credibilidade do sistema: quem recebe as notas não sabe se poderá trocá-las por produtos e serviços e tende a se recusar a recebê-las, independentemente de se são verdadeiras ou falsas. Tal fato foi usado como arma de guerra. Durante a Segunda Guerra, a Alemanha nazista, na operação Bernhard, produziu um grande número de libras falsas (estima-se que a produção correspondeu a um valor equivalente a 15% do montante de libras circulante à época), empregando as habilidades de prisioneiros judeus do campo de concentração de Sachsenhausen. O governo britânico, percebendo que poderia abalar a credibilidade da moeda do país, decidiu aceitar tais notas como meio circulante – retirando-as gradativamente à medida que chegavam aos bancos e eram detectadas. Certamente houve prejuízos, entretanto a alternativa: a dissolução da confiança na moeda, provavelmente traria danos ainda maiores. O episódio foi retratado em 2007 em um filme austríaco ganhador do Oscar, Die Fälscher (Os falsários).

Mas a aceitação de trabalhos científicos com resultados falsos não é possível. Se fraudes ocorrem em pequena escala, o problema é circunscrito. Infelizmente há indicações de que atualmente a prática não é tão rara. Na condição de manterem anonimato, 33% de 3.247 cientistas americanos pesquisados da área da saúde admitiram ter incorrido (nos três anos anteriores à pesquisa) em algum tipo de conduta antiética na pesquisa (plágio, não dar atenção ao contraditório, não prestar atenção nas falhas das análises de terceiros, etc.), 0,3% admitiram algum tipo de falsificação dos dados (Martinson, BC et al. 2005. Scientists behaving badly. Nature 435: 737-8). Em um estudo meta-analítico, 33,7% dos cientistas admitiam alguma conduta reprovável e 1,97% admitiam ter adulterado os dados pelo menos uma vez (Fanelli, D. 2009. How many scientists fabricate and falsify research? A systematic review and meta-analysis of survey data. Plos One 4(5): e5738. Acessado em: 16 de julho de 2009. Disponível em: http://www.plosone.org/article/info:doi/10.1371/journal.pone.0005738).

2% de fraude pode não parecer grande coisa, mas um levantamento de 2006 detectou 632 remoções de artigos (“retractions”) na base de dados PubMed (Liu, SV. 2006. Top journal’s top retraction rates. Scientific Ethics 1: 91-3). Claro, não são todas as remoções que correspondem a um caso de fraude, na verdade, os casos de remoções por fraude são bastante raros**. Se considerarmos um número mais modesto dos 0,3% reportados no trabalho de Martinson e colaboradores (2005), os 632 trabalhos corresponderiam a um total de pouco mais de 210.000 trabalhos (se considerarmos os 2%, seriam pouco menos de 32.000 artigos). O número total de artigos indexados na base é muito maior do que isso [em 1995, a base Medline do PubMed tinha mais de 9 milhões de artigos indexados (Schulman, J-L. 2000. Using medical subject headings (MeSH) to examine atterns in American medicine. Acessado em: 17 de julho de 2009. Disponível em: http://www.nlm.nih.gov/mesh/patterns.html.); em 2008, mais de 16 milhões (Medline. 2008. Fact sheet: Medline. Acessado em 17 de julho de 2009. Disponível em: http://www.nlm.nih.gov/pubs/factsheets/medline.html).] Então o processo de depuração (a autocorreção das ciências, na visão de Sagan) não parece mesmo estar dando conta – a situação fica ainda mais complicada se considerarmos o universo de ações reprováveis e erros na produção do trabalho que justificariam sua remoção. Por alto (e sendo generoso), o processo de depuração científica está trabalhando a uma taxa de apenas 2% de eficiência – 98% das fraudes e erros cometidos se acumulam, indetectados, na literatura científica mundial (atenção ao leitor ou leitora que tenha lido o trecho anterior com alguma pressa: não se disse que 98% da literatura científica contenha fraude ou erro, mas sim que, dentre os artigos que têm problemas, 98% passam incólume pela revisão posterior a sua publicação).

Todas essas questões e limitações e ocorrências de fraudes, um número delas certamente não detectado, devem fazer um cidadão consciencioso refletir sobre qual então a validade de tudo aquilo que se nos apresenta como conhecimento científico chancelado pela comunidade de pesquisadores.
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*Upideite(29/nov/2009): A carruagem não acelerou, mas o ensaio não completamente finalizado pode ser obtido aqui.

**Upideite(05/out/2012): Aparentemente não são tão raros assim. Um estudo de Fang e cols. (2012) encontrou que 43,4% dos artigos removidos desde 1975 na base Pubmed o foram devido a fraude, 14,2% por duplicação de publicação e 9,8% por plágio.

sábado, 29 de agosto de 2009

Caçando paraquedistas

O Scienceblog Brasil fez uma blogagem coletiva procurando atrair interneteiros incautos que procurassem por outros temas sob o mote: "Cientista também caça paraquedista". (Ok, essa introdução provavelmente lhe é inútil, já que certamente você sabia disso.)

O resultado foi, não inesperadamente, um tanto enviesado para o lado sexual. Embora sem um rigor de um levantamento estatístico apropriado, os temas sexuais foram exclusivos (Upideite (31/ago/2009): isso já não é mais verdade, já que Tatiana Nahas do Ciência na Mídia fez esta postagem) predominantemente dos blogueiros homens - dominantes (numericamente) em relação às blogueiras de ciências.

Sem entrar em questionamentos sobre o que tais escolhas refletem sobre.. aham, a visão de mundo de cada bloguista, creio que a caça seria mais proveitosa se se utilizassem uma metodologia, digamos, mais científica. Como?

Analisando-se as palavras e expressões mais procuradas pelos interneteiros. Há várias ferramentas disponíveis, uma das mais famosas é o Google Trends. Sim, ela, claro se baseia nos termos pesquisados no Google. Mas, como a campanha é voltada para os usuários desse sistema de busca, é mais do que apropriado.

As expressões mais procuradas no Google, no Brasil, nos últimos 12 meses são:
  1. jogos
  2. orkut
  3. youtube
  4. fotos
  5. videos
  6. globo
  7. musicas
  8. uol
  9. musica
  10. msn
Um aspecto que salta aos olhos é o fato das palavras mais pesquisadas referirem a nomes de sítios web bem conhecidos: orkut, YouTube, Globo, UOL, MSN - para isso bastaria escrever na caixa de endereços. Se se analisa o que as pessoas procuram relacionados a esses sítios, verificamos que são serviços comuns: no UOL, o Rádio UOL e o bate-papo; no orkut, as mensagens e recados; no Globo, esportes, novelas, rádio e TV; no MSN, o Hotmail e o Messenger. Um doce para quem adivinhar o que buscam no YouTube - sim, videos (e, ok, música). Isso parece refletir a inabilidade em busca e navegação por parte dos interneteiros brazucas (não, tio Houaiss, não vou escrever brasuca!) - alternativamente poderia refletir um gosto mais amplo: buscam "música" sem se importar exatamente com o estilo, com o grupo musical; ou que confiam muito nos resultados do Google (que se ajustam um tanto ao gosto dos usuários) - mas, na falta de maiores indícios em contrário, fico mais com a hipótese de que os brasileiros não sabem fazer pesquisa objetiva mesmo. (Há uma outra alternativa que não se pode descartar - a presença ostensiva de nomes de companhias pode ser fruto de ações das próprias empresas para elevar sua posição e se destacar: conseguindo uma publicidade gratuita. Outra possibilidade é que os usuários façam uma busca direcionada a sítios específicos: p.e. "letra musica caminhoneiro roberto carlos uol".)

Nota-se ainda que jogos, videos e músicas são os principais interesses. Sexo parece ser mesmo coisa para meninos - ao menos em relação à busca na internet. Sim, o Google não faz distinção pelo sexo dos usuários - ainda... Mas podemos ver pelos termos que mais cresceram entre as buscas.
  1. jogos de meninas
  2. youtube
  3. esporte
  4. hotmail
  5. globo
  6. vivo
  7. jogos online
  8. jogos
  9. vagalume
  10. tradutor
Nota-se em primeiro lugar "jogos de menina". Isso reflete bem que a internet não é mais domínio dos homens. Ou seja, as escolhas dos paraquedistas pelos scibloggers é focado em apenas uma parte do público da internet. Pode-se argumentar que o interesse por ciências é, tanto quanto por sexo (ao menos como busca na internet), uma característica eminentemente masculina - a predominância de XYs entre os bloguistas de ciências deve refletir esse fato. Mas, por outro lado, não seria então mais interessante diversificar a freguesia? Especialmente considerando-se que a caça é por paraquedistas?

Uma outra palavra que chama atenção é "vagalume". Uma análise mais detalhada indica que é um sítio web de música no UOL. Entre as buscas chama a atenção que "vagalume gospel" é a quinta colocada entre as que mais crescem (dentro dessa subcategoria) - indicando uma forte presença de evangélicos na internet (o que não espanta dado que constituem uma fração considerável da população - cerca de 1/5 do total -, isso também explica a presença aborrecida e ostensiva do criacionismo diletante na web).

Upideite(01/set/2009): Fernanda Polleto, do Bala Mágica, nos comentários do Ciência na Mídia chama a atenção para a filtragem do Google de certos termos em sua listagem final. Considerando-se isso, ainda assim temos: preco (92) à frente de sexo (79), que empata com celular, messenger e radio. Outros termos: televisão (80), saude, escola, casa, trabalho de casa, internet (81), uol, dinheiro (84), brasil, computador (86), terra (88), msn (90)...

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