Lives de Ciência

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quinta-feira, 29 de julho de 2010

Elefante fóssil amazônico?

O jornalista Reinaldo José Lopes está cobrindo o VII Simpósio Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados no Rio de Janeiro*.

Várias descobertas e estudos ainda não publicados são apresentados nessas reuniões. Uma das novidades é um dente fóssil - um molar de cerca de 15 cm de comprimento (dos quais cerca de 12 cm foram preservados) por 5 cm de largura - cheio de lamelas (estruturas em formas de lâminas) transversais.

Esse arranjo de dente só é conhecido entre elefantes (e parentes próximos) e capivaras (e parentes próximos).

Lopes descreve o achado na reportagem:
Folha: Garimpeiro acha dente de elefante no sul da Amazônia

Claro, o jornalista cravou elefante no título provavelmente pela confiança expressa pelo cientista que lhe apresentou o dente, o paleontólogo Mario Cozzuol da UFMG.

Cozzuol interpreta como sendo de um elefantídeo pelo tamanho - dentes de hidrocoerídeos (membros da família da capivara) conhecidos (incluindo os fósseis) têm cerca de 5 cm de comprimento por 1 cm de largura. E fósseis de elefantídeos foram descobertos na América Central. Não parece que seria uma maior dificuldade terem alcançado a América do Sul em sua porção norte.

Mas não dá para se descartar assim a hipótese de uma capivara fóssil de grandes proporções. São conhecidos fósseis de uma família próxima: dinomídeos - com crânio com o dobro do comprimento das capivaras.

Cozzuol aposta que seja dente do Mammuthus columbi, cujos fósseis são encontrados na América Central (até a Costa Rica).

Figura 1. Distribuição de fósseis de gênero Mammuthus na América do Norte. (Fonte: A Mammoth Site; B Mota e Calles 2007)


Por uma rápida análise da foto publicada na Folha, porém, contamos cerca de 8-9 lamelas por decímetro (i.e. a frequência lamelar é de cerca de 8-9). A frequência lamelar de M. columbi é de cerca de 4-7 para o molar 3 (verdade que há exemplares que chegam a 9 para o molar 1 superior). Por certo, outros elefantídeos têm frequência lamelar compatível com o dente encontrado - M. primigenius, p.e., tem uma frequência lamelar típica de 8-10.

No entanto, Richard White Jr., da International Wildlife Museum, observou, em um grupo de discussão sobre paleontologia de vertebrados, que a morfologia das lamelas parece mais compatível com uma capivara: apresentam uma curva sigmoide (em forma de "S") e duas delas parecem ter uma bifurcação - características de molares de capivaras, porém não de elefantídeos. (Claro que ele ressalva que é apenas uma interpretação em cima de uma foto publicada no sítio web do jornal.)

Na Figura 2, as fotos e ilustrações de molares para comparação.


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Figura 2. Painel superior, molar (figura G) de um hidrocoerídeo (Cardiatherium patagonicum): Vucetich et al. 2005. Painel central, dente amazônico não identificado (tentativamente atribuído a um elefantídeo, Mammuthus columbi, por Mario Cozzuol): Pedro Carrilho/Folhapress. (Setas indicam possíveis bifurcações) Painel inferior, molares de elefantídeos: Wikimedia Commons.

Em qualquer caso é uma descoberta que parece ser interessante. E somente estudos aprofundados poderão resolver a questão - eventualmente talvez até se descubra que seja uma espécie de um outro grupo (nunca subestime o poder da evolução convergente).

Obs1: Enquanto eu negociava a liberação da imagem da Folhapress, o jornalista Peter Moon, da Época, adiantou-se na publicação das informações. A Moon, Cozzuol reafirmou sua convicção de que se trata de um dente de elefantídeo. De fato, como também enfatizou White, a interpretação por fotografia, sem a posse do exemplar tridimensional, é altamente limitada.
Obs2: *Estava. O simpósio terminou dia 23/jul/2010.

Seleção natural = melhora?

Duas questões recorrentes e interligadas.

1) Não raramente houve-seouve-se* em programas sobre a vida selvagem que os predadores (parasitas e parasitoides), no final das contas, fazem bem à população das presas (hospedeiros): na medida em que eliminam os indivíduos doentes, enfraquecidos e idosos.

2) A vida moderna das populações humanas tem permitido que indivíduos doentes ou com outros problemas genéticos sobrevivam (medicamentos, tratamento médicos, cirgurgias, etc.), piorando nosso patrimônio genético e colocando a sobrevivência da espécie humana em perigo de extinção a longo prazo.

São duas tremendas bobagens.

Na ausência de pressão seletiva, de fato, certas características poderão se espalhar por deriva gênica. Mas essas características que, *no ambiente em que havia pressão seletiva*, eram desvantajosas passam a ser *neutras* no novo cenário.

A bobagem é não analisar a característica nesse novo cenário - sem a pressão seletiva negativa -, mas, sim, sob a perspectiva da desvantagem que conferia em *outro cenário*.

Uma característica não é vantajosa, neutra ou desvantajosa de modo absoluto - essa característica depende da interação que ela permite entre o organismo e seu meio (inclusive seu meio interno).

Um exemplo clássico é o alelo recessivo S da hemoglobina. Em dose dupla, a hemoglobina produzida polimeriza-se criando a característica hemácia em forma de foice - levando à anemia falciforme. Em dose simples, a homoglobina ainda pode se polimerizar em condições de baixa tensão de oxigênio. Por outro lado, isso acaba por conferir a resistência à infecção por plasmódios - evitando o desenvolvimento de formas severas de malária. Ser portador de um alelo S é então, desvantajoso em um ambiente livre de malária (ou de baixa incidência da doença): uma fração desenvolverá problemas circulatórios. Mas em regiões de alta incidência de malária ser portador do alelo s confere resistência à doença, mais do que compensando a pequena propensão de problemas circulatórios.

Outro exemplo é do gene que codifica uma enzima (a oxidase de L-gulonolactona) que participa da via de síntese do ácido ascórbico (vitamina C). Grande parte dos mamíferos possuem uma versão funcional dessa enzima. Para esses organismos, o ácido ascórbico não é uma vitamina - grupo de compostos orgânicos necessários em pequenas doses e que devem ser adquiridos através da dieta. Nos seres humanos (e nos chimpanzés e outros macacos antropoides - mas não nos demais primatas), o gene tem uma alteração de modo que a enzima não é funcional - nosso organismo não sintetiza o ácido ascórbico. Normalmente isso não é um problema: comumente, nossa dieta supre a quantidade necessária. *Todos* os humanos (salvo algum eventual mutante que tenha revertido as mutações) possuem a versão do gene que não expressa a proteína funcional. Em, digamos, camundongos, se essa mutação estiver presente em dose dupla, possivelmente causará problemas. Mas a avitaminose C, o escorbuto, em humanos não é uma doença genética, é uma doença nutricional - com uma dieta pobre em ácido ascórbico (embora possa haver propensão genética envolvida). O fato da mutação original que desligou o gene ter se espalhado pela população humana não significou uma piora - não faz sentido dizer que todos os humanos são mamíferos com uma doença genética que causa o escorbuto. Esse espalhamento só se tornou possível porque o gene correspondente desligado já não causava mais problemas - com uma dieta suficientemente rica em ácido ascórbico.

Em populações naturais de gazelas, ser velho é desvantoso porque, entre outras coisas, é vítima preferencial de predadores como o leão. A presença de leões faz, então, com que a idade média de gazelas seja baixa. Na ausência de leões, gazelas mais velhas deixarão de ser devoradas, aumentando a idade média da população desses bovídeos. Mas... mas o quê? Mas nada. Isso ocorre justamente porque ser velho deixa de ser uma desvantagem tão grande na ausência de predadores. Sim, a incidência de doenças senis ainda propiciará alguma desvantagem - mas ela mesma acabará por limitar a proporção de gazelas mais velhas. Não há uma piora - a mudança no cenário seletivo muda os valores adaptativos das características, fazendo com que haja um ajuste - e o valor adaptativo médio na população tenderá a permanecer mais ou menos o mesmo**.

Nas populações humanas a diminuição da pressão seletiva sobre doenças tem o mesmo efeito - o fato de genes ligados a doenças poderem persistir sem ser tão dura e contrariamente selecionados não cria uma piora na constituição genética da espécie humana: eles persistem justamente porque deixaram de ser tão perniciosos.

Míopes provavelmente tinham uma vida dura até o advento de lentes corretivas: estariam mais sujeitos a acidentes e menos aptos a trabalhos. Possivelmente teriam uma espectativa de vida e um sucesso reprodutivo menor do que as pessoas com visão normal. O surgimento de lentes, óculos e cirurgias corretivas diminuiu bastante essa pressão seletiva - ao menos em sociedades com acesso a esses benefícios e entre os extratos que consigam arcar com os custos. Atualmente pode ser que haja algum aumento da proporção de míopes. Mais uma vez, não há nenhuma piora caso esse aumento se confirme. A miopia apenas terá deixado de ser tão problemática quanto deve ter sido no passado. (Nota: as causas da miopia têm componentes tanto genéticos quanto ambientais, vide aqui.)

Apenas quando nos referimos a um processo de seleção *artificial* faz sentido falar em melhora: como em "melhoramento genético". Isso porque estamos a atribuir valores humanos - geralmente econômicos. É da perspectiva humana do que se considera melhor ou pior que se diz que cruzamentos seletivos resultando em frangos de maior massa média é uma melhora. Afinal, isso tende a significar mais lucro ao produtor. Ou podemos pensar em linhagens com maior teor nutricional.

*29/jul/2010: Corrige @kenmori nos comentários.
**03/ago/2010: Considerando-se uma situação de pico adaptativo. Não estando no pico adaptativo, a tendência de aumento do valor médio pela seleção natural continuará.

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 12 (parte 2 de 2)

Continuando a anotação do trabalho de Miller 2004, segue a parte final.

Apesar dos números não serem animadores, a correlação encontrada entre grau de alfabetização científica e instrução científica informal indica a importância da divulgação científica (embora, claro, a correlação não indique uma relação necessária de causa e efeito).

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Miller, J.D. 2004. Public understanding of, and attitudes toward, scientific research: what we know and what we need to know. Public Understand. Sci. 13: 273-94. doi: 10.1177/0963662504044908

Atitudes em relação à pesquisa científica (Attitudes toward scientific research)
Apesar (ou por causa) de uma minoria dos americanos terem um bom nível de conhecimento científico, várias pesquisas desde o fim da Segunda Guerra indicam que a maioria é interessada em ciência e tecnologia, acreditam que elas contribuíram para o padrão de vida atual e apoiam o investimento governamental.

Importância da pesquisa científica (Salience of scientific research)
Desde pelo menos meados da década de 1980, cerca de 70% dos americanos declaram interesse nas novas descobertas médicas.
Adultos com alto grau de interesse nas novas descobertas científicas eram 35% em 1979 e 45% em 1999.
Desde 1988, pergunta-se o grau de concordância dos entrevistados com a frase: "para mim não é importante saber sobre ciências na vida do dia-a-dia". 15% concordam, mais de 80% discordam.

Benefícios da ciência e da tecnologia (Benefits of science and technology)
Nos últimos 40 anos, mais de 80% dos americanos declaram uma visão positiva da ciência e da tecnologia.
Em 1957, a NASW perguntou se o mundo estava melhor ou pior por causa das ciências. 88% responderam que estava melhor. Nas pesquisas de 1997 e 1999 dos SEI da NSB, o mesmo valor foi encontrado (Figura 3).
Em relação à afirmação: "a ciência e a tecnologia estão tornando nossas vidas mais saudáveis, fáceis e confortáveis", em 1957, 94% concordavam; em 1979, 81%; aumentando gradativamente para 90% em 1999 (Figura 3).
Concordaram com a afirmação: "Por causa da ciência e tecnologia, a próxima geração terá mais oportunidades", 3/4 dos americanos em 1985 e mais de 80% ao longo da década de 1990.

Reservas e preocupações em relação à ciência e tecnologia (Reservations and concerns about science and tecnology)
A percepção de benefícios e riscos não são dois extremos de um contínuo, mas dimensões separadas - e negativamente correlacionadas no caso dos EUA.
Concordaram com a frase: "A ciência faz com que a vida mude rápido demais", 40% em 1957, mais de 50% em 1979, caindo para cerca de 40% ao longo da década de 1990. (Figura 3)
Concordaram com a frase: "Dependemos demais da ciência e de modo insuficiente da fé", cerca de metade dos americanos em 1957. Ao longo do tempo houve flutuações, mas o padrão se manteve.


Compatibilização entre benefícios e reservas (The reconciliation between benefits and reservations)
Miller et al. (1997) verificaram a relação entre as percepções entre os benefícios da ciência e da tecnologia e as preocupações a respeito de seu impacto nos EUA, no Canadá, na União Europeia e no Japão. Nas quatro regiões ambos os fatores comportaram-se como dimensões distintas. Nos EUA e no Canadá, houve uma correlação negativa moderada: -0,6. Na Europa e no Japão, uma correlação negativa fraca: -0,11.
Desde 1981, pergunta-se se os "benefícios da pesquisa científica superam os resultados prejudiciais" ou se "os resultados prejudiciais da pesquias científica superam os benefícios". Em 1981, 70% consideraram que os benefícios são maiores do que os prejuízos; em 1999, 75% tinham a mesma opinião. (Figura 4)


Apoio à pesquisa científica (Support to scientific research)
Desde 1981, pergunta-se se os gastos *governamentais* são muito altos, muito baixos ou na medida para a *condução de pesquisas científicas*. Cerca de 1/3 dos americanos acham que o governo investe muito pouco; 45% acham que a quantia é a correta; 14% acham que o gasto é excessivo.
Desde 1985, pergunta-se se concorda ou não com a afirmação: "Mesmo que não traga benefícios imediatos, a pesquisa científica que expande as fronteiras do conhecimento é necessária e deve ser financiada pelo governo federal". Cerca de 80% têm concordado.

Fatores associados à compreensão da pesquisa científica (Factors associated with understanding scientific research)
Considerando-se a alfabetização científica cívica (civic scientific literacy) como a que permite aos cidadãos acompanharem a seção de ciências do New York Times, compreender os episódios de Nova ou a maioria dos livros de divulgação científica nas prateleiras, Miller considerou todos os construtos acima mencionados como medida dessa alfabetização.
Por esse critério, 10% dos adultos eram cientificamente alfabetizados ao fim da década de 1980 e 17% em 1999. (Figura 5.) Um aumento maior do que o observado no Canadá, Europa e Japão.
A Figura 6 mostra a influência de alguns fatores no grau de alfabetização científica do indivíduo. Número de isciplinas científicas na faculdade (0,53), aprendizagem informal (0,30 - inclui a leitura de revistas, jornais, visita a museus de ciências, sítios web científicos, uso de computadores e bibliotecas) e escolaridade (0,19) estão positivamente correlacionas com a alfabetização científica. Sexo feminino (-0,24) e idade (-0,24) estão negativamente correlacionados. Ter filhos pequenos não tem efeito significativo (0,02).
Os EUA são o único país fortemente desenvolvido com disciplinas obrigatórias de educação geral nos cursos superiores. No Japão e na Europa, pode-se graduar em humanidades sem disciplinas científicas. Para o autor, ter disciplinas científicas nos cursos superiores parece explicar um grau um pouco mais elevado de alfabetização científica entre adultos americanos em comparação com o Japão e a Europa.


O que é necessário saber
1. A questão central sobre a aprendizagem dos adultos a respeito da pesquisa científica é a mudança no conhecimento e no comportamento. Há pouca informação a respeito da procura, retenção e uso da informação por adultos. Não faltam teorias e modelos para isso. A maioria dos estudos são do tipo seção de cortetransversal (cross-sectional): i.e. verifica-se um grupo de pessoas em diferentes condições em um mesmo instante. São necessários mais estudos longitudinais: i.e. que acompanhem grupos de pessoas ao longo do tempo.
2. Não está claro por que o impacto da educação científica pré-universitária é tão baixo no comportamento e desempenho posterior dos adultos.
3. É muito importante acompanhar o impacto da tecnologia da informação no desenvolvimento da alfabetização científica, biomédica e na compreensão pública da pesquisa científica.
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Divagação científica: divulgando ciências cientificamente 12 (parte 1 de 2)

Jon D. Miller publicou em 2004 um estudo em que analisa o entendimento público de ciências bem como sua atitude em relação às ciências nos EUA com base em dados de 40 anos: no período que vai de 1957 a 1999. O quadro não é muito animador. A despeito dos esforços feitos em educação e divulgação de ciências no país no período, os resultados alcançados foram bastante modestos. Divido minhas anotações em duas partes. Segue a parte 1 abaixo.

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Miller, J.D. 2004. Public understanding of, and attitudes toward, scientific research: what we know and what we need to know. Public Understand. Sci. 13: 273-94. doi: 10.1177/0963662504044908

Compreensão (understanding)
Termo amplo que vai de uma ideia elementar sobre o significado de algo (ou como algo funciona) à compreensão profissional profunda de um conceito ou construto no contexto total de seu campo. Miller considera todos os níveis, mas foca mais em um nível de compreensão para se acompanhar os textos jornalísticos das páginas de ciências do New York Times.

Pesquisa científica (scientific research)
No artigo, Miller considera toda a pesquisa científica da básica à aplicada, mas desconsidera a manufatura ou aplicação de conhecimento científico no desenvolvimento de um produto específico de consumo. Desenvolvimento da teoria, teste de teoria, experimentação, falsificação e questões correlatas são consideradas.

Compreensão da natureza da pesquisa e estudos científicos (understanding of the nature of scientific study and inquiry)
Em 1957, a National Association of Science Writers (NASW) encomendou uma pesquisa com cerca de 1.800 adultos americanos. Perguntou-se: "Algumas coisas são estudas cientificamente; outras, de outro modo. De seu ponto de vista, o que significa estudar alguma coisa cientificamente?"
(Responderam: 10% - usar um método experimental ou outro método rigoroso; 4% - abertura de mente, ceticismo e suspensão de julgamento.)
Em 1979, a National Science Foundation (NSF) encomendou uma nova pesquisa para o relatorio Science and Engineering Indicators (SEI) da National Science Board (NSB). Perguntou-se: "Algumas coisas são estudas cientificamente; outras, de outro modo. Você diria que você tem um entendimento claro do que significa estudar algo cientificamente, uma ideia geral do que isso significa ou não tem nenhuma compreensão de seu sigificado?" Para os que responderam ter uma compreensão clara, perguntou-se também: "De seu ponto de vista, o que significa estudar algo cientificamente? (Use suas próprias palavras.)"
Fazendo-se um conjunto independente de codificação das respostas, considerou-se que: 12% das respostas foram satisfatórias em 1957 e 14% em 1979. Várias outras pesquisas foram realizadas - em 1999, 21% das respostas foram consideradas satisfatórias. (Figura 1.)

Compreensão sobre experimentos (Understading of experimentation)
Em 1993, a National Institutes of Health (NIH) realizou o Biomedical Literacy Study, incluindo a seguinte pergunta: "Agora, por favor, pense nesta situação. Dois cientistas querem saber se uma certa droga é eficaz contra pressão alta. O primeiro cientista quer aplicar a droga em 1.000 pessoas com pressão alta e ver quantos têm a pressão diminuída. O segundo cientista deseja aplicar a droga em 500 pessoas com pressão alta e não aplicar em outras 500 pessoas com pressão alta e ver quantas pessoas em cada grupo têm a pressão diminuída. Qual é a melhor maneira de se testar a droga? Por que desse modo é melhor?" A mesma questão foi feita entre 1995 e 1999 para os SEI da NSB.
Em 1995, 69% dos respondentes escolheram o formato de dois grupos. Mas destes - correspondente a 40% do total dos entrevistados - responderam que o formato de dois grupos é melhor porque se a droga for letal irá matar menos pessoas dessa forma. 12% escolharam o formato de dois grupos e explicaram a lógica do grupo de controle. Outros 14% escolheram o formato de dois grupos por questão de comparação, mas não apresentaram a lógica do grupo de controle. 1% escolheu o formato de dois grupos, explicaram a lógica do grupo de controle, mas disseram que não seria eticamente aceitável negar o medicamento para pessoas doentes.
Em 1993, foram considerados que 22% das respostas apresentavam boa noção de experimentação; em 1999, esse número foi de 35%. (Figura 1.) (O autor credita esse crescimento ao aumento do número de pessoas com educação superior e ao aumento da cobertura da mídia sobre assuntos relacionados à saúde.)

Compreensão de probabilidade (Understading probability)
Apresenta-se uma situação em que o médico "diz a um casal que a constituição genética deles significa que há uma chance em quatro de que tenham uma criança com uma doença hereditária" e as opções são:
a) Se tiverem apenas três filhos, eles não terão a doença;
b) Se a primeira criança tiver a doença, os próximos três não terão;
c) Cada um dos filhos do casal tem a mesma chance de ter a doença;
d) Se as três primeiras crianças não tiveram a doença, a quarta terá.
Em 1988, 57% dos americanos escolheram a resposta correta. Houve pouca variação desde então. O autor conclui que o aumento da exposição à reportagens que incluem conceitos probabilísticos tem pouco influência no nível de compreensão. (Figura 1.)

Rejeição da astrologia como ciência (Rejection of astrology as scientific)
Perguntou-se se a astrologia era: "totalmente científica, parcialmente científica, nem um pouco científica". Em 1988, 60% dos adultos americanos responderam que a astrologia não era nem um pouco científica, números que variaram pouco ao longo dos anos. (Figura 1.)


Compreensão de construtos científicos específicos (Understanding specific scientific constructs)
Moléculas, composição da matéria
Perguntou-se se o entrevistado tinha um entendimento claro, uma ideia geral ou nenhuma compreensão a respeito de molécula. Aos que disseram ter um entendimento claro, pediu-se que explicassem o conceito usando as próprias palavras.
Em 1997, 11% responderam corretamente; em 1999, 13%. (Muitos não sabiam se moléculas eram compostas de átomos ou se o inverso era verdadeiro. Alguns sabiam que as moléculas eram pequenas e componentes básicos da matéria, mas não além disso.)
Universo, sistema solar e astronomia
Em 1986, Lightman e Miller perguntaram (os resultados seriam publicados em 1989): "Você diria que o Sol é um planeta, uma estrela ou outra coisa?". 50% responderam corretamente. Apenas 24% disseram que o universo está atualmente em expansão. Ao longo da década de 1990, nas pesquisas da NSB, cerca de 1/3 dos americanos consideraram que o universo "começou com uma grande explosão"*, 1/3 rejeitavam a idéia e outro 1/3 não sabia dizer se o construto era ou não verdadeiro. (O autor considera que a rejeição esteja ligada à questões religiosas.)
Cerca de 1/2 dos americanos dizem que a Terra gira ao redor do Sol uma vez por ano. 1/5 que o Sol gira ao redor da Terra. 14% dizem que a Terra gira ao redor do Sol uma vez por dia. (Figura 2.)
ADN e herança
Cerca de 40% dos adultos americanos são capazes de dar uma resposta satisfatória para o conceito de ADN. Em 1990, 24% incluíam a hereditariadade entre os papéis do ADN. Em 1999, 29%. (Figura 2). O autor considera que esse aumento se deu pelo aumento da importância da compreensão do ADN para o entendimento de doenças e saúde e pela melhoria da cobertura da mídia.
Radiação e energia nuclear
10% dos adultos americanos são capazes de dar uma definição satisfatória para radiação. Em perguntas abertas, 11% respondem em termos de emissão de energia na forma de partículas ou de ondas a partir de um material ou fonte. 26% são capazes de citar uma fonte de radiação, mas não de explicá-la. 10% são capazes de dizer os efeitos da radição, mas não nomear uma fonte ou de explicá-la. Desde 1990 esse padrão de respostas se mantém estável. (Figura 2.)

Compreensão de pesquisas ou projetos científicos atuais (Understanding current scientific research or projects)
Pesquisa da genética do mal de Alzheimer
80% fariam testes genéticos para ver a propensão a desenvolver o mal de Alzheimer (Neumann et al, 2001). Não havia até a data da elaboração do estudo nenhuma pesquisa sobre a grau de compreensão pública a respeito da doença e da pesquisa relacionada.
Alimentos geneticamente modificados
Em 2001, 56% dos adultos americanos relataram não ter ouvido nada ou ter ouvido muito pouco sobre o uso de biotecnologia na produção de alimentos.
Em 1997-1998, 10% dos adultos americanos achavam que tomates comuns não possuiam genes; 45% respodenram que não sabiam; 45% responderam que havia genes (Miller 1998b, 1998c). 1/3 respondeu ser possível transferir genes de plantas para animais.
61% responderam que ingerir frutas modificadas geneticamente não alteravam os genes do consumidor.
Visão do universo através do telescópio Hubble
O autor lamenta a inexistência até a data da publicação do estudo de pesquisas sobre o impacto das imagens obtidas pelo telescópio na compreensão pública a respeito do universo.
Pesquisa sobre aquecimento global e mudanças climáticas
Estudos preliminares em 1994 indicavam que as pessoas tentavam explicar a questão das mudanças climáticas globais a partir de suas experiências próprias com o tempo local. Elas também confundiam a questão do buraco da camada de ozônio com a do aquecimento global.
Em estudos de 1998 e 2001 com perguntas diretas, 2/3 concordavam que o CO2 era o principal responsável pelo aquecimento global; 52% que o aquecimento global pode levar ao aumento do nível dos oceanos e 69% que o tempo poderá se tornar mais turbulento nos próximos 100 por causa do aquecimento global. (O autor observa que os resultados de 1994 com questões abertas sugerem que parte dessa concordância seja sem maior substância ou conhecimento.)

Compressão de produtos ou resultados específicos da pesquisa científica (Understanding of specific products or results from scientific research)
Antibióticos
Em 1988, 26% responderam que antibióticos não matam vírus; wm 1999 foram 45%. (Figura 2)
Laser
"Lasers funcionam pela focalização de ondas sonoras", em 1988, 36% indicaram a frase como falsa, em 1999, 43%. (Figura 2)
Computadores e Internet
Em 1985 e em 1995, pediu-se para definirem "programa de computador" ("computer software"). 28% responderam em ambas as ocasiões como "instruções para computadores".
Em 1997 e 1999, pediu-se para definerem "internet". Em 1997, 13% caracterizaram como rede mundial de computadores capazes de se comunicar entre si. Em 1999, 16% responderam dessa forma. Nas duas ocasiões, 40% disseram que a internet era uma conexão eletrônica com informação ou com uma biblioteca, mas não mencionaram ligação entre computadores. Mais de 45% não conseguiram dar nem mesmo uma descrição genérica.



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Obs: *É uma simplificação errônea a respeito do Big Bang de qualquer modo.

Parte 2.

quarta-feira, 21 de julho de 2010

Filhos brancos de pais negros: o que Mendel tem a nos dizer?

Mais um caso de filho branco (no caso, uma filha) de pais negros.

G1: Filha com pele branca e olhos azuis de casal negro intriga especialistas. "Nascida em Londres, 'Nmachi' é filha de pais nigerianos. Albinismo e mutação genética exclusiva são explicações possíveis."

Nem tão remotamente no tempo, outros casos foram noticiados. Ano passado houve um caso no Rio de Janeiro.

G1: Bebê branco de pais negros será registrado na próxima segunda-feira. "Segundo casal, eles estavam aguardando resultado do exame de DNA. Criança continuará a se chamar Gabriel, em homenagem ao anjo."

(Um dado sociológico curioso é a associação de anjos com bebês de pele clara...)

No caso brasileiro é facilmente explicável pela genética mendeliana - no Brasil há uma miscigenação relativamente intensa, como a cor da pele é uma característica multigênica aditiva, há uma probabilidade baixa, mas não nula de que um casal de pele escura gere filhos de pele clara (como a cor dos olhos e do cabelo também dependem da melanina como a cor da pele, são características interligadas).

Considere um único loco gênico: um casal heterozigótico Aa x Aa. Considerando-se uma herança dominante: 3/4 de chance de gerar um filho A_ (negro) e 1/4 de gerar um filho branco (aa). Se for em dois locos: AaBb x AaBb: 1/16 chance de gerar um filho branco (aabb). As chances são dadas pela fórmula: (1/4)^n, em que n é o número de locos, de que o filho herde somente alelos recessivos (podemos afrouxar a restrição - desde que um número baixo de alelos sejam dominantes, o efeito total será pequeno, assim a probabilidade aumenta um pouco).

Isso explica tanto a raridade do evento como sua ocorrência esporádica.

Na Nigéria aparentemente a miscigenação não é tão intensa. Mas ainda assim não causa surpresas - surpresa seria se a taxa fosse elevada (maior do que a que seria esperada pela genética e pelas leis da probabilidade).

O bebê nigeriano não aparenta ser albino - seu cabelo não é totalmente branco, mas loiro, o que indica um certo nível de melanina. Mutação genética exclusiva pode ocorrer, mas não é uma explicação necessária (ela se torna viável se a probabilidade de ocorrer a herança de um conjunto grande de alelos recessivos for muito mais baixa do que a taxa de mutação no loco adequado).

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Até mais, SBBr

Foi um tempo curto, mas bastante gratificante; estou, porém, fora do SBBr. Enviei o email abaixo aos coordenadores.

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De: Roberto Takata (rmtakata@xxxx)
Enviada: quinta-feira, 15 de julho de 2010 19:07:05
Para: oatila@xxx; carlos.hotta@xxx

Caros Carlos Hotta e Átila Iamarino,

Por motivos pessoais irei me desligar do SBBr.

Queria agradecer muitíssimo a oportunidade oferecida. Foi realmente muito gratificante estar entre pessoas tão capacitadas.

Não quero de modo algum parecer ingrato - por favor, se eu puder ajudá-los de algum outro modo, avisem-me.

Mais sucesso ainda ao Scienceblogs Brasil.

Grande abraços,

Roberto Takata

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Longa vida aos Sciencebloggers. (Sim, eu deveria ter escrito "grande*s* abraços", talvez tenha mais algum erro de português. Não se acanhem - sim, solitário leitor deste blogue, eu deveria dizer "acanhe" no singular - em denunciar meus desvios ortográficos e gramaticais.)

quarta-feira, 14 de julho de 2010

Macacada desunida

ResearchBlogging.orgA Folha Online reproduz notícia traduzida da France Presse.

Linhagem humana separou-se dos macacos antes do que se pensava
"O último ancestral compartilhado entre macacos e humanos viveu provavelmente entre 28 e 24 milhões de anos atrás, alguns milhões de anos depois do que se pensava."

O original, reproduzido pelo Yahoo!News, conta uma história bem distinta:
Human lineage split from monkeys later than thought: study

Antes vamos dar espaço para a patrulha purista vocabular. Em inglês, há a distinção entre monkey e apes. Monkey são macacos com cauda. É um termo não-taxonômico - agrupa os platirrinos (macacos do Novo Mundo - macaco-aranha, bugio, saguis, micos...) e parte dos catarrinos: cercopitecóides (macacos de cauda do Velho Mundo - macaco-verde, cólobo, reso...). Ape designa macacos sem cauda (ou de cauda curta): os hilobatídeos (gibões e siamango) e os hominídeos (orangotando, humanos, chimpanzés, bonobos e gorilas). (Figura 1.)


Figura 1. Filogenia de primatas.

Em português não há essa distinção. Macacos (e símios) referem-se a todos esses grupos (com exceção de humanos). Então alguém que lesse a notícia em português ficaria espantado: já que Lucy e outros australopitecinos são datados em cerca de 4 milhões de anos e Ardipithecus ramidus cerca de 4,4 milhões de anos. Seria um salto gigantesco até os 24-28 milhões de anos.

O que o fóssil referido do Saadanius hijazensis, descrito por Zalmout et al. 2010, ajuda a datar é a separação entre monkeys e apes: na verdade, entre platirrinos e catarrinos cercopitecoides e hominoides*. E não entre homens e macacos. (Figura 2.)

Figura 2. Posição filogenética de Saadanius hijazensis. Fonte: Zalmout et al. 2010. www.nature.com

Agora, later é "mais tarde". A separação correu mais cedo ou mais tarde? Se os dados anteriores disponíveis eram genômicos e indicavam uma data de 29,2 a 34,5 milhões de anos atrás, 24-28 milhões de anos é um tempo mais tardio e não mais cedo. Mas, por outro lado, os paleontólogos estimavam a divergência cercopitecoidea/hominoidea entre 23 e 25 milhões de anos atrás. O intervalo 24-28 milhões de anos é um pouco mais cedo - ainda que sobreposto parcialmente. Porém, como um fóssil registra o tempo máximo de divergência, não é impossível que fósseis mais antigos sejam encontrados e o tempo recue para o intervalo apontado pelos dados genéticos.

Em suma
Quem
: grupo de pesquisadores dos EUA e da Arábia Saudita.
O quê: Fóssil de Saadanius hijazensis (do. ár. saadan, macaco e Al Hijaz, província ocidental da Arábia Saudita onde o material foi descoberto) - material cranial parcial.
Importância: preenche uma lacuna no registro fóssil entre os propliopitecóides (de 30-35 milhões de anos atrás) e os hominóides mais antigos (proconsulídeos de cerca de 23 milhões de anos atrás).

Referência
Zalmout, I., Sanders, W., MacLatchy, L., Gunnell, G., Al-Mufarreh, Y., Ali, M., Nasser, A., Al-Masari, A., Al-Sobhi, S., Nadhra, A., Matari, A., Wilson, J., & Gingerich, P. (2010). New Oligocene primate from Saudi Arabia and the divergence of apes and Old World monkeys Nature, 466 (7304), 360-364 DOI: 10.1038/nature09094

Copirraite da figura 2: 2467870826872
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*Upideite(16/jul/2010): corrigido a esta data.

quinta-feira, 8 de julho de 2010

O polvo sabe...

Está causando sensação o polvo Paul do Aquário Sea Life, em Oberhausen, na Alemanha. Ele teria "predito" os resultados dos jogos da Alemanha na Copa 2010 e acertado todos (seis jogos) até aqui. Além de ter acertado quatro em seis nas partidas da Euro Copa 2008.

Seria uma interessante taxa de acerto de 83,33%. Compare-se com a taxa de 60% de acerto dos resultados da Copa 2010 entre jornalistas esportivos e de 40% de acerto por algoritmos estatísticos (aqui).

Cefalópodos são mesmo animais muito interesantes (veja outros aqui). São também bastante inteligentes. Certamente, não têm, no entanto, capacidade de predição - não por outra coisa, alheio que são à questão do futebol.

As chances de se acertar por acaso são de ou 33,33% (se considerarmos empate) ou de 50% (se considerar a classificação em jogo de mata-mata). Paul "previu" mais ou menos metade dos jogos em fase de grupos e metade em fase eliminatória - uma chance ao acaso composta de 41,67% mais ou menos. Em 12 jogos, seria de se esperar que, ao acaso, acertasse 5 e não 10. Uma chance de 0,3% desse desvio ser explicado pelo acaso (p ~ 0,0034). (Basta usar um teste bem simples chamado qui-quadrado para se obter esses valores de probabilidade.)

Vidência? Claro que não.

Paul "prevê" somente jogos da Alemanha (a exceção ficará - por conta do sucesso - para o jogo final da Copa 2010, entre Espanha e Países Baixos). O processo é simples: colocam-se mariscos dentro de duas caixas - cada caixa tem a bandeira de um dos dois países cujas seleções se enfrentarão - a caixa que Paul abrir é considerada a da predição para o vitorioso. Quase sempre Paul escolhe a caixa da seleção alemã - exceção foi exceções foram para o jogo da Copa 2010 entre Alemanha e Espanha, e entre Alemanha e Sérvia em que escolheu a caixa da Espanha e da Sérvia* e "acertou"***.

Há vários truques possíveis. O fato de escolher quase sempre a Alemanha pode ser um indicativo de que Paul foi treinado ou aprendeu a dar preferência para a caixa com a bandeira germânica: polvos têm ótima visão.

Considere o desempenho da seleção alemã em Copas do Mundo: 55 vitórias em 92 jogos; na Euro Copa: 19 em 38. Um desempenho composto de 56,9% de vitórias. Com essa probabilidade, o esperado seria de 6,8 vitórias em 12 partidas. Então, o esperado seria que Paul acertasse cerca de 7 vezes em 12. A probabilidade de, por acaso, acertar 10 em 12 é de 6,5% - se aplicarmos o corte tradicional de 5% como limite para aceitar a hipótese do acaso, então não rejeitamos a hipótese de que Paul acertou por pura sorte**,****. E jornalistas esportivos não precisam ficar tão preocupados em perder emprego para alguém mais simpático. (E nem precisam esperar para que os torcedores alemães desapontados com a eliminação da Alemanha - como "predito" pelo cefalópodo - diante da Espanha consigam o intento de transformá-lo em uma iguaria. Sério, polvos são animais inteligentes, não deveriam ser devorados - por mais deliciosos que sejam.)

Bom notar que estou aqui especulando que Paul foi treinado ou aprendeu a escolher quase sempre a caixa com a bandeira da Alemanha.

*Upideite(08/jul/2010): Fernando Kendi me corrige nos comentários, de fato, Paul escolheu a caixa da Sérvia também contra a Alemanha na Copa 2010 - jogo em que o time sérvio saiu vencedor.
**Upideite(08/jul/2010): Mais precisamente, seriam esperados (0,569*10 + 0,431*2) = 6,55 acertos em 12. Nesse caso, a probabilidade cai para 0,046 (=4,6%) para que o desvio seja totalmente ao acaso. Como o valor de 5% é um tanto quanto arbitrário e a proporção de vitórias é uma estimativa um tanto grosseira, parece-me ainda um número suficientemente próximo para merecer rejeição. Mas os fãs do Paul (tal qual eu) poderão ter um restinho de esperança. Recalculemos após os jogos finais.****
***Upideite(09/jul/2010): Talvez não seja uma coincidência que Paul tenha escolhido outra bandeira no caso dos jogos contra a Sérvia e contra a Espanha, as bandeiras dos dois países, como da Alemanha, são compostas por três faixas horizontais. No jogo da final entre Espanha e Países Baixos, ele escolheu Espanha, e na disputa pelo terceiro lugar, entre Uruguai e Alemanha, escolheu, novamente, a Alemanha. Octopus vulgaris não possuem visão colorida aparentemente.

Upideite(09/jul/2010): Fazendo um acochambramento estatístico de que Paul escolheria ao acaso entre Espanha e Países Baixos, as probabilidades de todos os acertos serem ao acaso será aproximadamente de: 1,9% se acertar os dois jogos, de 7% se acertar apenas um (varia se ele acertar um ou outro jogo, mas consideremos aqui que a diferença não será grande), de 20,2% se ele errar os dois jogos. (Não considere esses números a ferro e a fogo, houve diversas suposições - que considero razoáveis, mas não garantidas.)

****Upideite(11/jul/2010): Não está correta também a minha análise que considera a *totalidade* da série de Paul. Isso porque Paul chamou a atenção justamente por ter acertado vários jogos na Euro Copa 2008. Os dados anteriores não devem ser considerados. Por quê? Certamente há várias tentativas de adivinhar os resultados, muitos que começam como brincadeira - incluindo as que se utilizam de animais (o jogo do realejo com aves tirando cartões com prognósticos é muito conhecido). Considerando-se unicamente o acaso, é de se esperar que 5% de todas essas tentativas acertem em um nível acima do que é estatisticamente significativo (considerando-se o corte tradicional de 5%). São justamente esses, que puro acaso acertam mais, chamam a atenção. Analisá-los levando em conta os resultados anteriores seria justamente usar os mesmos indícios que levaram à hipótese de que ele tenha algo de especial para testar se ele tem algo de especial. Recai em uma circularidade - ainda que parcial. Considerando-se apenas os resultados da Copa 2010 até aqui - incluindo o jogo do terceiro lugar, p = 3,7%. Se a seleção da Espanha ganhar - a final está sendo disputada agora - p = 2,2%. Se os jogadores dos Países Baixos vencerem - p = 11,0%.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Free Leviathan: parente da cachalote comia mesmo baleias?

ResearchBlogging.orgUma equipe europeruana de pesquisadores publicou uma descrição de um fóssil de baleia de dentes na revista Nature (Lambert et al. 2010).

Alguns título de notícias referindo-se ao achado:
Discover/Not Exactly Rocket Science: Behold Leviathan: the sperm whale that killed other whales
Estadão: Início do conteúdo Descoberto fóssil de baleia pré-histórica que devorava outras baleias
Folha Online: Cachalote gigante de 12 milhões de anos se alimentava de outras baleias

A nova espécie, batizada de Leviathan melvillei em referência ao monstro marinho bíblico Livyatan e também ao novelista americano criador de Moby Dick, Herman Melville foi identificada como pertencendo à mesma superfamília das cachalotes. É o maior fóssil do grupo já encontrado, mas seu tamanho estimado - entre 13,5 e 17,5 m de comprimento - é menor do que o das cachalotes atuais de maior tamanho - podendo chegar a cerca de 18 m de comprimento.

Mas o que chamou a atenção dos cientistas foi o tamanho dos dentes - alguns com mais de 36 cm de comprimento, contra cerca de 16 cm dos maiores dentes de cachalote. Dentes similares já eram conhecidos, porém é primeira vez que se encontra um crânio associado. A conformação do crânio (focinho mais curto e robusto) e dos dentes (relativamente grandes, pontiagudos, presentes nas maxilas superior e inferior e que se encaixam) lembram mais um predador do tipo orca - que caça focas, golfinhos, tubarões e baleias - do que do tipo cachalote - que se alimentam de lulas-gigantes a grandes profundidades.

Escrevem os autores: "Functionally able to feed on other groups of marine animals, including large fish, pinnipeds and odontocetes, Leviathan may have predominantly preyed on higher-energy content medium-size mysticetes, which would have provided the large amount of fat required to fulfil the high caloric demands of this huge endothermic aquatic predator". É um chute, um bom chute, mas não muito mais do que um chute que tenham se alimentados de baleias. Colocar isso no título e do modo como foi publicado em sites e jornais passa uma ideia de certeza que não há.

Na região em que se encontrou o fóssil - onde atualmente é o deserto de Pisco-Ica, no Peru -, há fósseis de baleias de barbatana de 5 a 18 metros de comprimento. Mas também há fósseis de tubarões gigantes. Não poderia o leviatã ter se alimentado de tubarões? (Sim, não são opções mutuamente excludentes.) Infelizmente apenas o material cranial foi descrito. O esqueleto pós-craniano poderia fornecer pistas sobre, por exemplo, a velocidade de nado do animal. Isso poderia sustentar ou refutar hipóteses a respeito do tipo de presas. Ou se, melhor ainda, houvesse vestígios da última refeição na região abdominal (infelizmente tais fósseis são bastante raros - ainda que haja um punhado deles no registro conhecido com conteúdo gastrointestinal preservado).

Outro detalhe é que possivelmente os autores terão que modificar o nome escolhido. Leviathan é um nome bom demais para ter escapado por tanto tempo de uso pelos paleontólogos. Esse gênero foi aplicado por Albert Koch em 1841 a uma espécie de mastodonte - originalmente grafou erroneamente como Levathan, mas corrigido em seguida. Mesmo que a espécie depois tenha sido transferida para o gênero Mammut, o nome não é liberado pelas regras da nomenclatura zoológica.

Referências
Koch, A. 1841. Description of the Missourium, or Missouri Leviathan; together with its supposed habits. And Indian traditions concerning the location from whence it was exhumed: also, comparisons of the whale, crocodile and Missourium, with the Leviathan, as described in the 41st chapter of the Book of Job. 2nd edition. Prentice and Weissinger, printers, Louisville, KY.

Lambert, O., Bianucci, G., Post, K., de Muizon, C., Salas-Gismondi, R., Urbina, M., & Reumer, J. (2010). The giant bite of a new raptorial sperm whale from the Miocene epoch of Peru Nature, 466 (7302), 105-108 DOI: 10.1038/nature09067

Upideite(26/ago/2010): O novo nome da baleia é Livyatan.

domingo, 4 de julho de 2010

"O maior erro da minha vida"*

Quem nunca errou? Cientistas e filósofos também erram - e, como dizem, quanto maior a altura maior a queda: seja a altura da grandeza científica e intelectual de quem diz, seja o tamanho da barbaridade dita. Esta é mais uma postagem com compilações temáticas: frases definitivas de cientistas e pensadores afirmando ou negando veementemente alguma coisa para depois mostrar-se que estavam redondamente enganados.

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"Quão triste, não é?, ver toda uma cidade tentar validar um conto popular... o leitor filosófico tirará suas próprias conclusões a respeito deste documento, que dá fé a um fato aparentemente falso, um fenômeno fisicamente impossível" - Pierre Berthelon, editor do Journal des Sciences Utiles, em 1791, a respeito de um documento assinado pelo prefeito e vereadores da cidade de Agen dizendo que 300 cidadãos viram a queda de uma bola de fogo (meteorito) do céu. Resultados de análises químicas publicados em 1802 por Edward Howard, químico britânico, e Jacques-Louis de Bournon, mineralogista francês, convenceram os cientistas da origem extraterrestre dos meteoritos.

"Jamais poderemos, por nenhum meio, investigar sua composição química" - Auguste Comte, filósofo francês, em 1842, sobre a possibilidade de se descobrir a natureza das estrelas. Em 1859, Gustav Kirchhoff, fisico alemão, iniciou o desenvolvimento da espectroscopia, vindo a descobrir a composição do Sol e de outras estrelas.

"Essa conclusão não afetou o desenvolvimento posterior da física e, provavelmente, jamais afetará" - Abraham "Bram" Pais, físico quântico teórico neerlandês, em 1982, a respeito do experimento mental EPR; no mesmo ano Alain Aspect, físico francês, publicou um experimento - baseado na inequação de Bell, que demonstrava que a conclusão de Einstein estava errada, demonstrando a validade dos princípios da mecânica quântica.

"Em pouco anos, todas as principais constantes físicas terão sido aproximadamente estimadas e... a única ocupação que restará aos cientistas será conduzir essas medições para outra casa decimal" - James Clerk Maxwell, físico inglês, 1871, em uma aula inaugural na Universidade de Cambridge. Três anos depois, Max Planck, físico alemão, anunciaria sua fórmula da radiação do corpo negro, um dos primeiros trabalhos que abriria a fronteira da mecânica quântica. Mas Maxwell não estava sozinho nessa opinião equivocada: "As leis e os fatos mais fundamentais das ciências físicas foram todos descobertos e estão tão firmemente estabelecidos que a possibilidade deles virem a ser suplantados em consequência de novas descobertas é extramemente remota" - Albert Michelson, físico americano, 1894, 1897 ou 1899 (encontrei variação na data atribuída - mas Lagemann 1959 joga um grão de sal nessa citação), em 1905, Einstein lançaria as bases da Teoria da Relatividade (por maior ironia, um dos trabalho de Michelson, em conjunto com Morley, teria um importante papel nessa teoria).

*"O maior erro de minha vida", foi o que declarou Einstein sobre a constante cosmológica quando ficou claro que o Universo estava em expansão. A constante cosmológica foi introduzida nas equações da relatividade geral de modo a cancelar o efeito global da atração gravitacional e impedir que um universo estático se colapsasse - com um universo em expansão tal constante não seria necessária. Mas mesmo nos erros grandes cientistas podem ser produtivos: a ideia da constante cosmológica - ou sua variação como a quintessência - foi resgatada com a descoberta de que o Universo provavelmente não está apenas de expandindo como essa expansão está acelerada. (Vide, p.e. Filippenko 2001.)
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São exemplos que mostram o perigo de afirmações peremptórias, de posições dogmáticas e mostram também caráter dinâmico do conhecimento científico. Mas não significam que qualquer contestação ao que se tem por bem estabelecido hoje é válida ou deva ser levada muito a sério: sim, teorias caem, porém não apenas por palavras de dúvida em relação à validade delas e, sim, por dados experimentais contrários às suas previsões (os dados de espectroscropia de estrelas, de análise química dos meteoritos, os resultados do experimento de Aspect...)

Referências:
Bertholon, P. 1791. Observation d'un globe de feu. Jour. des Sci. Utiles 4, 224-228.
Comte, A. 1842. Cours de philosophie positive.
Filippenko, A.V. 2001. Einstein’s Biggest Blunder? High‐Redshift Supernovae and the Accelerating Universe. Publications of the Astromonical Society of the Pacific 113: 1.441-8.
Lagemann, R. 1959. Michelson on measurement. American Journal of Physics 27(3): 182-4.
Pais, A. 1982. Subtle is the Lord. The science and the life of Albert Einstein, Oxford: Clarendon.

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