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quinta-feira, 26 de março de 2009

Ruth de Aquino responde 5

E vamos mais uma vez, primeiro o comentário de um leitor:

Osame Kinouchi | SP / Ribeirão Preto | 25/03/2009 23:10
Amostra de 21 pessoas nao e pouco!
Usando um teclado sem acentos, sorry! Se eu dou uma droga para 21 jovens e 18 deles morrem nas proximas 24 horas, eu posso concluir (probabilisticamente) que a droga eh perigossa, mesmo que a amostra seja pequena e que existe a possibilidade das mortes nao terem relacao alguma com a droga (ess possibilidade sempre existe). E afinal, como ouve tres sobreviventes, o cetico pode argumentar que tudo ocorreu por acaso. Mas a estatistica de pequenas amostras eh uma area bem desenvolvida, e sabe quantificar essas probabilidades. Talvez Ruth, com seu ceticismo, desse a droga para seus filhos, afinal pesquisa com 21 pessoas eh irrelevante. E os demais leitores? A pesquisa citada por Cristovao Lopes 'e mais uma evidencia a favor da Psicologia Evolucionaria, que esta derrubando decadas de uma psicologia tipo tabula rasa (Skiner e esquerdistas romanticos). Uma tese que diz que os homens usam o poder para obter sexo enquanto as mulheres usam o sexo para obter poder. Se isso eh conhecimento trivial, entao porque as feministas dos anos 60-70 negavam isso em absoluto, dizendo que tudo era cultural?
Seguido da resposta de Aquino:
ruth de aquino | RJ / Rio de Janeiro | 26/03/2009 06:42
UM DETALHE?
Caros leitores, só para esclarecer, porque muitos aqui dizem que sou "pretensamente ateia", o que pode significar qualquer coisa, mas não passa de fantasia ou especulação. Sou agnóstica, não ateia. E como fica esquisito "ateia" sem acento, não? Não sei qual pesquisa levou os linguistas a aprovar essa reforma ortográfica inútil. CARO OSAME, não se preocupe com a falta de acentos...isso é bobagem. Mas, nunca precisei ler pesquisa para saber se deveria dar droga para meus filhos...Fico impressionada com as conclusões que pesquisadores tiram de simples opiniões e pontos de vista. Mas fazer ressonância magnética para 'descobrir' o que é senso comum ou o que é absurdo ('GENES GAYS EXCITAM MULHERES), e não o mal que uma droga pode fazer, isso me parece perda de tempo e desperdício de dinheiro - que poderia ser usado para pesquisas bem mais relevantes. CARO JOAO FERREIRA, não é preconceituosa uma pesquisa que diz que irmãos de homossexuais são mais atraentes e transam mais do que irmãos de heterossexuais? Concordo com você, o preconceito é nocivo à sociedade. Rir porque uma pesquisa diz que 'pulgas em cães pulam mais que pulgas em gatos' não revela nenhum preconceito, mas senso de humor.
Ela continua a não ler direito o que os leitores escrevem: "Mas, nunca precisei ler pesquisa para saber se deveria dar droga para meus filhos..." O que o leitor Osame (do blog SemCiência) disse foi que um número amostral do tamanho de uns 20 indivíduos pode ser o suficiente para mostrar que um produto é danoso. A Sra. Aquino precisou de muitas pesquisas para mostrar que determinados produtos são danosos - como o DDT, que inicialmente se achava ambientalmente inerte; vários testes primários com substâncias candidatas a medicamentos, etc. Isto é, se ela não precisa ler pesquisa para saber que não se deve dar drogas aos filhos (entendendo-se aqui drogas como substâncias nocivas), ela precisou das pesquisas para saber que algo era uma droga.

Ainda na tecla: "Fico impressionada com as conclusões que pesquisadores tiram de simples opiniões e pontos de vista." O que na verdade caberia perfeitamente à Sra. Aquino. Pesquisadores fazem estudos em cima de opiniões com base em tratamento estatísticos dessas opiniões. Não com base unicamente em opinião pessoal. "Mas fazer ressonância magnética para 'descobrir' o que é senso comum ou o que é absurdo ('GENES GAYS EXCITAM MULHERES), e não o mal que uma droga pode fazer, isso me parece perda de tempo e desperdício de dinheiro - que poderia ser usado para pesquisas bem mais relevantes." Felizmente não cabe à Sra. Aquino dar um parecer a respeito do financiamento público ou privado das pesquisas. Claro, ela como cidadã tem todo o direito de ter opinião própria - apenas seria mais alentador se fosse uma opinião embasada, ainda que leiga (sim, leigos podem ter opiniões embasadas, desde que procurem estudar o assunto). E aqui podemos voltar ao argumento da autoridade: quem está mais preparado para avaliar a qualidade de uma pesquisa? Especialistas que estudaram profundamente a área ou uma jornalista que não tem nenhum conhecimento de causa? Um estudo planejado por um pesquisador com treinamento específico em sua área, que passa por um comitê formado por especialistas para conceder ou não financiamento e depois por pareceristas com amplo conhecimento de causa para decidir se o trabalho é ou não publicado em uma revista - enfim, o processo de revisão pelos pares (que continua depois da publicação, com críticas pela comunidade científica), embora não seja perfeito, tende a ser muito mais rigoroso e preciso do que a opinião da Sra. Aquino.

O fato da Sra. Aquino *achar* que este ou aquele estudo é irrelevante, não faz com que o estudo seja irrelevante. Quanto ao senso comum já foi plenamente argumentado que: 1) o resultado das pesquisas criticadas *não* são senso comum; 2) só se sabe se o resultado de uma pesquisa corresponde à noção anterior do senso comum *depois* de se ter tal resultado. De modo depreciativo podemos classificar a opinião da Sra. Aquino de "crítica de engenharia de obra pronta".

E como comentado no post "O roto e o rasgado", o que a Sra. Aquino classificaria de pesquisa irrelevante, em certos casos - há vários, depois de um tempo termina por se revelar de grande importância. Volto ao exemplo de Darwin com suas sementes em salmoura (uma importante peça da teoria da evolução por seleção natural); mas podemos falar da irrelevante pesquisa de Shannon que teorizava sobre a matemática da transmissão de sinais (que permite hoje a internet, a comunicação por satélites, televisão analógica e digital, celulares...), da mania de Conde de Buffon de jogar uma agulha sobre um papel pautado e anotar sua orientação (cuja modelagem levou a desenvolvimento de poderosas ferramentas estatísticas), dos cientistas do séc. 18 que brincavam com curiosos pedaços de rocha que atraía metais e de esfregar objetos entre si (que resultou no domínio da eletricidade e do magnetismo).

Ficar preso unicamente às necessidades atuais é um bom caminho para deixar de abrir novas perspectivas futuras. Nem todos os novos caminhos levam a algum lugar. Mas não sabemos de antemão que caminhos resultam em algo importante. O que podemos aplicar é uma lei da probabilidade, reservando uma pequena parte dos fundos disponíveis para financiar pesquisas que segundo a Sra. Aquino seriam irrelevantes ou insólitas. E a fração da grana investida nesses projetos é irrisória. É um exame racional de como dividir as aplicações de investimentos: há investimentos seguros (ou havia antes da crise financeira mundial), mas cuja rentabilidade é baixa; há investimentos mais ousados, porém de grande potencial de retorno. Diversificar a carteira tende a ser a melhor opção para ter uma expectativa de bom retorno a um certo prazo - sem arriscar demais o patrimônio.

Pergunta a jornalista: "não é preconceituosa uma pesquisa que diz que irmãos de homossexuais são mais atraentes e transam mais do que irmãos de heterossexuais?" A resposta é um sonoro não. São dados. O preconceito existirá independemente dos dados. Não há preconceito em afirmar que a pele dos negros é mais escura do que a dos brancos - muito menos se explicar que a diferença se deve à maior ou menor produção de melanina: o preconceito reside em dizer que ser negro é ruim. As mulheres gostam mais de irmãos de homossexuais do que de irmãos de heterossexuais? Que preconceito há em revelar isso? Aliás, pode ser interpretada de um modo favorável aos homossexuais: é bom ser irmão de homossexual!

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Rir porque uma pesquisa diz que 'pulgas em cães pulam mais que pulgas em gatos' não revela nenhum preconceito, mas senso de humor" - sim, rir de uma pesquisa dessas não é preconceito, mas *debochar* de uma pesquisa dessas *é* preconceito, ainda mais não tendo nenhum conhecimento de causa e descontextualizando o trabalho.

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