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domingo, 27 de dezembro de 2009

Divagação científica - divulgando ciências cientificamente 9

Não são dados diretamente comparáveis, mas podem dar um pouco mais de base às argumentações.

Um conjunto é de Kirby 2003a que mostra a evolução de número de filmes que usam consultoria científica na elaboração de seus roteiros. (Tabela 1.)

O outro conjunto é do "Science and Engineering Indicators" da National Science FoundationBoard que mostra a evolução da média das respostas corretas sobre temas científicos por residentes americanos. (Figura 1.)

Figura 1. Evolução do conhecimento científico entre os americanos. Fonte: NSB 2008.

Há várias interpretações possíveis - inclusive interpretações contraditórias - se nos basearmos unicamente nesses dados. Certamente há uma série de fatores afetando a questão da evolução do conhecimento público sobre ciências - investimento em educação, p.e.

Eu tendo a interpretar isso como a relativa desimportância da consultoria científica nos produtos culturais em relação à compreensão pública de ciências. À primeira vista isso pode soar como paradoxal no papel de *desinformação* atribuído a esses produtos culturais. Porém, se tivermos em mente o papel assimétrico da informação errônea em relação à informação correta (ou melhor dizendo, correta como considerada pela ciência contemporânea), o paradoxo se desfaz no nascedouro: o impacto negativo de uma informação errada é muito maior do que o impacto positivo de uma informação correta ou o impacto neutro de uma informação inexistente. Um conceito errado, uma vez formado, é muito difícil de se desfazer. (E ainda pode atrapalhar a formação de outros conceitos como demonstram os estudos já comentados na série: aqui, aqui e aqui.)

Ou como diz Kirby em outro trabalho (também de 2003b sobre consultoria científica em filmes): "By questioning the nature of fictional 'accuracy, ' I demonstrate that the scientific community’s focus on 'scientific accuracy' in fiction is flawed. Fictional film naturalizes both 'accurate' and 'inaccurate' science by presenting both as 'natural' via a perceptually realistic framework." O impacto final é apenas (ou principalmente) de legitimar *também* a desinformação. A separação do que é certo e do que é errado só é possível se o sujeito tem previamente o conhecimento a respeito do que é o certo, o que torna o meio inútil como divulgação/difusão se ocorre essa mistura.

Kinouchi em sua nova postagem no Semciência volta à questão do vocabulário. E tornamos ao início da conversa: irão aprender conceitos de modo errado, dificultando o trabalho posterior. A sequência proposta por Kinouchi: a) Nem ao menos errado; b) Errado; c) Menos errado; d) Menos errado - é barrada pelo fato de um conceito errado inibir sua própria correção.

Por outro lado, digamos que, por um meio mágico, a pessoa nunca ouviu falar em genes até o ensino médio. Haverá prejuízo à compreensão da pessoa quando finalmente ouvir o termo? Não. Ao longo de nossas vidas ouvimos milhares de expressões pela primeira vez. Reduzindo ao absurdo, teríamos que, para que possamos compreender uma palavra, precisaríamos ter ouvido falar nela antes, mas aí precisaríamos ter ouvido falar na palavra antes dessa primeira vez... Um pai (ou uma mãe), ao ensinar à criança um conceito de bola não vai fazer ela ouvir a palavra antes - digamos, balbuciar o vocabulário inteiro quando ela ainda está na barriga da mãe - simplesmente pega uma bola e diz: bola. Na verdade, a criança terá contato com a bola muito antes de ouvir a expressão bola.

Também é outra questão uma definição *parcial* apresentada de forma preliminar. Não está em discussão um conceito definido de modo incompleto - posto que não errôneo. O que está em discussão é a disseminação de conceitos *errados*.

Referências
Kirby, D.A. 2003a - Science consultants, fictional films, and scientific practice. Social Studies of Science 33(2): 231-68. Disponível em: http://online.kitp.ucsb.edu/online/resident/ouellette4/pdf/0.pdf
Kirby, D.A. 2003b - Scientists on the set: science consultants and the communication of science in visual fiction. Public Understanding of Science 12(3): 261-78. Disponível em: http://pus.sagepub.com/cgi/content/abstract/12/3/261
National Science Board 2008 - Science and Engineering Indicators. Disponível em: http://www.nsf.gov/statistics/seind08/

5 comentários:

Fernanda Poletto disse...

Oi, Takata

Suas análises estão excelentes!!! Há um tempo estou para sugerir: por que vc não participa do Research Blogging? Afinal, são ótimas discussões com referências explícitas - isso tem tudo a ver com o projeto.

Abraços, boas festas

Fernanda

none disse...

Oi, Fer,

Fiz minha inscrição no RB. Mas tem uma parte que pega: "4 - O autor do post deve ter lido e *compreendido* os trabalhos citados". Não há boas garantias de que eu tenha entendido - mesmo (ou principalmente) quando leio.

Mas grato pela visita e pelo elogio (imerecido, porém aceitos : ) )

Ótimas festas pra vc também.

[]s,

Roberto Takata

Osame Kinouchi disse...

Takata,

Pelo que estou entendendo, o seu argumento principal é que a aprendizagem informal não é "suficiente" para a aprendizagem correta de um conceito científico. Nisso eu concordo inteiramente.

Você também diz que a aprendizagem informal não é "necessária" para essa aprendizagem correta. Eu posso conceder isso.

Nenhuma das duas afirmativas implica em que a aprendizagem informal não contribua ou não seja um facilitador da aprendizagem formal.

Então, você fez a afirmativa de que:

1. A aprendizagem informal de um dado conceito científico induz, em geral, à formação de um "misconceito" científicos.
2. Misconceitos científicos são de difícil correção pela aprendizagem formal.
3. Portanto, deve-se evitar a aprendizagem informal de conceitos científicos, a menos que eles sejam veiculados com um rigor próximo do ensino formal.

O fato dessa posição ter sido defendida em alguns papers de pedagogos americanos não implica que esteja correta (implica apenas que conseguiram passar por referees pedagogos americanos seus colegas!).

Me parece que a conclusão 3 contém uma falácia fatal: nesses estudos foram estudados apenas a resiliencia dos "misconceitos", mas faltou o grupo de controle, por assim dizer: estudar conceitos cientificos corretos aprendidos informalmente (por exemplo, que uma bola é esférica, como a criança do exemplo aprendeu com os pais) e tentar usar um ensino formal "fake" para tentar mudar o conceito ingenuo da criança e tentar ensinar que rosquinhas também são exemplos de bolas.

Ou seja, as informações corretas aprendidas informalmente também são mais resistentes à mudança por ensino "fake" formal.

Como isso não foi estudado, a conclusão contra o ensino informal só teria validade se se mostrasse que os misconceitos são formados mais frequentemente que os conceitos. Isso não é nada óbvio. Eu proponho que voce assista o The Core e assinale três conceitos cientificos errados. Dai eu listo dez conceitos científicos corretos para cada um deles... Topa? E segundo minha tese, esses dez conceitos também serão mais resilientes que os aprendidos por ensino formal.

Osame Kinouchi disse...

Além disso, sua argumentação me parece uma condenação total da atividade de divulgação e jornalismo científico, porque em nenhum desses ambientes esse rigor formal poderá ser atingido, com raríssimas excessões.

Exemplo: como os livros "Gene Egoísta", "Cosmos" e "Breve História do Tempo" podem formar fortes misconceitos (eu posso achar uma dúzia de erros fatais em cada um desses livros, especialmente no título chamativo do livro do Dawkins), então deveríamos colocar estes livros em um Index de livros proibidos para a divulgação científica.

Do mesmo modo, "House" é uma piada em termos de descrever a natureza real da Medicina, e concluiríamos que seria preferível que adolescentes que querem ser médicos não o assistissem, por causa da excessiva formação de misconceitos que ele induz... Você realmente acredita nisso?

none disse...

Kino,

1) Eu não disse que *em geral* ocorre a formação de conceitos errôneos. Não fiz nenhuma alusão à porcentagem.

2) De fato, afirmo, com base nos dados dos estudos que "conceitos errados, uma vez formados, são de difícil modificação". E, além, tendem a atrapalha todo o desenvolvimento posterior - especialmente em se tratando de conceitos centrais.

3) Isso eu *não* disse. Nem se conclui das minhas argumentações. De "2" e dos dados que apontam que filmes de ficção científica "ruins" induzem a formação de conceitos errôneos, eu baseio a minha reticência quanto ao uso de produtos culturais como *estratégia* de difusão científica - em particular de conceitos (em particular de conceitos mais complexos).

Repare que eu afirmei que as escolas são as principais fontes de concepções errôneas. Em nenhum momento sugeri que educação formal não deveria ser usada para a difusão científica. Do mesmo modo não sugeri que não se usem aprendizagem informal na difusão de ciências - mas, como dito antes, expressei minha desconfiança quanto aos resultados.

Não faltou grupo controle nos estudos. Havia o grupo que assistiu ao filme e o grupo que não assistiu ao filme. O que *não* assistiu teve um desempenho geral *melhor* (em 7 questões não houve diferenças significativas, em 3, os que viram o filme se sairam pior). E não foram feitas apenas perguntas que focavam nos conceitos errados passados pelo filme.

[]s,

Roberto Takata

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