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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Como é que é? - Escala Richter vai até 9?

ResearchBlogging.orgCom alguma regularidade, ouvimos/lemos na imprensa leiga em notícias sobre tremores que o abalo foi de tantos graus na escala Richter e vem o complemento: "que vai até 9". Abaixo alguns exemplos:


A escala vai mesmo até 9?

A chamada escala Richter foi desenvolvida pelos sismólogos Charles Francis Richter, americano, e Beno Gutenberg, alemão, em meados da década de 1930 (Richter 1935) e aperfeiçoada nos anos seguintes (e.g. Gutenberg & Richter 1944). Ela expressa a energia liberada durante um tremor e se baseia na oscilação de maior amplitude em um registro do abalo e está em escala logarítmica: um tremor que tenha um valor Richter maior em 1 unidade do que outro terá liberado 10 vezes mais energia. ("The magnitude of an earthquake was originally defined as proportional to the logarithm of the maximum trace amplitude on the seismogram of a standard torsion seismometer distant 100 km." ["A magnitude de um terremoto foi originalmente definida como proporcional ao logaritmo da amplitude máxima do traço no sismograma em um sismógrafo padrão de torção distante 100 km."] Anônimo 1945.) Uma nota menor: a escala não se mede em graus; fala-se "de magnitude X na escala Richter".

O valor de magnitude 1 corresponde a 1.955.262 joules. Para comparação, uma dieta normal de um adulto (2.000 kcal/dia) corresponde a uma ingestão diária de alimentos correspondente a 8.368.000 joules de energia. Tremores de menor intensidade terão um valor negativo de magnitude Richter - uma liberação nula de energia corresponderia a um limite de infinito negativo de magnitude Richter. O valor M = 0 foi definido de modo a corresponder ao abalo de menor intensidade registrado pelos sismógrafos da época (Gutenberg & Richter 1944). Na outra ponta, como não há limite teórico de energia que pode ser liberada, a magnitude Richter pode ir a mais infinito.

Na prática, o abalo de maior intensidade já registrado é de magnitude 9,5 - em 1960, no Chile (acima, portanto do tal limite inexistente 9): energia correspondente a que um ser humano precisaria ingerir ao longo de cerca de 3,7 bilhões de anos (mais ou menos o tempo em que deve haver vida na Terra), ou aproximadamente o equivalente a 47 bombas atômicas como a que foi detonada sobre Hiroshima.

Por ano, ocorrem quase 1 milhão de abalos suficientemente fortes para serem registrados por sismógrafos espalhados pelo globo, felizmente a imensa maioria (mais de 95%) são de intensidade tal que as pessoas simplesmente não notam. Os que podem causar algum estrago, a maioria ocorre em regiões desabitadas. Mas os poucos que ocorrem em regiões densamente povoadas (ou próximos a elas) com intensidade suficientemente forte - de magnitude 7 ou maior - podem causar sérios estragos: em termos materiais e de vidas humanas, como o de março de 2011 no Japão.

Há outras escalas, como a de intensidade de Mercalli que analisa o grau de efeito na superfície (importante para ações da defesa civil, p.e.), modificação da escala Rossi-Forel.

Mas de onde veio essa história? Buscando nos arquivos da Folha de São Paulo por "Richter" + "que vai até 9", obtêm-se 11 resultados. O primeiro de 4/jan/1983 e o mais recente de 30/out/2008. Buscando-se por "Richter" + "terremoto", são 927 resultados. Proporcionalmente 11 em 927 não é muito, mas parece indicar (junto com sua presença em vários outros veículos) que o mito está bem arraigado. O primeiro resultado da segunda busca é datado de 28/dez/1963: "CIÊNCIA: Terremotos violentos após 3 anos de calma" (2o caderno, p. 3), a frase final da nota é: "Os mais violentos terremotos atingem magnitudes de cerca de 8,9. ('Science Service')" - talvez essa seja a origem do mito: nos anos iniciais de aplicação da escala Richter, os maiores não atingiam magnitude 9.

Mas o do Chile de 1960, não foi de 9,5? Esse valor foi obtido após recálculo. Na época, sua estimativa foi menor: de 8,5. Curiosamente, na Folha, em reportagem de 29/mar/1965, sobre abalo em Llay Llay, no Chile, registra-se: "Confirmou-se que o grau de intensidade do sismo em Llayllay foi de 12 graus, segundo a escala internacional de Richter". Aparentemente confundiram com a escala Mercalli. (Na escala Richter estima-se tenha alcançado magnitude 7,4.) Mas confusão foi internacional, o The Daily Register de Red Bank, NJ, EUA, anota: "The quake, which registered 10 on the Richter scale of 12..." Esse limite de 12 para a escala Richter, torna a aparecer na Folha, em 02/ago/1968: "Segundo o serviço de meteorologia de Manila, atingiu 6 pontos na escala Rossi-Forel, de 10, 7 na escala Richter, de 12."

Em reportagem de 04/set/1968, o falso limite muda para 10: "Um outro tremor de terra abalou o sul da Armênia, tendo atingido intensidade 8 na escala Richter, de 10, segundo foi revelado em Moscou."

No acervo do Estadão, uma busca por "Richter"+"que vai até 9" não retorna nenhum resultado; "Richter"+"terremoto" retorna 832 resultados (primeira ocorrência de 14/jul/1968). Parece promissor, mas uma reportagem de 19/jul/1969 diz: "Segundo a agência TASS, que deu a notícia, o sismo foi de grau 9 ou 10 na escala Richter, que tem 12 graus." Em 31/dez/1972: "Outro caso foi apresentado pelo professor Jean Pierre Rothé, da Universidade de Estrasburgo: ele afirmou que a represa Koriba, entre a Rodésia e Zambia, já chegou a provovar terremotos de grau superior a seis na escala Richter, que vai até 10." Em reportagem datada de 03/abr/2012, aparece a observação anacrônica: "(o pior terremoto já registrado no mundo teve 8,9 graus)", quando desde pelo menos o fim da década de 1970, o sismo chileno de 1960 foi recalculado como de magnitude 9,5 (e.g. Kanamori 1977, 1978).

Uma possível origem da desinteligência pode ser por Richter (1958) ter tabulado uma conversão aproximada entre a escala Rossi-Forel (com 10 graus) e a escala de Mercalli (com 12 graus).

Uma confusão dos diabos (que faria a delícia do narrador da Sessão da Tarde) entre as várias escalas, seus significados, a existência ou não de um limite ou intervalo de variação... Pela relevância que os tremores de terra têm ao meio jornalístico, acho que caberia, se não um curso rápido, ao menos alguma orientação de modo que esse conhecimento entrasse na cultura geral que todo jornalista deve ter, em particular os que cobrem a área de notas internacionais e de ciências.

Mas enfim, esqueçam essa história de que a escala Richter vai "só" até 9. Não apenas não tem limite, como há registros de abalos maiores do que 9. E atenção para as diferenças com outras escalas.

Referências
Anônimo. 1945. Frequency of Earthquakes in California Nature, 156 (3960), 371-371 DOI: 10.1038/156371a0
Gutenberg, B., & Richter, C.F. 1944. Frequency of earthquakes in CaliforniaBulletin of the Seismological Society of America, 34: 185-188
Kanamori, H. 1977. The Energy Release in Great Earthquakes Journal of Geophysical Research, 82 (20), 2981-2987 DOI: 10.1029/JB082i020p02981
Kanamori, H. 1978. Quantification of Earthquakes. Nature, 271 (5644), 411-414 DOI: 10.1038/271411a0
Richter, C.F. 1935. An instrumental earthquake magnitude scaleBulletin of Seismological Society of America, 25 (1): 1-32
Richter, C. F. 1958. Elementary Seismology. W. H. Freeman and Co., 768 pp.

2 comentários:

Anônimo disse...

Bem lembrado, também pensava que a escala ia até 9 apenas até recentemente quando li o Decifrando a Terra. Lá os autores repetem mais de uma vez: "Da forma como foi concebida, a magnitude Richter não possui limite inferior ou posterior, sendo que valores muito pequenos podem ser negativos e os maiores vão até onde a natureza permitir"

none disse...

Salve, Rafael,

Grato pela visita e comentário.

Em tempos recentes algumas reportagens alertavam q a escala não tinha limite superior. Mas pelo jeito é difícil arrancar o mito e ele volta sempre que dão brecha.

Gostaria de saber qual a origem real dessa confusão.

[]s,

Roberto Takata

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