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domingo, 6 de maio de 2012

Jogo dos erros 3c


Continuando os esclarecimentos sobre as afirmações (ou, antes, negações) do Ricardo Augusto Felício, da Geografia da FFLCH/USP em entrevista ao Programa do Jô, seguem mais trechos e as observações.

15'40: "Tem que tomar cuidado com isso, porque quando eu falo isso, não significa que estou autorizando a destruir a floresta. Não, mas a gente tem que tomar cuidado porque a... o aporte do ambientalismo é esse contra as pessoas que falam, é... negam a hipótese do aquecimento global, né? Então elas misturam tudo dentro de um saco de gatos, então: 'Ah, tá vendo? Esse cara está autorizando a gente a destruir a floresta.'"
Sim, é preciso tomar cuidado. Seria interessante falar da importância da preservação das florestas além da questão climática, então. Comentei sobre isso - bem como sobre a complexidade do papel das florestas no aquecimento global - na postagem anterior. E, realmente, há uma parte desinformada no movimento ambientalista.

16'10: "Não, não é possível [destruir a Amazônia]. São 6.000 km desse novo aquífero que descobriram em baixo da Amazônia. Ganha do aquífero Guarani. Recentemente descoberto. 6.000 km."
O fato de haver um grande aquífero sob a floresta amazônica não a torna indestrutível. O aquífero - ou rio (mais sobre a polêmica de sua natureza no Ciência Hoje) - Hamza está à4 km abaixo da superfície, bastante longe do sistema radicular das plantas da Amazônia - que tendem a ser bastante superficialis.

16'43: "É, na verdade é assim, é, a gente tem que entender que quem manda no planeta são os oceanos. Por acaso, existem os continentes. São 3/4 da superfície do planeta com água. Então, a maior parte da troca de massa e energia da... com a atmosfera é feita com os oceanos. Então, de vez em quando eles ficam com pena: 'Coitadinhos dos continentes, né?, aquelas coisinhas de nada, joga um pouquinho de água pra eles.' Esse jogar um pouquinho de água pra eles já faz todo o desastre que a gente imagina. Bom, a principal entrada de água para os continentes vem na parte tropical, que são os ventos alísios. Todo mundo já ouviu falar, estudou na escola um monte de vezes isso daí. O próprio Köppen, que é uma das primeiras pessoas que estudou a climatologia, lá no século 18, 19, né?, começando esses estudos, ele tipo falou assim: 'como é que vou estudar o clima, que a atmosfera é uma coisa que é invisível, altamente dinâmica e não dá pra fazer nada.' Bem, ele conseguiu verificar que as.. a vegetação respondia ao clima. Então ele viu assim: 'Olha, gozado, né?, nessa parte toda do planeta, salvo algumas exceções regionais, você tem florestas extremamente virtuosas, enor.. imensas, e é justamente onde chove bastante, onde você tem as principais células de trovoadas, né? Os relâmpagos é, fixam o nitrogênio na chuva e portanto jogam isso na superfície.' Então tem toda uma simbiose entre os fenômenos da atmosfera, então as florestas, o nome técnico da floresta em inglês, por exemplo, se chama rainforest, então 'florestas de chuva', é, a floresta está lá porque chove, não chove porque tem florestas, entenderam? Então quer dizer que se você cortar... vamos supor que você,né?, vamos fazer isso um cenário hipotético. Já que eles adoram fazer cenário, vamos também. Vamos supor que você tira toda a Amazônia de lá, tira tudo, tira assim, tudo, tudo... 20 anos depois tá tudo de novo nascendo, tudo de novo nascendo, tudo de novo nascendo... 20 anos. Que não é nada na história do planeta."
Os oceanos realmente têm papel de destaque na regulação do clima. O que não quer dizer que apenas eles contem. Sem continentes, seria virtualmente impossível a formação de calotas polares, p.e. Os continentes também alteram a circulação de correntes marinhas - e, portanto, o padrão de distribuição de calor. A alteração de albedo da superfície continental - por exemplo, quando há avanço de geleiras, ou mudança de uso do solo - também influencia em muito o clima.
Wladimir Köppen, na verdade, é do século 19 para 20.
O papel da floresta amazônica na formação da chuva zenital é bem conhecido. A quantidade de água evaporada pela superfície foliar também. Vide, p.e., Williams et al. 1998.
Se a floresta tropical em pé não tivesse nenhum efeito, o padrão de precipitação na bacia amazônica não deveria ser afetado ao longo do tempo à medida em que o desmatamento progride. Mas, p.e., Marengo (2004) detectou uma tendência de queda no índice pluviométrico na região desde 1929. Em um período mais curto, entre 1976 e 1996, detectou-se uma diminuição da circulação atmosférica na região - havendo queda do fluxo de umidade atmosférica para dentro e para fora da região de lá. Isso deveria causar uma diminuição da precipitação local, caso as árvores não importassem. Mas detectou-se um aumento da evapotranspiração foliar e, ao mesmo tempo, o padrão de chuva pouco se alterou (Costa & Foley 1999). O que, claro, não significa que a circulação atmosférica não tenha importância - ela afeta, por exemplo, quando ocorre o El Niño, a chuva na Amazônia diminui. (Fato que é mais um motivo de preocupação com o aumento da temperatura da superfície dos oceanos com o aquecimento global.)
É bem possível ainda assim que mesmo que a floresta fosse derrubada completamente, em 20 anos *começasse* a se formar uma nova floresta. Mas provavelmente levaria alguns séculos a milênios para se recompor - e em toda sua biodiversidade, alguns milênios (há estudos que indicam que áreas desmatadas há cerca de 500 anos e depois abandonadas, embora tenham se reconstituído como floresta, não recuperaramou sua diversidade original de espécies). E, até que a floresta se recuperasse, o padrão local de chuva seria alterado, bem como um padrão de maior alcance da circulação atmosférica.

19'13: "Eles vão discutir [na Rio+20] como manter as suas colônias na coleira. Olha, vamos lá, 1492, chegam aqui e nos convenceram que nós precisávamos de espelhinhos pra sobreviver. 1992, quinhentos anos exatamente eles vêm com a história da Rio, né? Todo esse negócio, o mundo está acabando, etc. e tal. Tem os precedentes disso, 1980, então começou com a historinha da camada de ozônio. 1987 se forma o primeiro painel intergovernamental, chamado IOTP, para a camada de ozônio, 1987. 1988, o IPCC, que é o painel das mudanças climáticas. 1989, cai o Muro de Berlim. Aí você fala assim: 'O que tem a ver?' Tem tudo a ver. É o sistema capitalista se, né?, expandindo. E ao mesmo tempo quando você tem isso, nossa, metade do efetivo dos cientistas do mundo trabalhavam para a Guerra Fria. Acabou a mamata. Se você for pegar o histórico desses cientistas que trabalham com o aquecimento global hoje são os mesmos que trabalhavam para todos os desastres atômicos e nucleares, etc e tal. Então o que esses cientistas sabiam fazer? Cenários em computadores. 'Programo e faço cenários. Olha se jogar uma bomba nuclear aqui faz isso, não sei o quê.' Eles só trocaram o negócio chamado guerra termonuclear global por aquecimento global."
Um levantamento parcial (75 casos) do ano de doutoramento de cientistas do IPCC, mostra que, embora, de fato, uma grande maioria tenha iniciado sua vida acadêmica durante a Guerra Fria, 17% doutoraram-se depois de 1989 (Figura 1).
Figura 1. Distribuição de tempo de doutoramento de painelistas do IPCC, em referência a 1989. Azul escuro: antes de 1989; azul claro, em 1989; amarelo: depois de 1989. Fonte: Wikipédia, usuário Gergyl.

O que será discutido e como estão as tratativas para o Rio+20 (com diversos imbróglios econômicos e diplomáticos) podem ser acompanhados no excelente blogue do jornalista Claudio Angelo, Entre Colchetes.
Embora muitos acordos internacionais do ambiente ocorram depois de 1972, quando se dá a Conferência das Nações Unidas de Stockholm  Estocolmo sobre o Ambiente Humano (como nota, mais uma vez a teoria conspiracionista não cola - seria engraçado supor que tentaram colocar coleira na Suécia; a Rio92 foi na verdade um StockholmEstocolmo+20), as convenções ambientais têm uma história mais antiga: o Tratado sobre Aves Migratórias é de 1918, a Convenção sobre Caças à Baleia, de 1946, a Convenção sobre Poluição por Petróleo, de 1954;

De qualquer maneira, haver trabalhado durante a Guerra Fria não traz problema algum. A questão é de examinar os trabalhos desses cientistas.

Upideite(06/mai/2012): O teste de D'Agostino-Pearson para a normalidade dos dados sobre as datas de doutoramento não rejeita H0 (DP = 0,528; p = 0,767), então podemos assumir que o tempo de doutorado tem distribuição normal. A média é de -10,17 anos a partir de 1989, ou seja, a média do ano de doutoramento é 1978,83, com desvio padrão de 9,44 anos. Se assumirmos uma idade média de defesa do doutorado de 30 anos, em 2007, a idade média dos painelistas seria algo como 58 anos. Pode parecer uma idade avançada, mas se considerando que é um painel de especialistas, haveriam de chamar os com mais experiência. E o fato de os dados distribuírem-se normalmente indica que não parece ter havido barreira de idade.

Upiteide(08/mai/2012): Jogo dos erros 3d, parte final.

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