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sexta-feira, 25 de maio de 2012

Jogo dos erros 4: A carta dos negacionistas climáticos

Mais uma vez, o blogue do Luis Nassif serve de plataforma para a divulgação das teses dos negacionistas climáticos.

Agora, Molion, Felício e outros estão juntos no mesmo documento. Analiso abaixo os principais pontos das alegações.

1) Não há evidências físicas da influência humana no clima global
Não é verdade como procurei demonstrar na série sobre aquecimento global, especialmente na parte 3. Uma das evidências da participação humana é a variação do teor de carbono-13 na atmosfera, como na figura 3 da resposta a Molion.

baseiam-se em projeções de modelos matemáticos, que constituem apenas simplificações limitadas do sistema climático
Toda previsão se baseia em simplificações limitadas - de sistemas climáticos, meteorológicos, astrofísicos,  biológicos, epidemiológicos, etc.

A questão é se as previsão são ou não sólidas. Por exemplo, as previsões meteorológicas têm uma taxa de acerto de mais de 90% para um prazo de alguns dias. E no caso de previsões climáticas? Elas têm tido um grande grau de acerto como mostro aqui.

Para que a ação humana no clima global ficasse demonstrada, seria preciso que, nos últimos dois séculos, estivessem ocorrendo níveis inusitadamente altos de temperaturas e níveis do mar e, principalmente, que as suas taxas de variação (gradientes) fossem superiores às verificadas anteriormente.
De modo algum isso seria necessário. Basta que haja uma "assinatura humana" (já citei o exemplo do C-13, mas há compostos que não são produzidos na natureza, como moléculas de CFCs).

O fato de, no passado, ter havido uma taxa maior do que a atual não indica que as atividades humanas são inocentes. No passado, houve extinções em massa cataclísmicas - algumas talvez por impacto com um bólido extraterrestre; não significa que a extinção atual não seja causada pela ação de seres humanos: destruição de hábitats, sobrecaça e sobrepesca, poluição, introdução de espécies invasoras...

Do mesmo modo como a extinção atual está acima da "taxa de fundo" - taxa normal de extinção não cataclísmica - atualmente verificamos uma variação de temperatura acima da taxa normal de variação, excetuando-se pontos de viradas climáticas como passagens por eras glaciais e interglaciais.

Além disso, nos últimos duzentos anos, notamos uma tendência constante de aumento de temperatura e não de simples oscilação em torno de uma média (com temperaturas que ora subam, ora desçam e fiquem, no geral, mais ou menos no mesmo lugar).

2) A hipótese “antropogênica” é um desserviço à ciência:
Não. Ela é fruto da investigação científica. Podemos traçar sua origem a pelo menos até Svante Arrhenius em 1896, quando sugeriu que a emissão de CO2 poderia levar a um aumento global da temperatura. A tese não foi de imediato aceita pela comunidade científica. Demorou, na verdade, mais de um século para que a maioria dos pesquisadores da área considerassem que a influência humana ocorria. Para um resumo da história, veja aqui.

A hipótese foi um grande serviço ao avanço da ciência na medida em que exigiu testes de hipótese para derrubá-la, mas os dados acumulados fizeram foi corroborá-la. Hipóteses alternativas também exigiram que testes fossem feitos, mas calhou que fossem derrubadas: como a de que o aumento atual na temperatura se devesse ao aumento da atividade solar (veja a figura 6 da segunda parte da série sobre o aquecimento global e a figura 2 da parte d da minha resposta a Felício).

Refinamentos de modelos foram levados a cabo. E novos estudos estão sendo feitos em função de se testar a hipótese: especialmente a questão das nuvens e aerossóis (veja uma lista aqui de fontes de incertezas que estão sendo investigadas). Ou seja, está a ocorrer o *oposto* do que os signatários da carta afirmam: os modelos, em função da hipótese da AGA e a discussão em torno dela, têm sido mais e mais *ampliados* para abranger o máximo possível da complexidade climática.

Um exemplo dos riscos dessa simplificação é a possibilidade real de que o período até a década de 2030 experimente um considerável resfriamento, em vez de aquecimento, devido ao efeito combinado de um período de baixa atividade solar e de uma fase de resfriamento do oceano Pacífico (Oscilação Decadal do Pacífico-ODP), em um cenário semelhante ao verificado entre 1947 e 1976.
Eventualmente pode ocorrer um resfriamento, mesmo sob a hipótese do AGA. A hipótese do AGA prevê uma tendência *geral* de aquecimento, não que o aquecimento seja constante o tempo todo. De fato, entre 1940 e 1950, houve um resfriamento - mas isso não anulou a tendência de aquecimento. Houve até um período mais longo de resfriamento entre 1880 e 1910, que também não anulou a tendência global ao aquecimento. Vide as figuras 1 e 2 da primeira parte da série sobre o aquecimento global.

A preparação para as possíveis consequências de longo prazo do aumento da temperatura não quer dizer que não sejam necessárias preparações para tendências de mais curto prazo.

3) O alarmismo climático é contraproducente:
Um ponto de forte concordância. O alarmismo é ruim, tanto quanto o negacionismo. Precisamos nos basear nos melhores dados disponíveis.

atitude correta necessária diante dos fenômenos climáticos, que deve ser orientada pelo bom senso e pelo conceito de resiliência, em lugar de submeter as sociedades a restrições tecnológicas e econômicas absolutamente desnecessárias.
Exato. E o bom senso (incluindo a eventual resiliência ambiental - que tem limites) e os dados nos sugerem que devemos nos preparar para um cenário de temperaturas médias mais altas.

Não devemos nem ser alarmistas, nem negacionistas.

4) A “descarbonização” da economia é desnecessária e economicamente deletéria:
Pelos dados atuais, discutidos nos links citados anteriormente, não é desnecessária. A parte econômica é ainda discutível: certamente seria mais deletério manter as coisas como estão hoje (haveria um ganho comparativo em relação ao cenário de deixar a temperatura subir muito mais - perdas de áreas habitáveis e economicamente exploráveis, perdas de safras, aumento de incidência de doenças...) e pode até ser economicamente positivo em relação ao cenário atual: o maior uso de energia menos poluentes como a solar ou a éolica tende a diminuir a emissão de particulados e gases tóxicos (CO, NOx, O3, etc.) e geradores de chuva ácida - e seus custos estão baixando, sendo competitivos em vários mercados -, demanda investimento em pesquisa, renovação de parte do parque tecnológico, mão de obra especializada: bem gerida, isso significa injeção de recursos na economia, produção mais eficiente, bem o contrário de deleção econômica.

Vale acrescentar que tais mercados têm se prestado a toda sorte de atividades fraudulentas, inclusive no Brasil, onde autoridades federais investigam contratos de carbono ilegais envolvendo tribos indígenas, na Amazônia, e a criação irregular de áreas de proteção ambiental para tais finalidades escusas, no estado de São Paulo.
Verdade, há fraudes em mercado de carbono e isso precisa ser bem regulado e fiscalizado. Do mesmo modo como há fraudes em diversas outras atividades, inclusive a da exploração petrolífera.

5) É preciso uma guinada para o futuro:
Mais um ponto de concordância. A indústria de petróleo, digamos, representa bem o século 19 e 20. Uma guinada espetacular seria uma economia baseada na fusão (e seria muito legal se Fleischmann & Pons não estivessem errados; mas na falta de fusão a frio, esperemos que a fusão a quente se torne economicamente viável). Para um futuro próximo, ainda neste século, esperemos um maior mix tecnológico, com a velha energia emissora de carbono sendo gradualmente substituída por fontes menos poluentes: biomassa (incluindo os biocombustíveis), solar, eólica, geotérmica, das marés...

13 comentários:

Carol Guilen disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Carol Guilen disse...

Excelente análise, parabens!

none disse...

Valeu, Guilen,

Obrigado por sua visita e comentário.

[]s,

Roberto Takata

fravio disse...

Olá Roberto,

Excelente ponderação. Parabéns!

p.s.: Sobre Fleischmann & Pons eu não sei, mas poderemos ter boas notícias sobre cold fusion nos próximos meses.
Acompanho este grupo de discussão e o físico Dietmar tem alguns cálculos interessantes sobre os supostos processos Pap engine, Rossi e-cat e Blacklight.

Se quiser(em) acompanhar também:
http://tech.groups.yahoo.com/group/H-Ni_Fusion/message/1618
e
http://tech.groups.yahoo.com/group/H-Ni_Fusion/message/1599

Alexandre disse...

baseiam-se em projeções de modelos matemáticos, que constituem apenas simplificações limitadas do sistema climático

“Apenas simplificações limitadas”... eles são rápidos em descartar modelos que demandam alguns dos computadores de maior capacidade de processamento existentes hoje. É o caso do Earth Simulator.
http://en.wikipedia.org/wiki/Earth_Simulator

Por outro lado, o próprio Molion sugere projeções futuras de temperatura baseadas em nada mais do que correlações frágeis, deduzidas no olho ao se observar um gráfico, sem uma conta, sem uma margem de erro, sem uma análise estatística. Se os modelos usados nas projeções aceitas pelo mainstream são “apenas simplificações limitadas”, que descrição se pode dar ao chute do Molion? Aqui:
http://www.geocities.ws/zuritageo/aquecimentoglobal.html

Bem, mas independente da capacidade computacional que gerou a projeção, o que interessa é que:

- as projeções do mainstream são coerentes com o arcabouço científico mais amplo da física e química, e não apenas uma impressão de quem olha um gráfico;

- as projeções do mainstream têm sido confirmadas pelas observações subsequentes. Já a “projeção” do Molion dizia que o aquecimento tinha acabado em 1998. O aquecimento, claro, continua.

Projeções do IPCC comparadas às observações:
http://www.pik-potsdam.de/~stefan/Publications/Nature/rahmstorf_etal_science_2007.pdf

O aquecimento continua:
http://data.giss.nasa.gov/gistemp/graphs_v3/Fig.A2.gif

none disse...

@fravio, @Lacerda,

Valeu pelas visitas e comentários.

@fravio, a se ver, a se ver.

@Lacerda, pois é, eles descartam na maior qq coisa q contrariem a visão deles. Por isso q não os denomino céticos, mas negacionistas.

[]s,

Roberto Takata

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Penso que para negarmos o aquecimento global é preciso ter evidências tão fortes quanto para defendê-lo, pois negar que estamos alterando o planeta pode ser uma grande negligência.

As medidas a serem tomadas para evitar o aquecimento global são boas, independentemente do que realmente esteja acontecendo.

none disse...

Salve, Marques,

Valeu pela visita e comentários.

Sim, para se refutar a hipótese do AGA é preciso ter bons indícios. Coisa que os contrários e os negacionistas não têm. Menos ainda contra o aquecimento global - antropogênico ou não.

Qto às medidas, depende. Há algumas, sim, que não seriam boas caso as mudanças climáticas associadas ao aquecimento global não vierem a ocorrer: como alguns programas de mitigação de elevação do nível do mar. Mas várias outras, de fato, não dependem disso: como uma adoção de matriz energética menos poluente.

[]s,

Roberto Takata

Unknown disse...

Bem Roberto, das medidas que eu conheço (pode ser que não conheço todas), não vejo porque não praticarmos.

Mas eu não entendi sobre "programas de mitigação de elevação do nível do mar". Isso é feito para evitar o aquecimento global?

Obrigado.

none disse...

Salve, Marques,

É pra minimizar os efeitos. Um certo nível de aquecimento global é inevitável - o alvo é manter abaixo de um valor (ainda em discussão - muitos falam em 2oC em relação a 1790).

Mas mais diretamente pertinente a evitar um aquecimento maior, energia nuclear está no menu por produzir pouca emissão de CO2, porém é bem mais cara e tem seus riscos.

[]s,

Roberto Takata

skepticismscientific disse...

Parabéns pelo texto! Acho impressionante que haja professores deste nível na Usp. O sujeito não publicou um único artigo na vida. No mínimo isto deveria ser digno de vergonha para o próprio Felício e para a Universidade de São paulo. Ele está contribuindo e muito para a desinformação das pessoas. O pior é saber que o cara é professoe e está formando discípulos e felicetes.

none disse...

Caro skepticismscientific,

Grato pela visita e comentário.

[]s,

Roberto Takata

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