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sexta-feira, 13 de novembro de 2009

(Auto)plágio?

Osame Kinouchi do Semciência postou nos comentários da postagem anterior uma observação anônima que ele recebeu a respeito do trabalho de Sant'Ana et al. 2008.

A figura 2 de Sant'Ana et al. 2008 seria uma modificação da figura 4 de França et al. 2007 (o primeiro trabalho citado nas referências de Sant'Ana et al. 2008 e também do grupo de trabalho de Andreimar M. Soares). Compare as duas abaixo.


Agora compare os painéis '4b' com '2b' e '4c' com '2a'.


Embora os organismos-alvo sejam os mesmos: leishmânias nos painéis superiores e tripanossomos nos painéis inferiores e se tratem todos de oxidades de L-aminoácidos (LAAOs), são extraídas de espécies distintas de Bothrops. Bjar se referindo à jararaca (B. jararaca), Bjussu à jararacuçu (B. jararacussu) e Bmoo ao jararacão (B. moojeni).

O fato de haver uma conservação da estrutura tridimensional, a despeito de pequenas diferenças na sequência primária, poderia explicar uma ação similar. De fato, quando comparamos os painéis 4a e 4b de França et al. 2007, notamos que as curvas são bastante parecidas.

Parecidas, mas não idênticas. A sequência primária da Bjar LAAO-I e da Bjussu LAAO-I não são idênticas, mas muito parecidas. P.e., a primeira começa com:ADDKNPLEEC FRETDYEEFL; a segunda com: ADDRNPLEEC FRETDYEEFL. De uma lisina (K) para uma arginina (R). Mas as sequências da Bmoo LAAO-I e Bjussu LAAO-I também são muito parecidas (as 70 primeiras posições de resíduos de aminoácidos são idênticas) e os gráficos, embora similares, apresentam diferenças reconhecíveis.

Se não errei nas contas, há mais diferenças entre Bjar LAAO-I e Bjussu LAAO-I - 11 posições com resíduos distintos - (ou Bmoo LAAO-I - 16 resíduos) do que entre Bjussu LAAO-I e Bmoo LAAO-I - 5 posições com resíduos diferentes. Bjar LAAO-I também é um pouco maior: 484 resíduos de aminoácidos contra 470 dos outros dois. Era de se esperar então que o gráfico de Bjar LAOO-I fosse mais diferente? Se as diferenças se concentrarem em regiões com algum efeito cinético, sim. Mas se as diferenças se concentrarem em regiões relativamente inertes quanto a reações químicas e que não mude a estrutura da proteína, o modo de ação poderia ser virtualmente idêntico.

De todo modo, mesmo que fossem a mesmíssima proteína, era de se esperar gráficos ligeiramente distintos, por conta da ação de outros fatores, que fazem com que um ensaio não seja exatamente igual a outro.

A coisa está mesmo estranha. Tentarei falar com o Prof. Dr. Andreimar M. Soares para falar a respeito dos gráficos e ouvir o que pode estar ocorrendo.

Upideite(13/nov/2009): Para facilitar a comparação fiz uma sobreposição dos dados (extraídos a partir das coordenadas dos pontos das figuras - creio que as legendas sejam mais ou menos autoexplicativas):

Upideite(13/nov/2009): Já havia destacado na outra postagem sobre o tema, mas é sempre bom alertar que não pretendo aqui fazer nenhum pré-julgamento. Entrei em contato com o Prof. Dr. Andreimar para ver se ouvehouve mesmo algum erro ou se os dados são mesmo tão similares.

Upideite(16/nov/2009): O Prof. Dr. Andreimar Soares respondeu gentilmente às minhas mensagens. Pedi uma entrevista, mas, compreensivelmente, ele prefere que isso seja feito depois da sindicância ter sido finalizada. O que ele confirma é que os gráficos não teriam sido trocados e que os dados são diferentes: a semelhança, segundo o pesquisador, deve-se às semelhanças da proteína.

Upideite(18/nov/2012): Bem, agora que já faz mais de ano da decisão final, creio que eu possa fazer uma observação a respeito da coincidência dos dados. Mesmo que se tratasse da *mesma* proteína, a probabilidade de a repetição das medidas produzirem tal concordância é muitíssimo baixa. Sobretudo para L. braziliensis - a barra de erro é uma indicação da variação casual da medida. Se representa o desvio padrão, assumindo-se a hipótese da normalidade da variação, aproximadamente 68% das vezes, a média de uma reamostragem nas mesmas condições estaria dentro do intervalo dado pela média±desvio padrão. O desvio para os pontos de L. braziliensis é de quase 5p.p. As médias de cada ponto se sobrepõe de modo praticamente total - mas se considerarmos um desvio de 1p.p. para mais ou para menos, isso nos dá um escore z de ±0,20. Somente cerca de 8% das vezes as médias de uma repetição cairia dentro do intervalo de ±1p.p. Como são três pontos, a probabilidade dessa coincidência ocorrer ao acaso é de (8%)^3 ~ 0,0005 = 0,05%; isso apenas para o caso da L. braziliensis. Então mesmo que se tivesse usado a mesma enzima, nas mesmas condições, com os mesmos indivíduos, a probabilidade de se obter uma variação igual ou menor do que a obtida seria de menos de 0,05%. Bom dizer que não afirmo com isso que houve fraude, isso mostra apenas que é altamente improvável que haja coincidência casual - poderia, por exemplo, ter havido uma troca acidental dos dados.

2 comentários:

Unknown disse...

Ainda sobre este tema do auto-plágio, o abstract de um poster dese grupo (publicado em anais de conferencia) é identico ao de um paper (a menos de meia duzia de palavras). Isso se explica pelo fato de que o paper é uma publicação dos resultados do poster (os titulos e a lista de autores sao identicos).

Nem sei se isso é autoplagio (dado que as revistas sao diferentes, quem detem os copyrights?). Mas... o que é mesmo autoplágio? Como se define isso? Ou seja, por definição um paper é diferente de um poster, apenas os abstracts sao identicos...

Não que eu tenha gasto meu tempo fazendo essa busca. Eu estava testando um programa da internet de busca automática de plagio e resolvi testar por acaso no abstract citado...

none disse...

Acho que nesse caso (pôster x artigo) não tem problemas de usar o mesmo resumo, os mesmos gráficos...

O problema - que não acho tão sério - é se utilizar dos mesmos artifícios para artigos diferentes.

Em uma escala de gravidade vejo assim:

autoplágio <<<< plágio <= fraude de dados

O Prof. Dr. Andreimar respondeu a alguns emails meus. Ele diz que os gráficos foram gerados por dados distintos - não se trata de um erro de usar o mesmo gráfico (ainda que sem intenção). Pedi autorização a ele para publicar o email dele.

[]s,

Roberto Takata

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