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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Ciência é prioridade? (parte 6)

Se temos uma quantidade finita de recursos e se temos a ocorrência de injustiças sociais e se a correção das injustiças sociais é uma prioridade, ou melhor, *a* prioridade, devemos investir todos os recursos mais ou menos diretamente no combate à desigualdade social?

A resposta é: depende. Argumentei anteriormente como o investimento em certas áreas de ciências ajuda na produção de conhecimento e tecnologia que permitem combater melhor os problemas sociais. Colocando todas as medidas de resultados sob uma mesma 'moeda' padrão - digamos redução do índice Gini - podemos proceder a uma comparação mais ou menos direta lançando mão da ferramenta da expectativa do ganho médio.

Investir em certas áreas de ciências pode trazer um ganho médio maior do que se investirmos o recurso diretamente no combate ao problema. Como? De diversas maneiras.

Aqui, uma comparação econômica é novamente útil: digamos que Alexandre tenha 1.000 reais, assim como Bianca também tenha 1.000 reais. Ambos querem comprar um computador novo que custa os mesmos 1.000 reais. Digamos que a taxa de inflação do preço do aparelho seja de 5% ao ano. Digamos ainda que a poupança renda 6% ao ano. Alexandre compra o equipamento na hora. Bianca resolve aplicar na poupança. Ao fim do ano, Alexandre terá o computador e zero de saldo. Bianca terá o computador e um saldo de 10 reais. (Desconsidere aqui a depreciação do computador, bem como os eventuais ganhos que Alexandre possa ter pelo usufruto antecipado - o aparelho poderia, por exemplo, ser encomendado e ser entregue somente ao fim do ano.)

Um investimento em pesquisa pode significar que um resultado permita um combate mais eficiente dos problemas sociais: poderia, p.e., descobrir uma nova forma de distribuição de alimentos que implique em menos perda durante o transporte, menor tempo de estocagem, menor custo por carga... Como o investimento na poupança, o investimento em pesquisa pode permitir obter o mesmo resultado final, mas com sobra de recursos.

Se assim for, seria melhor então investir tudo em pesquisa e deixar de lado o atendimento atual dos problemas sociais? Aqui temos que analisar a questão sob a perspectiva do ótimo de Pareto. Uma situação de ótimo real é obtida com *qualquer* alocação de recursos - lembremos que o ótimo de Pareto *não* diz respeito à equidade ou ao ótimo global. Se aplicarmos 100% dos recursos em pesquisa, teremos um ótimo de Pareto: pois não é possível aumentar os recursos para fins sociais sem prejudicar a pesquisa. Se aplicarmos 100% dos recursos em ações sociais, também temos um ótimo de Pareto pelo motivo inverso. Então como essa ferramenta nos ajuda aqui? Através do ótimo *potencial* de Pareto. A alocação de recurso, digamos, em pesquisa pode ser justificada, mesmo em prejuízo ao atendimento imediato de demandas sociais, se o ganho esperado for superior à perda. Nesse caso voltamos à questão de se poderíamos alocar 100% dos recursos em pesquisa se obtivermos um ganho social maior ao fim. Talvez possa ser justificado nesse caso, mas é pouco provável que uma alocação de 100% em pesquisa redunde em um melhor resultado global. Pois, como discutimos a respeito dos sapatos trocados entre Alexandre e Bianca, o 'preço' de uma 'mercadoria' muda de acordo com a situação. Um resultado mais imediato obtido com a aplicação direta de recursos nas ações sociais passam a valer mais quanto mais recursos é deslocado para a pesquisa, de modo simétrico, os resultados de maior prazo esperados com a aplicação dos recursos em pesquisa passam a valer mais quanto mais recursos são alocados para as ações sociais - além disso, a relação entre recursos investidos/resultados obtidos não é linear: a partir de um montante, quanto mais se gasta, proporcionalmente menos os resultados são melhorados - passam a entrar em ação diversos gargalos (ou fatores limitantes): o sistema pode não estar dimensionado para o tamanho do fluxo de recursos (podem faltar agentes, coordenadores, a corrupção pode tomar conta do sistema...).

Então a virtude estaria no meio? Não necessariamente em uma divisão 50%/50%. O quanto para um lado e o quanto para o outro lado depende, mais uma vez, de diversos fatores: por exemplo, o montante de recursos disponíveis e a gravidade da disparidade social presente. Quanto menos recursos e quanto mais grave a desigualdade social, maior a fração de recursos que tendem a ser mais bem alocados se utilizados diretamente em ações sociais.

No caso do Brasil, temos uma desigualdade grande, por outro lado, temos muitos recursos - mesmo econômicos. Certamente uma cesta mista é justificável - embora eu não arrisque a dizer exatamente a proporção, mas, claro, para o lado de um gasto maior em ações sociais.

Justificamos assim em uma base mais sólida a existência de uma cesta de investimentos - sob todas as perspectivas a prioridade é o combate à desigualdade social, é a ajuda aos necessitados; mas exatamente essa prioridade demanda a aplicação de recursos em outras áreas que proporcionem resultados indiretos.

Indiretos o quanto sejam, ainda são resultados muito mais diretos do que a aplicação de dinheiro na exploração espacial e na física de partículas. Como ficam elas nesse quadro? Abordaremos isso na parada final desta longa caminhada.

Parte 7

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