Na postagem anterior pude argumentar em defesa de uma cesta de investimentos que incluía não apenas investimentos diretos na questão social: saneamento, campanhas de vacinação, distribuição de alimentos, etc.; como também em pesquisas aplicadas à resolução de tais problemas: pesquisas na área médica, engenharia sanitária, agronomia, etc.
Mas e as pesquisas básica e aplicada em áreas totalmente díspares? É justificável a pesquisa, digamos, em um programa espacial ou em física das partículas?
Paradoxal o quanto seja, neste caso, talvez seja mais fácil justificar a pesquisa básica do que a aplicada: a pesquisa básica tem maior potencial de legar certos tipos de conhecimento que podem ser extrapolados a outras áreas, incluindo as tecnologias de cunho social.
Por exemplo, conhecer a biologia básica de um organismo modelo como a Arabidopsis thaliana ou um Caenorhabidtis elegans pode ajudar a entender a biologia de um cultivar como o milho ou de um patógeno como o nemátodo causador da cegueira dos rios.
A física das partículas ajuda a dominar a manipulação de altas energias - abrindo a perspectiva de um dia se dominar, p.e., o processo de fusão: o santo graal da energia que sustentaria a economia do hidrogênio (mais do que o processo de células-combustível à hidrogênio, já que a energia liberada no processo químico de combinação com o oxigênio é menor do que a energia gasta na hidrólise que gera o hidrogênio molecular).
Mas e uma missão à Marte? À parte promessas de uma colonização espacial, toda a tecnologia de automação e comunicação remota podem ter aplicações aqui na Terra: e.g., em cirurgias à distância; equipamentos de sensoriamento remoto e telemetria. Claro que são montantes assombrosos as cifras da casa de 20 bilhões de dólares investidos na Nasa anualmente. Mas o investimento total em P&D nos EUA ultrapassam os 350 bilhões de dólares anuais. Em uma análise puramente econômica, a corrida à Lua - do ponto de vista dos EUA, pelo menos - mais do que se pagou com as tecnologias spin-offs: especialmente na miniuaturização de equipamentos que desembocaram direta ou indiretamente em diversos eletroeletrônicos domésticos.
Claro que esses conhecimentos e tecnologias *não* são os objetivos de tais pesquisas. Mas devem ser levados em conta na hora de analisar a validade dos investimentos. Especialmente porque grande parte desses conhecimentos e tecnologias não seriam obteníveis de outro modo (ou teriam uma probabilidade muito baixa de sê-los). Não é possível, no entanto, analisar nestes termos: iremos investir no programa espacial para obter uma tecnologia X aplicável na resolução de problemas sociais Y. Se essa previsão fosse possível, então bastaria desenvolver a tecnologia X. O que se pode fazer é uma análise probabilística do tipo de expectativa de ganho.
Propositadamente não falarei aqui no valor intrínseco do conhecimento - p.e., o valor que há em se conhecer como surgiu o Universo, mesmo sem uma utilidade prática dessa informação: o conhecimento pelo conhecimento.
A modelagem dessas análises é complexa. Há vários estudos que focam em termos estritamente econômicos - usando a moeda propriamente dita como valor de referência, o padrão de comparação. A vantagem da monetização é que é tecnicamente mais fácil (ou menos difícil); há, no entanto, inconvenientes éticos, como dar preço a vidas humanas (o que não impede de que isso seja feito a todo momento, p.e., em planos de seguro de vida).
A defesa completa do investimento em ciências - dentro da grande premissa aqui adotada de prioridade absoluta ao combate à exclusão social - que não apenas de áreas diretamente relacionadas com questões sociais depende de uma modelagem realista com valores numéricos. Deixo isso para uma outra oportunidade. Espero ao menos ter conseguido mostrar a linha de raciocínio que sustenta essa defesa - dentro de um mix de investimentos.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
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