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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

Morte apaga rastros da evolução

Robert S. Sansom e colaboradores da University of Leicester, R.U., provavelmente tiveram um dos laboratórios mais inabitáveis durante a condução dos experimentos: observar a decomposição de uma lampreia. Mike Rowe aprovaria.

No vídeo abaixo é possível se acompanhar as principais etapas - aproveite enquanto o Google não desenvolve vídeos com cheiro.



O que os autores descobriram é que há uma certa ordem no processo de decomposição desses organismos: características evolutivamente mais derivadas tendem a desaparecer primeiro, restando ao fim principamente características menos derivadas. (Figura 1.)

Figura 1. Processo de decomposição de lampreia e de anfioxo. Características mais derivadas tendem a desaparecer antes. Em estágio avançado do processo, ambos os organismos adquirem uma estrutura muito similar. Fonte: Sansom et al. 2010.

Uma possível consequência no estudo da evolução é que fósseis de organismos com características mais derivadas podem acabar parecendo-se com fósseis de organismos ancestrais. Isso pode fazer com que, na reconstrução de seu parentesco, ele seja posicionado em uma ramificação mais precoce. De uma consequência de maior alcance, isso pode afetar a calibração do relógio molecular - posicionando a ramificação em um tempo mais recente.

Claro, nada do tipo fazer um tiranossauro ficar parecido com um ser similar a uma lampreia, mas é interessante a contraposição do processo: se a ontogenia recapitula a filogenia (isso não é exatamente correto), a morte a desrecapitula (o que também não é exatamente correto, apenas para efeitos dramáticos).

No entanto, o trabalho dos paleontólogos, que já não era fácil, de interpretar o registro fóssil ganha mais um desafio, a velha máxima saganiana "ausência de evidência não é evidência da ausência" - o fato de um fóssil não exibir uma característica derivada pode ser simplesmente um viés de preservação. Se o processo fosse aleatório, então, na posse de uma coleção razoável de fósseis da mesma espécie (o que depende também de um certo golpe de sorte - um número muito grande de organismos extintos são conhecidos por um único fóssil), esperar-se-ia que, em uma estrutura estando presente no organismo vivo, fosse preservada em alguns dos espécimes e, se nenhum deles tivesse a estrutura, isso seria um bom indicador de que ela não estava presente na espécie. Infelizmente não é isso o que ocorre.

Não chega a ser o fim do mundo. Alguns espécimes excepcionalmente preservados podem ainda lançar luz sobre detalhes há muito idos, como o recente estudo de Zhang et al. (2010) que busca reconstituir a coloração de espécies de dinossauros a partir de detalhes celulares preservados - no caso, melanossomos, cujas diferentes morfologias indicariam o tipo de pigmento produzido pelas penas. Detalhes aqui.

Referências
Sansom, R., Gabbott, S., & Purnell, M. (2010). Non-random decay of chordate characters causes bias in fossil interpretation Nature DOI: 10.1038/nature08745

Zhang, F., Kearns, S., Orr, P., Benton, M., Zhou, Z., Johnson, D., Xu, X., & Wang, X. (2010) Fossilized melanosomes and the colour of Cretaceous dinosaurs and birds. Nature. DOI: 10.1038/nature08740

5 comentários:

Joey Salgado disse...

Grande Takata, bela postagem!

Fiquei curioso em relação a esses estágios de decomposição, que aparecem descritos na figura. Supondo que os dois organismos decompõem com velocidades diferentes, ligeiramente ou não, a definição do estágio de decomposição reside apenas na similaridade do "defundo decomposto". Isso não é muito arbitrário? Digo, quantas vezes foi necessário de observar o processo de decomposição de cada um desses organismos, até se definir um "percurso de decomposição" regular?

Inté!

none disse...

Salve, Joey,

Boa pergunta. Sim, há alguma arbitrariedade. Mas é possível se comparar a decomposição de cada característica correspondente - por exemplo, comparar o tempo de decomposição da notocorda do anfioxo com o tempo de decomposição da notocorda da lampreia.

O que os autores notaram é que características correspondentes apresentam tempo de degradação similar.

Então vamos supor que temos um organismo com as seguintes características: ABDEFGH e outro com as características ABCEF - sendo as características listadas na ordem de mais primitivas para as mais derivadas (as que surgiram depois na evolução).

O primeiro organismo vai perdendo as características: ABDEFG, ABDEF, ABDE, ABD, AB, A

O segundo organismo vai perdendo as características: ABCEF, ABCE, ABC, AB, A

Como as características correspodentes têm mais ou menos a mesma resistência à decomposição, o estágio AB e A nos dois organismos ocorrem mais ou menos com o mesmo tempo de decomposição total. Então, há uma certa correspondência temporal entre os estágios.

[]s,

Roberto Takata

Joey Salgado disse...

Muito mais claro agora. Obrigado, Takata!

Inté!

Anônimo disse...

Olá, muito interessante isso, geralmente na paleontologia o grande trabalho é achar alguma coisa que permita identificação do organismo. Mas fiquei na dúvida, os caracteres que desaparecem primeiro, o fazem por que é assim mesmo ou em função do tipo de seleção tafonômica? Por que pelo que parece, foi analisado um caso muito específico, se formos além, algumas espécies ou achados devem muito de seu ser ao tipo de fossilização, como as impressões de penas de aves no Archeopteryx, graças ao sedimento fino em que foi encontrado. Me esclarece essa escuridão, kkk! Alias, belo post.

none disse...

Salve, Rafael,

Tem razão quanto ao experimento ser limitado a grupos muito específicos. Realmente o alcance real de tal limitação só poderá ser mais bem avaliado ao se estudar mais organismos.

Seguramente há exceções. Como as penas que você mencionou. De todo modo, são condições especiais como citei no texto - o tipo de granulação, o ambiente de deposição, etc. contribuem com a preservação de detalhes ou com a sua destruição.

São detalhes que apenas infernizam ainda mais a vida dos paleontólogos. Eles precisam levar tudo isso em conta.

[]s,

Roberto Takata

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