Após a etapa de inscrição e de seleção, começa agora a etapa de votação para os melhores blogues de ciências cadastrados no Research Blogging: Research Blogging Awards 2010. São várias categorias, entre elas, o melhor blogue em português (a fazer avaliação crítica de artigos científicos). (Veja mais aqui, aqui e aqui.)
Os finalistas na categoria Língua Portuguesa são (em ordem alfabética):
Bala Mágica (RB)
Brontossauros em meu Jardim (RB)
Ecce Medicus (RB)
Evolucionismo (RB)
Psiquiatria e Sociedade (RB)
Psiquiatria e Toxicodependência (RB)
Química Viva (RB)
Parabéns aos escolhidos. Dentro de uma semana, os blogueiros (e o blogador aqui) cadastrados no RB irão votar nos melhores. O melhor blogue de todos leva o prêmio de 1.000 dólares. Os melhores dentro das demais categorias, incluindo a de blogue em Língua Portugusa, recebem prêmios de 50 dólares. (Mais informações sobre o RB aqui.) O resultado sai dia 23 de março.
Como o RBAwards é uma premiação de votação entre pares, o Gene Repórter promoverá uma enquete paralela (não-oficial) aberta à votação popular. Entre os votantes, será sorteado um exemplar autografado e com dedicatória do livro "Além de Darwin", do jornalista Reinaldo José Lopes, autor do blogue Carbono 14, (leia resenhas aqui, aqui e aqui). A votação popular está aberta desde já e vai até 20 de março (23h59 horário de Brasília). Então para concorrer ao livro, basta preencher o formulário abaixo.
quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010
terça-feira, 23 de fevereiro de 2010
Discutindo ciências filosoficamente 4
Continuando a série, na postagem anterior, fiz uma rápida apresentação da abordagem bayesiana em relação ao grau de veracidade de uma hipótese.
Agora veremos como abordar o falsificacionismo popperiano na perspectiva bayesiana.
Continuando a usar trechos modificados do ensaio maior.
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Popper enfatizava o falsificacionismo: isto é, o poder de resultados negativos – qual seja, resultados que são contrários à previsão – refutarem hipóteses. Digamos, a hipótese de que a água sempre ferve a 100°C tem uma verossimilhança igual a zero em relação a um ponto de fervura de 90°C: P(~D|H) = 0. Assim:
Agora considere um resultado de fervura a 100°C. P(D|H) = 1. Teremos:
E como, no esquema popperiano, sempre pode haver uma hipótese alternativa que também explique o resultado obtido: P(D|~H) = 1:
Já que P(H) + P(~H) = 1 – ou algo é verdadeiro ou não é (usando a lógica clássica). Ou seja, resultados positivos, no esquema popperiano, como visto anteriormente, não alteram a probabilidade de uma hipótese ser verdadeira.
Por outro lado, considere uma hipótese que Popper considera não-científica: uma que é irrefutável, isto é, prevê ou é compatível com qualquer resultado que possa ser obtido, P(D|H) = 1 [que será o mesmo caso do efeito da confirmação em uma hipótese refutável: P(H|D) = P(H)] e P(~D|H) = 1:
Isto é, não importa o resultado obtido, a probabilidade a posteriori é igual à probabilidade a priori, então, a probabilidade atribuída à veracidade da hipótese não é alterada.
O problema com muitas crenças não-científicas, além das formulações irrefutáveis, é a crença a priori de que a crença seja verdadeira: P(H) = 1. O que ocorre nessa situação diante de um dado incompatível?
Temos uma indeterminação: uma divisão por zero, já que P(~H) será 0. Considerando-se valores de probabilidade a priori não nula e diferente de 1: 0 P(H) 1, se partimos de valores diferentes, a probabilidade a posteriori, após um número infinito de resultados, haverá uma convergência para P(H) 1 ou P(H) 0. Há um problema de que não é possível se obter um número infinito de resultados. A depender das diferenças entre as P(H)s iniciais, a convergência pode ser atingida com um certo número de dados – a diferença das P(H|D)s obtidas pode ser tão pequena quanto desejarmos, aumentando o tamanho do conjunto D. Por outro lado, a P(H|D) pode ser mantido em um valor fixo qualquer, mesmo com um conjunto D de tamanho crescente, simplesmente alterando-se o valor de P(H) de modo conveniente. Como a probabilidade a priori pode ser fixada de uma maneira totalmente arbitrária, se utilizarmos uma P(H) não nula nem igual a 1, mas muito próxima de um desses extremos, mesmo um conjunto muito grande de dados pode não ser suficiente para obter uma P(H|D) substancialmente diferente de P(H).
Considere-se, por exemplo, que um resultado D tem probabilidade de apenas 1 em 1 bilhão de ocorrer sob a suposição de que a hipótese H seja verdadeira; enquanto que o mesmo resultado D é esperado em 100% das vezes se a hipótese H for falsa. Se a probabilidade a priori P(H) for de, digamos, 0,9999, a probabilidade a posteriori P(H|D) cai para 1 em 100 milhões. Por outro lado, se a P(H) for de 0,999999999999999, a P(H|D) vai para 0,999002.
Essa abordagem teria pelo menos a vantagem de ajudar a situar o grau de comprometimento de alguém com suas crenças – a manutenção de pontos de vista mesmo com a apresentação de indícios contrários, poderia auxiliar na delimitação da P(H) tida pela pessoa. Mas mesmo isso é complicado. Conforme explicitado anteriormente, na questão dos limites impostos pela logicidade da análise científica, nenhuma hipótese é testada isoladamente, várias premissas auxiliaresm se juntam à hipótese principal para gerar as conclusões lógicas que servem como previsões da hipótese – comparando-se as previsões com os resultados, podemos avaliar a hipótese, em caso de incompatibilidade entre o previsto e o obtido, teríamos a refutação da hipótese: caso em que P(~D|H) = 0. Esse conjunto de premissas auxiliares formam um background que é testado em bloco. A equação de Bayes é adaptada do seguinte modo para levar em conta esse bloco F de premissas (muitas delas ocultas):
Em que “^” significa “e” – isto é, tanto o termo à esquerda quanto à direita são considerado como simultaneamente verdadeiros para que a sentença lógica seja considerada verdadeira – se um dos termos ou ambos forem falsos, a proposição é considerada falsa em sua totalidade. Por exemplo, uma bicicleta é um veículo movido à propulsão humana de duas rodas (de acordo com o Código Brasileiro do Trânsito: lei federal 9.503/1997). Se se deseja emplacar um veículo como bicicleta, o veículo precisa: a) ser movido à propulsão humana; b) ter duas rodas. Ela não pode apenas ter propulsão humana: poderia ser um monociclo se tivesse uma roda, um triciclo se tivesse três... (a lei é omissa em relação aos casos em que a bicicleta apresenta rodinhas auxiliares). Ela não pode apenas ter duas rodas, uma motocicleta tem duas rodas, mas tem propulsão motorizada. Assim, se considerarmos o predicado “ser movido à propulsão humana” como A e o predicado “ter duas rodas” como B, um veículo x só será uma bicicleta se A e B forem ambas simultaneamente verdadeiras, ou seja, se A^B for verdadeira. (Em termos de conjunto, o operador equivalente é o já visto “”). Retomando o exemplo do fóssil e do morcego:
- hipótese: todo morcego é mamífero
- o fóssil X é de um morcego
----------
- o fóssil X é de mamífero
Constatamos que o fóssil X não é de mamífero, de modo que P(~D|H^F) = 0.
Então podemos, como vimos anteriormente, ou assumir que a hipótese foi falseada – nem todos os morcegos são mamíferos, afinal – ou que uma ou mais premissas auxiliares são falsas: como aceitar que o fóssil não é de morcego (ou considerar tanto que morcegos não são mamíferos como que o fóssil não é de morcego).
Com isto, espero ter podido mostrar que as visões antagônicas do falsificacionismo popperiano e da heurística de aproximação assintótica da verdade podem ser, de um certo modo, compatibilizadas – ou ao menos podemos (sob certas circunstâncias) adotar uma moeda de troca que nos permita transmutar de um ponto de vista para o outro, sem grandes perdas quanto ao resto (informações a respeito do funcionamento do mundo, basicamente).
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Por outro lado, a abordagem bayesiana ao admitir um elemento subjetivo que fixa a probabilidade a priori, talvez descreva melhor a mudança em relação ao grau de convicção (crença pessoal), e não propriamente ao grau de veracidade de uma hipótese - aproximando-se assintoticamente da certeza objetiva.
Agora veremos como abordar o falsificacionismo popperiano na perspectiva bayesiana.
Continuando a usar trechos modificados do ensaio maior.
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Popper enfatizava o falsificacionismo: isto é, o poder de resultados negativos – qual seja, resultados que são contrários à previsão – refutarem hipóteses. Digamos, a hipótese de que a água sempre ferve a 100°C tem uma verossimilhança igual a zero em relação a um ponto de fervura de 90°C: P(~D|H) = 0. Assim:
Agora considere um resultado de fervura a 100°C. P(D|H) = 1. Teremos:
E como, no esquema popperiano, sempre pode haver uma hipótese alternativa que também explique o resultado obtido: P(D|~H) = 1:
Já que P(H) + P(~H) = 1 – ou algo é verdadeiro ou não é (usando a lógica clássica). Ou seja, resultados positivos, no esquema popperiano, como visto anteriormente, não alteram a probabilidade de uma hipótese ser verdadeira.
Por outro lado, considere uma hipótese que Popper considera não-científica: uma que é irrefutável, isto é, prevê ou é compatível com qualquer resultado que possa ser obtido, P(D|H) = 1 [que será o mesmo caso do efeito da confirmação em uma hipótese refutável: P(H|D) = P(H)] e P(~D|H) = 1:
Isto é, não importa o resultado obtido, a probabilidade a posteriori é igual à probabilidade a priori, então, a probabilidade atribuída à veracidade da hipótese não é alterada.
O problema com muitas crenças não-científicas, além das formulações irrefutáveis, é a crença a priori de que a crença seja verdadeira: P(H) = 1. O que ocorre nessa situação diante de um dado incompatível?
Temos uma indeterminação: uma divisão por zero, já que P(~H) será 0. Considerando-se valores de probabilidade a priori não nula e diferente de 1: 0 P(H) 1, se partimos de valores diferentes, a probabilidade a posteriori, após um número infinito de resultados, haverá uma convergência para P(H) 1 ou P(H) 0. Há um problema de que não é possível se obter um número infinito de resultados. A depender das diferenças entre as P(H)s iniciais, a convergência pode ser atingida com um certo número de dados – a diferença das P(H|D)s obtidas pode ser tão pequena quanto desejarmos, aumentando o tamanho do conjunto D. Por outro lado, a P(H|D) pode ser mantido em um valor fixo qualquer, mesmo com um conjunto D de tamanho crescente, simplesmente alterando-se o valor de P(H) de modo conveniente. Como a probabilidade a priori pode ser fixada de uma maneira totalmente arbitrária, se utilizarmos uma P(H) não nula nem igual a 1, mas muito próxima de um desses extremos, mesmo um conjunto muito grande de dados pode não ser suficiente para obter uma P(H|D) substancialmente diferente de P(H).
Considere-se, por exemplo, que um resultado D tem probabilidade de apenas 1 em 1 bilhão de ocorrer sob a suposição de que a hipótese H seja verdadeira; enquanto que o mesmo resultado D é esperado em 100% das vezes se a hipótese H for falsa. Se a probabilidade a priori P(H) for de, digamos, 0,9999, a probabilidade a posteriori P(H|D) cai para 1 em 100 milhões. Por outro lado, se a P(H) for de 0,999999999999999, a P(H|D) vai para 0,999002.
Essa abordagem teria pelo menos a vantagem de ajudar a situar o grau de comprometimento de alguém com suas crenças – a manutenção de pontos de vista mesmo com a apresentação de indícios contrários, poderia auxiliar na delimitação da P(H) tida pela pessoa. Mas mesmo isso é complicado. Conforme explicitado anteriormente, na questão dos limites impostos pela logicidade da análise científica, nenhuma hipótese é testada isoladamente, várias premissas auxiliares
Em que “^” significa “e” – isto é, tanto o termo à esquerda quanto à direita são considerado como simultaneamente verdadeiros para que a sentença lógica seja considerada verdadeira – se um dos termos ou ambos forem falsos, a proposição é considerada falsa em sua totalidade. Por exemplo, uma bicicleta é um veículo movido à propulsão humana de duas rodas (de acordo com o Código Brasileiro do Trânsito: lei federal 9.503/1997). Se se deseja emplacar um veículo como bicicleta, o veículo precisa: a) ser movido à propulsão humana; b) ter duas rodas. Ela não pode apenas ter propulsão humana: poderia ser um monociclo se tivesse uma roda, um triciclo se tivesse três... (a lei é omissa em relação aos casos em que a bicicleta apresenta rodinhas auxiliares). Ela não pode apenas ter duas rodas, uma motocicleta tem duas rodas, mas tem propulsão motorizada. Assim, se considerarmos o predicado “ser movido à propulsão humana” como A e o predicado “ter duas rodas” como B, um veículo x só será uma bicicleta se A e B forem ambas simultaneamente verdadeiras, ou seja, se A^B for verdadeira. (Em termos de conjunto, o operador equivalente é o já visto “”). Retomando o exemplo do fóssil e do morcego:
- hipótese: todo morcego é mamífero
- o fóssil X é de um morcego
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- o fóssil X é de mamífero
Constatamos que o fóssil X não é de mamífero, de modo que P(~D|H^F) = 0.
Então podemos, como vimos anteriormente, ou assumir que a hipótese foi falseada – nem todos os morcegos são mamíferos, afinal – ou que uma ou mais premissas auxiliares são falsas: como aceitar que o fóssil não é de morcego (ou considerar tanto que morcegos não são mamíferos como que o fóssil não é de morcego).
Com isto, espero ter podido mostrar que as visões antagônicas do falsificacionismo popperiano e da heurística de aproximação assintótica da verdade podem ser, de um certo modo, compatibilizadas – ou ao menos podemos (sob certas circunstâncias) adotar uma moeda de troca que nos permita transmutar de um ponto de vista para o outro, sem grandes perdas quanto ao resto (informações a respeito do funcionamento do mundo, basicamente).
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Por outro lado, a abordagem bayesiana ao admitir um elemento subjetivo que fixa a probabilidade a priori, talvez descreva melhor a mudança em relação ao grau de convicção (crença pessoal), e não propriamente ao grau de veracidade de uma hipótese - aproximando-se assintoticamente da certeza objetiva.
Discutindo ciências filosoficamente 3
Na postagem anterior da série, iniciei uma abordagem lógica da questão do falsificacionismo. Na primeira postagem, mencionei rapidamente uma ideia alternativa que considera que o grau de certeza de uma hipótese aumenta gradualmente com resultados positivos.
Essa abordagem alternativa é uma visão bayesiana. Ela envolve uma análise do ponto de vista da lógica-matemática e da teoria das probabilidades. Esta postagem terá então um relativo grau de matematização, mas são contas bastantes simples - embora, a depender do problema, a modelagem possa adquirir um grau bastante elevado de complexidade.
Mais uma vez aproveitarei trechos (modificados) do texto mais longo de um ensaio.
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A teoria bayesiana está relacionada à questão probabilística: como o acréscimo de uma nova observação altera – aumenta ou diminui – a probabilidade da correção de uma hipótese inicial. Não se trata, portanto, de uma teoria sobre o funcionamento do processo científico propriamente dito, mas pode ser adaptada para contemplá-lo: já que parte do processo científico consiste justamente na coleta de observações sobre fenômenos naturais e seu cotejamento contra as previsões feitas por uma hipótese ou teoria científica a respeito desses fenômenos. Ela é baseada no teorema de Bayes.
A equação 1 significa basicamente que a probabilidade de a hipótese estar correta considerando-se os dados obtidos é igual à: probabilidade de se obter os dados em questão caso a hipótese considerada seja mesmo verdadeira vezes a probabilidade a priori atribuída à hipótese (a crença que tínhamos na hipótese antes de se obter os resultados) dividida pela probabilidade média de se obter tais dados.
A figura 1 representa dois conjuntos genéricos A e B, poderia ser, p.e., A, o conjunto de pessoas que gostam da cor vermelha, e B, o conjunto de pessoas que gostam da cor azul. Há uma região de sobreposição, representada pela zona arroxeada – ela representa o conjunto de pessoas que gostam tanto de vermelho quanto de azul. A região em azul, com o rótulo ~AB indica as pessoas que não gostam de vermelho e gostam de azul. Digamos que o grupo A tenha 200 pessoas, o grupo B tenha 200 pessoas e a intersecção AB tenha 100 pessoas. (Ressaltando, o grupo AB pertence tanto ao conjunto A, quanto ao conjunto B – então o total de pessoas são de 200 + 200 – 100 = 300 indivíduos. Do contrário, estaríamos contando o conjunto AB duas vezes.)
Desse universo, se tomarmos uma pessoa ao acaso, a probabilidade dela gostar de vermelho é numericamente igual à proporção de pessoas que gostam de vermelho: isto é, o total de pessoas que gostam de vermelho (NA) dividido pelo total de pessoas (N). Assim P(A) = NA/N = 200/300 = 2/3. Do mesmo modo, a probabilidade de pessoas que gostam de azul é: P(B) = NB/N = 2/3. Já a probabilidade de que tenhamos tomado, ao acaso, uma pessoa que goste tanto de vermelho quanto de azul: P(AB) = NAB/N = 100/300 = 1/3. A probabilidade condicional P(A|B) representa a probabilidade de termos tomado uma pessoa que goste de vermelho, sabendo-se que ela gosta de azul. Para calcularmos essa probabilidade, basta dividir o número de pessoas que gostam de vermelho e azul (isto é, faça parte do conjunto AB) pelo número de pessoas que gostam de azul, assim: P(A|B) = NAB/NB = 100/200 = 1/2. Isso também corresponde a: P(A|B) = P(AB)/P(B) = (NAB/N)/(NB/N) = NAB/NB – como na situação anterior.
Similarmente: P(B|A) = P(AB)/P(A). Assim, rearranjando os termos: P(AB) = P(B|A).P(A)
Tendo isso em mente, é fácil deduzir a equação (1).
Apenas aqui representada por letras diferentes. Uma forma alternativa é apresentada abaixo (desdobrando-se P(B) em suas componentes em relação aos eventos ou elementos de A):
P(H|D) é denominado de probabilidade a posteriori da hipótese H, P(H) é a probabilidade a priori da hipótese H: isto é, representam as probabilidades da hipótese H ser verdadeira depois e antes do conjunto de dados D ser obtido. P(D|H) é denominado de verossimilhança (likelihood) da hipótese H. E P(D|~H) é a verossimilhança da hipótese ~H, a negação de H (isto é, que H é falso).
Resultados surpreendentes, por anti-intuivos (mas, tanto quanto podemos saber, verdadeiros ou “verdadeiros”), podem ser obtidos a partir da equação (4). Considere que uma pessoa se submeta a um exame para o diagnóstico de uma doença rara (uma pessoa em 100.000 a apresenta na população em geral). O exame é bastante preciso: apenas 1% de casos de falso positivo (isto é, apenas 1 teste de pessoas saudáveis a cada 100 realizados dá um resultado falso de que a pessoa é afetada pela doença) e 1% de falso negativo (1 em cada 100 exames de pessoas com a doença dá um resultado falso de que a pessoa não tem a enfermidade). O exame dá positivo. Qual a probabilidade de a pessoa estar mesmo doente?
Não é de 99% como se poderia imaginar pela precisão do exame. Considere que a probabilidade antes do exame de a pessoa ter a doença é de 1:100.000 (que é a taxa de incidência na população – e considerando-se que a pessoa foi tomada ao acaso dessa população): assim a probabilidade a priori P(H), isto é, de ser doente, é igual a 1/100.000. E a probabilidade a priori P(~H), isto é, de não ser doente, 1-P(H), é de 99.999/100.000. A probabilidade P(D|H), isto é, de dar positivo sendo a pessoa doente (positivo verdadeiro), é de 99/100; e a probabilidade P(D|~H), do exame dar positivo sendo a pessoa saudável (falso positivo) é de 1/100. Então, pela equação (4), a probabilidade P(H|D) da pessoa ser doente, dado o resultado do exame, será de:
Ou seja, as chances são de 1 em 1.000 e não de 99 em 100. Claro que, dado que o exame deu positivo, as chances da pessoa ser doente aumentam em relação à probabilidade a priori – isto é, em relação à média da população: de 1 em 100.000, passa para 1 em 1.000. Um modo de entender isso é que, na população, há um número muito maior de pessoas saudáveis, de modo que os falsos positivos acabam sendo em número muito maior do que o defalsos negativos positivos verdadeiros - 1% de, digamos, 100 milhões é maior do que 99% de 1.000. (Deve se ter em mente que se assumiu aqui que o indivíduo foi tomado ao acaso. Mas geralmente tais exames são feitos nas condições que se levam a suspeitar de que o indivíduo esteja doente, de modo que a probabilidade a priori será diferente da incidência na população.) E é por esse motivo que um cuidado adicional a se ter, diante de um resultado positivo inicial para uma doença é realizar um exame de contraprova.
Se um novo exame é feito, com resultado positivo, a probabilidade sobe para cerca de 1:10; mais um e a probabilidade vai para perto de 9:10; outro, 99:100 e assim por diante. A probabilidade vai aumentando, aproximando-se de 1, mas sem jamais atingi-lo.
Essa abordagem dá suporte à ideia probabilística de que o acúmulo de resultados positivos aumenta gradativamente a probabilidade de uma hipótese ou teoria ser verdadeira. Mas como isso se casa com a visão popperiana de que não se pode provar a veracidade de uma hipótese por maior que seja o número de resultados positivos?
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(To be continued...)
Essa abordagem alternativa é uma visão bayesiana. Ela envolve uma análise do ponto de vista da lógica-matemática e da teoria das probabilidades. Esta postagem terá então um relativo grau de matematização, mas são contas bastantes simples - embora, a depender do problema, a modelagem possa adquirir um grau bastante elevado de complexidade.
Mais uma vez aproveitarei trechos (modificados) do texto mais longo de um ensaio.
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A teoria bayesiana está relacionada à questão probabilística: como o acréscimo de uma nova observação altera – aumenta ou diminui – a probabilidade da correção de uma hipótese inicial. Não se trata, portanto, de uma teoria sobre o funcionamento do processo científico propriamente dito, mas pode ser adaptada para contemplá-lo: já que parte do processo científico consiste justamente na coleta de observações sobre fenômenos naturais e seu cotejamento contra as previsões feitas por uma hipótese ou teoria científica a respeito desses fenômenos. Ela é baseada no teorema de Bayes.
A equação 1 significa basicamente que a probabilidade de a hipótese estar correta considerando-se os dados obtidos é igual à: probabilidade de se obter os dados em questão caso a hipótese considerada seja mesmo verdadeira vezes a probabilidade a priori atribuída à hipótese (a crença que tínhamos na hipótese antes de se obter os resultados) dividida pela probabilidade média de se obter tais dados.
A figura 1 representa dois conjuntos genéricos A e B, poderia ser, p.e., A, o conjunto de pessoas que gostam da cor vermelha, e B, o conjunto de pessoas que gostam da cor azul. Há uma região de sobreposição, representada pela zona arroxeada – ela representa o conjunto de pessoas que gostam tanto de vermelho quanto de azul. A região em azul, com o rótulo ~AB indica as pessoas que não gostam de vermelho e gostam de azul. Digamos que o grupo A tenha 200 pessoas, o grupo B tenha 200 pessoas e a intersecção AB tenha 100 pessoas. (Ressaltando, o grupo AB pertence tanto ao conjunto A, quanto ao conjunto B – então o total de pessoas são de 200 + 200 – 100 = 300 indivíduos. Do contrário, estaríamos contando o conjunto AB duas vezes.)
Desse universo, se tomarmos uma pessoa ao acaso, a probabilidade dela gostar de vermelho é numericamente igual à proporção de pessoas que gostam de vermelho: isto é, o total de pessoas que gostam de vermelho (NA) dividido pelo total de pessoas (N). Assim P(A) = NA/N = 200/300 = 2/3. Do mesmo modo, a probabilidade de pessoas que gostam de azul é: P(B) = NB/N = 2/3. Já a probabilidade de que tenhamos tomado, ao acaso, uma pessoa que goste tanto de vermelho quanto de azul: P(AB) = NAB/N = 100/300 = 1/3. A probabilidade condicional P(A|B) representa a probabilidade de termos tomado uma pessoa que goste de vermelho, sabendo-se que ela gosta de azul. Para calcularmos essa probabilidade, basta dividir o número de pessoas que gostam de vermelho e azul (isto é, faça parte do conjunto AB) pelo número de pessoas que gostam de azul, assim: P(A|B) = NAB/NB = 100/200 = 1/2. Isso também corresponde a: P(A|B) = P(AB)/P(B) = (NAB/N)/(NB/N) = NAB/NB – como na situação anterior.
Similarmente: P(B|A) = P(AB)/P(A). Assim, rearranjando os termos: P(AB) = P(B|A).P(A)
Tendo isso em mente, é fácil deduzir a equação (1).
Apenas aqui representada por letras diferentes. Uma forma alternativa é apresentada abaixo (desdobrando-se P(B) em suas componentes em relação aos eventos ou elementos de A):
P(H|D) é denominado de probabilidade a posteriori da hipótese H, P(H) é a probabilidade a priori da hipótese H: isto é, representam as probabilidades da hipótese H ser verdadeira depois e antes do conjunto de dados D ser obtido. P(D|H) é denominado de verossimilhança (likelihood) da hipótese H. E P(D|~H) é a verossimilhança da hipótese ~H, a negação de H (isto é, que H é falso).
Resultados surpreendentes, por anti-intuivos (mas, tanto quanto podemos saber, verdadeiros ou “verdadeiros”), podem ser obtidos a partir da equação (4). Considere que uma pessoa se submeta a um exame para o diagnóstico de uma doença rara (uma pessoa em 100.000 a apresenta na população em geral). O exame é bastante preciso: apenas 1% de casos de falso positivo (isto é, apenas 1 teste de pessoas saudáveis a cada 100 realizados dá um resultado falso de que a pessoa é afetada pela doença) e 1% de falso negativo (1 em cada 100 exames de pessoas com a doença dá um resultado falso de que a pessoa não tem a enfermidade). O exame dá positivo. Qual a probabilidade de a pessoa estar mesmo doente?
Não é de 99% como se poderia imaginar pela precisão do exame. Considere que a probabilidade antes do exame de a pessoa ter a doença é de 1:100.000 (que é a taxa de incidência na população – e considerando-se que a pessoa foi tomada ao acaso dessa população): assim a probabilidade a priori P(H), isto é, de ser doente, é igual a 1/100.000. E a probabilidade a priori P(~H), isto é, de não ser doente, 1-P(H), é de 99.999/100.000. A probabilidade P(D|H), isto é, de dar positivo sendo a pessoa doente (positivo verdadeiro), é de 99/100; e a probabilidade P(D|~H), do exame dar positivo sendo a pessoa saudável (falso positivo) é de 1/100. Então, pela equação (4), a probabilidade P(H|D) da pessoa ser doente, dado o resultado do exame, será de:
Ou seja, as chances são de 1 em 1.000 e não de 99 em 100. Claro que, dado que o exame deu positivo, as chances da pessoa ser doente aumentam em relação à probabilidade a priori – isto é, em relação à média da população: de 1 em 100.000, passa para 1 em 1.000. Um modo de entender isso é que, na população, há um número muito maior de pessoas saudáveis, de modo que os falsos positivos acabam sendo em número muito maior do que o de
Se um novo exame é feito, com resultado positivo, a probabilidade sobe para cerca de 1:10; mais um e a probabilidade vai para perto de 9:10; outro, 99:100 e assim por diante. A probabilidade vai aumentando, aproximando-se de 1, mas sem jamais atingi-lo.
Essa abordagem dá suporte à ideia probabilística de que o acúmulo de resultados positivos aumenta gradativamente a probabilidade de uma hipótese ou teoria ser verdadeira. Mas como isso se casa com a visão popperiana de que não se pode provar a veracidade de uma hipótese por maior que seja o número de resultados positivos?
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(To be continued...)
sábado, 20 de fevereiro de 2010
Discutindo ciências filosoficamente 2
Na postagem inicial desta série, falei um pouco sobre o falsificacionismo popperiano. Faço aqui uma pequena incursão no campo da lógica aristotélica e em como isso se liga à questão do popperismo.
Os elementos básicos da lógica são as proposições. Proposições são afirmações ou negações às quais, ao menos em princípio, podem-se atribuir valores de verdade: são verdadeiros ou falsos (ou eventualmente algo intermediário). Na lógica aristotélica, uma proposição pode ser apenas verdadeira ou falsa - não podem ser falsas e verdadeiras ao mesmo tempo ou ter valores intermediários. Uma hipótese científica é uma proposição - embora nem toda proposição seja uma hipótese científica. P.e. o dragão na garagem saganiana não é uma hipótese científica (não é refutável nem em princípio), mas é uma proposição lógica (por hipótese podemos atribuir um valor de veracidade ou de falsidade).
Popper diz que uma hipótese científica pode, no melhor dos casos, ser mostrada como falsa, mas os dados nunca nos dizem que ela seja verdadeira. Por outro lado, uma hipótese científica é uma proposição, portanto, pode ser atribuída a ela um valor de verdade - poderia ser verdadeira ou poderia ser falsa. Haveria uma contradição aí? Não. E procuro demonstrar abaixo.
Falamos de proposições, agora falemos de argumento. Um argumento, em lógica, é um conjunto de proposições nos quais um subconjunto (conclusão) é derivado de outro subconjunto (premissas) - um argumento válido é aquele em que as conclusões decorrem logicamente das premissas, um argumento inválido é aquele em que as conclusões não decorrem das premissas.
O tipo mais comum de argumento lógico é o silogismo. Em um silogismo há duas premissas e uma conclusão decorrente das duas premissas. Em um silogismo válido, os valores de verdade das premissas e da conclusão são ligados. Porém, a única coisa que pode ser garantida é que se todas as premissas forem verdadeiras, a conclusão é verdadeira ou, de modo equivalente, se a conclusão não for verdadeira nem todas as premissas são verdadeiras.
Abaixo reproduzo mais um trecho (modificado) de um ensaio maior.
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As ciências são também limitadas por uma de suas características mais marcantes (ainda que não exclusiva): a logicidade. As ciências baseiam-se fundamentalmente na lógica – especialmente a aristotélica. Os testes de hipótese baseiam-se na observação dos fatos naturais (espontâneos ou induzidos em laboratório) a refutar ou corroborar a conclusão baseada na hipótese a ser testada.
- hipótese: todo morcego é mamífero
- o fóssil X é de um morcego
----------
- o fóssil X é de mamífero
Se, por acaso, descobrimos que o fóssil X não é de mamífero? Podemos considerar, de um lado, que a hipótese: “todo morcego é mamífero” seja falsa. Mas, de outro, poderíamos considerar que é falso que o fóssil X seja de um morcego (digamos, que seja de um pterossauro), salvando “todo morcego é mamífero”. Isso introduz um elemento de complicação, já que nenhuma hipótese é testada de modo isolado. Alguém poderia até mesmo argumentar que seja falso que o fóssil não seja de mamífero, salvando tanto a hipótese a ser testada quanto a premissa “o fóssil X é de morcego”. Normalmente, um cientista deve se cercar de todos os cuidados para minimizar as possibilidades de erro quanto ao fóssil não ser de mamífero: o fóssil está completo? a revisão osteológica foi feita corretamente? não houve erro na identificação dos ossos?
A outra limitação do esquema lógico aristotélico foi rapidamente sugerida na discussão sobre o modelo popperiano de ciências: a veracidade de uma conclusão não garante a veracidade das premissas. O uso de uma ou de duas premissas falsas pode produzir uma conclusão verdadeira:
1) Nenhum rapaz bonito é rico;
2) Eu sou um rapaz bonito;
----------
3) Logo, eu não sou rico.
A premissa 1 é obviamente falsa (poderão pensar em vários astros de Hollywood bem apessoados com muitos milhões de dólares na conta bancária); a premissa 2 é, para minha infelicidade, igualmente falsa; mas a conclusão 3, para minha maior infelicidade, é verdadeira. Se alguém duvidar de minha conformação estética ou de minha conta bancária, poderá pensar neste outro exemplo:
1’) Todo organismo verde tem cérebro;
2’) A arara-azul é um organismo verde;
----------
3’) A arara-azul tem cérebro.
Uma couve é verde, mas desprovida de cérebro, logo a premissa 1’ é falsa. A arara-azul é, claro, azul, não verde (ainda que em certas culturas não haja distinção nominal entre o verde e o azul; vide e.g. Kay, P. & Regier, T. 2006. Language, thought and color: recent developments. Trends in Cognitive Sciences 10(2): 51-4.), logo a premissa 2’ é falsa. Mas é verdade, pelo que podemos saber, que a arara azul tem um cérebro.
Com apenas uma das premissas falsas, poderíamos ter:
1”) Todos os descendentes de orientais são homens;
2”) Eu sou descendente de orientais;
----------
3”) Eu sou homem.
A premissa 1” é seguramente falsa, bastando pensar na Riyo Mori (japonesa Miss Universo de 2007), Ziyi Zhang (atriz e cantora chinesa, atriz principal de Memórias de uma Gueixa. Sim, produtores ocidentais ainda não sabem a diferença entre uma japonesa e uma chinesa...), Eun-hye Yoon (atriz, cantora, modelo e apresentadora sul-coreana), entre outras. Uma rápida olhada em meu sobrenome indica que 2” pode ser considerada verdadeira. Se a dúvida persistir, um exame em minha genealogia. Mas como nem todos terão acesso a ela, fiquemos com um
segundo exemplo:
1”’) Todo organismo verde tem cérebro;
2”’) O papagaio é um organismo verde;
----------
3’”) O papagaio tem cérebro.
A premissa 1’” corresponde à premissa 1’, que examinamos como falsa. A premissa 2”’ pode ser tomada como verdadeira (consideremos aqui um papagaio do tipo mais comum como a do gênero Amazona, certamente há papagaios de outras cores, como o papagaio cinza africano do gênero Psittacus).
Por este motivo, para Popper, um resultado positivo – igual ao previsto – é apenas uma corroboração e não uma confirmação.
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Os elementos básicos da lógica são as proposições. Proposições são afirmações ou negações às quais, ao menos em princípio, podem-se atribuir valores de verdade: são verdadeiros ou falsos (ou eventualmente algo intermediário). Na lógica aristotélica, uma proposição pode ser apenas verdadeira ou falsa - não podem ser falsas e verdadeiras ao mesmo tempo ou ter valores intermediários. Uma hipótese científica é uma proposição - embora nem toda proposição seja uma hipótese científica. P.e. o dragão na garagem saganiana não é uma hipótese científica (não é refutável nem em princípio), mas é uma proposição lógica (por hipótese podemos atribuir um valor de veracidade ou de falsidade).
Popper diz que uma hipótese científica pode, no melhor dos casos, ser mostrada como falsa, mas os dados nunca nos dizem que ela seja verdadeira. Por outro lado, uma hipótese científica é uma proposição, portanto, pode ser atribuída a ela um valor de verdade - poderia ser verdadeira ou poderia ser falsa. Haveria uma contradição aí? Não. E procuro demonstrar abaixo.
Falamos de proposições, agora falemos de argumento. Um argumento, em lógica, é um conjunto de proposições nos quais um subconjunto (conclusão) é derivado de outro subconjunto (premissas) - um argumento válido é aquele em que as conclusões decorrem logicamente das premissas, um argumento inválido é aquele em que as conclusões não decorrem das premissas.
O tipo mais comum de argumento lógico é o silogismo. Em um silogismo há duas premissas e uma conclusão decorrente das duas premissas. Em um silogismo válido, os valores de verdade das premissas e da conclusão são ligados. Porém, a única coisa que pode ser garantida é que se todas as premissas forem verdadeiras, a conclusão é verdadeira ou, de modo equivalente, se a conclusão não for verdadeira nem todas as premissas são verdadeiras.
Abaixo reproduzo mais um trecho (modificado) de um ensaio maior.
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As ciências são também limitadas por uma de suas características mais marcantes (ainda que não exclusiva): a logicidade. As ciências baseiam-se fundamentalmente na lógica – especialmente a aristotélica. Os testes de hipótese baseiam-se na observação dos fatos naturais (espontâneos ou induzidos em laboratório) a refutar ou corroborar a conclusão baseada na hipótese a ser testada.
- hipótese: todo morcego é mamífero
- o fóssil X é de um morcego
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- o fóssil X é de mamífero
Se, por acaso, descobrimos que o fóssil X não é de mamífero? Podemos considerar, de um lado, que a hipótese: “todo morcego é mamífero” seja falsa. Mas, de outro, poderíamos considerar que é falso que o fóssil X seja de um morcego (digamos, que seja de um pterossauro), salvando “todo morcego é mamífero”. Isso introduz um elemento de complicação, já que nenhuma hipótese é testada de modo isolado. Alguém poderia até mesmo argumentar que seja falso que o fóssil não seja de mamífero, salvando tanto a hipótese a ser testada quanto a premissa “o fóssil X é de morcego”. Normalmente, um cientista deve se cercar de todos os cuidados para minimizar as possibilidades de erro quanto ao fóssil não ser de mamífero: o fóssil está completo? a revisão osteológica foi feita corretamente? não houve erro na identificação dos ossos?
A outra limitação do esquema lógico aristotélico foi rapidamente sugerida na discussão sobre o modelo popperiano de ciências: a veracidade de uma conclusão não garante a veracidade das premissas. O uso de uma ou de duas premissas falsas pode produzir uma conclusão verdadeira:
1) Nenhum rapaz bonito é rico;
2) Eu sou um rapaz bonito;
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3) Logo, eu não sou rico.
A premissa 1 é obviamente falsa (poderão pensar em vários astros de Hollywood bem apessoados com muitos milhões de dólares na conta bancária); a premissa 2 é, para minha infelicidade, igualmente falsa; mas a conclusão 3, para minha maior infelicidade, é verdadeira. Se alguém duvidar de minha conformação estética ou de minha conta bancária, poderá pensar neste outro exemplo:
1’) Todo organismo verde tem cérebro;
2’) A arara-azul é um organismo verde;
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3’) A arara-azul tem cérebro.
Uma couve é verde, mas desprovida de cérebro, logo a premissa 1’ é falsa. A arara-azul é, claro, azul, não verde (ainda que em certas culturas não haja distinção nominal entre o verde e o azul; vide e.g. Kay, P. & Regier, T. 2006. Language, thought and color: recent developments. Trends in Cognitive Sciences 10(2): 51-4.), logo a premissa 2’ é falsa. Mas é verdade, pelo que podemos saber, que a arara azul tem um cérebro.
Com apenas uma das premissas falsas, poderíamos ter:
1”) Todos os descendentes de orientais são homens;
2”) Eu sou descendente de orientais;
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3”) Eu sou homem.
A premissa 1” é seguramente falsa, bastando pensar na Riyo Mori (japonesa Miss Universo de 2007), Ziyi Zhang (atriz e cantora chinesa, atriz principal de Memórias de uma Gueixa. Sim, produtores ocidentais ainda não sabem a diferença entre uma japonesa e uma chinesa...), Eun-hye Yoon (atriz, cantora, modelo e apresentadora sul-coreana), entre outras. Uma rápida olhada em meu sobrenome indica que 2” pode ser considerada verdadeira. Se a dúvida persistir, um exame em minha genealogia. Mas como nem todos terão acesso a ela, fiquemos com um
segundo exemplo:
1”’) Todo organismo verde tem cérebro;
2”’) O papagaio é um organismo verde;
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3’”) O papagaio tem cérebro.
A premissa 1’” corresponde à premissa 1’, que examinamos como falsa. A premissa 2”’ pode ser tomada como verdadeira (consideremos aqui um papagaio do tipo mais comum como a do gênero Amazona, certamente há papagaios de outras cores, como o papagaio cinza africano do gênero Psittacus).
Por este motivo, para Popper, um resultado positivo – igual ao previsto – é apenas uma corroboração e não uma confirmação.
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sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010
Patrulha purista vocabular 6
Dê-se o devido desconto aos jornalistas: a terminologia é um tanto confusa, os dicionários gerais e mesmo os técnicos não ajudam muito (sim, estou sendo eufemista).
Mas proponho aqui que se adote a distinção geralmente utilizada na geografia:
*enchente: período em que o nível dos corpos d'água de uma região se eleva em função do aumento da vazão além do normal (especialmente em função da estação das chuvas) - alguns especialistas restringem a elevação para o caso em que não ocorre o transbordamento da margem. (Viana et al. 2009) [Muitas vezes é sinonimizado com a cheia, mas a expressão cheia deveria ser restrita à elevação máxima no período.] Em oposição à enchente, temos a vazante, com a diminuição do nível dos rios após o período das chuvas. Mas a Codificação de Desastre, Ameaças e Riscos (Codar), define enchente como inundação gradual (Secretaria Nacional de Defesa Civil s.d. a).
*inundação: quando ocorre o transbordamento para as planícies inundáveis. (Viana et al. 2009)
*enxurrada: "inundação brusca devido às chuvas intensas e concentradas, principalmente em regiões de relevo acidentado". (Viana et al. 2009)
*alagamento: inundação em cidades, acúmulo de água sobre região impermeabilizada dentro do perímetro urbano após chuvas fortes ou constantes. (Secretaria Nacional de Defesa Civil, s.d. b)
Referências
SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL s. d. a. Codificação de Desastre, Ameaças e Riscos. Disponível em: http://www.defesacivil.gov.br/codar/index.asp. Acessado em: 19 fev. 2010.
SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL s.d. b. Glossário. Disponivel em: http://www.defesacivil.gov.br/glossario/index1.asp. Acessado em: 19 fev. 2010.
VIANA, Denilson Ribeiro; AQUINO, Francisco Eliseu; MUNOZ, Viviana Aguilar. Avaliação de desastres no Rio Grande do Sul associados a complexos convectivos de mesoescala. Soc. nat. (Online), Uberlândia, v. 21, n. 2, Aug. 2009 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-45132009000200007&lng=en&nrm=iso. Acessado em: 19 fev. 2010. doi: 10.1590/S1982-45132009000200007.
Mas proponho aqui que se adote a distinção geralmente utilizada na geografia:
*enchente: período em que o nível dos corpos d'água de uma região se eleva em função do aumento da vazão além do normal (especialmente em função da estação das chuvas) - alguns especialistas restringem a elevação para o caso em que não ocorre o transbordamento da margem. (Viana et al. 2009) [Muitas vezes é sinonimizado com a cheia, mas a expressão cheia deveria ser restrita à elevação máxima no período.] Em oposição à enchente, temos a vazante, com a diminuição do nível dos rios após o período das chuvas. Mas a Codificação de Desastre, Ameaças e Riscos (Codar), define enchente como inundação gradual (Secretaria Nacional de Defesa Civil s.d. a).
*inundação: quando ocorre o transbordamento para as planícies inundáveis. (Viana et al. 2009)
*enxurrada: "inundação brusca devido às chuvas intensas e concentradas, principalmente em regiões de relevo acidentado". (Viana et al. 2009)
*alagamento: inundação em cidades, acúmulo de água sobre região impermeabilizada dentro do perímetro urbano após chuvas fortes ou constantes. (Secretaria Nacional de Defesa Civil, s.d. b)
Referências
SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL s. d. a. Codificação de Desastre, Ameaças e Riscos. Disponível em: http://www.defesacivil.gov.br/codar/index.asp. Acessado em: 19 fev. 2010.
SECRETARIA NACIONAL DE DEFESA CIVIL s.d. b. Glossário. Disponivel em: http://www.defesacivil.gov.br/glossario/index1.asp. Acessado em: 19 fev. 2010.
VIANA, Denilson Ribeiro; AQUINO, Francisco Eliseu; MUNOZ, Viviana Aguilar. Avaliação de desastres no Rio Grande do Sul associados a complexos convectivos de mesoescala. Soc. nat. (Online), Uberlândia, v. 21, n. 2, Aug. 2009 . Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1982-45132009000200007&lng=en&nrm=iso. Acessado em: 19 fev. 2010. doi: 10.1590/S1982-45132009000200007.
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terça-feira, 16 de fevereiro de 2010
Discutindo ciências filosoficamente 1
Todos os filomatas deveriam ao menos conhecer as ideias básicas de Karl Popper sobre filosofia das ciências: ele foi mais do que apenas um epistemologista, mas para esta postagem é desse aspecto que falarei. Para uma introdução sobre Popper, duas fontes interessantes são esta (entrada da enciclopédia online sobre filosofia da Stanford University) e esta (sítio web dedicado a discutir a obra de Popper e trabalhos que analisam suas ideias).
O excerto abaixo é modificado de parte de um texto mais longo ao qual já me referi anteriormente. Publico aqui a propósito tanto da proposta trazida pelo novo sítio web de Gabriel Cunha (coautor do RNAm): o Ciensinando, quanto da discussão gerada pelo texto de Renato Azevedo no Polegar Opositor.
----------------------
Um esquema muito antiquado do processo de produção do conhecimento científico é como o que se segue: 1) observar e registrar os fatos do mundo real; 2) fazer uma generalização baseada nas observações; 3) formular uma hipótese para predizer os fatos; 4) fazer experimentos que comprovem a hipótese; 5) depois de muitos experimentos comprobatórios, a hipótese passa a ser uma teoria; 6) se a teoria se mantiver por muito tempo e sobreviver a mais experimentos, a teoria se transforma em uma lei científica.
Essa formulação acima se baseia na ideia do indutivismo e imagina um aumento gradativo na certeza a respeito de uma afirmação – indo do especulativo (“hipótese”), para o científico (“teoria”) e daí para a certeza (“lei”). Como dito, ela é antiquada e encontra-se em desuso na epistemologia das ciências.
Teoria são sempre teorias, elas não mudam para leis científicas. Leis científicas são apenas generalizações, normalmente na forma de relações matemáticas entre diferentes grandezas. Uma teoria é uma hipótese que procura explicar uma classe ampla de fenômenos. A hipótese é uma explicação que procura explicar um fenômeno em particular. Uma lei científica é um tipo de hipótese. Não há uma hierarquia entre elas no que se refere a graus de certeza, as denominações diferem apenas quanto ao grau de generalização e ao tipo de linguagem utilizada para expressá-las.
Considere a afirmação simples: “a água ferve sempre a 100°C”. Faz-se o experimento uma vez e se verifica que a água ferve a 100°C. Faz-se de novo e a mesma coisa. Fazem-se mil vezes e a água ferve a 100°C. No milésimo primeiro experimento, a água ferve a 200°C.
A hipótese é falsa por esse dado. O que ocorreria se a água fervesse a uma temperatura diferente de 100°C logo no primeiro experimento? A hipótese seria falseada. E se só ocorresse no ducentésimo milionésimo quadragésimo quinto experimento? Também a hipótese seria falseada.
A hipótese era verdadeira e de repente virou falsa? Não. Sempre foi falsa. Apenas descobrimos mais cedo ou descobrimos mais tarde que ela era falsa - na forma como proposta.
Não importa, então, quantas vezes obtenhamos o resultado previsto pela hipótese, sempre na próxima poderemos obter um resultado que a falseie. Assim, segundo Popper, não importa o número de corroborações, nunca a hipótese fica mais verdadeira.
O que muda, isso sim, é a nossa confiança na hipótese. Mas isso não se constitui em critério objetivo de veracidade. Não podemos ter certeza.
Mas como, então, pode haver um progresso científico? Vários relativistas negam que exista mesmo um progresso científico, porém é um posicionamento não defensável – sobretudo com o atrelamento do progresso tecnológico ao desenvolvimento das teorias científicas (somos mais e mais hábeis em manipular os elementos naturais a nosso favor ou contra nós).
Ocorre que a cada hipótese falseada, uma nova é colocada em seu lugar. Naturalmente essa nova hipótese deve cobrir toda a gama de dados que a anterior cobria e mais as que a antiga não cobria. Isso, por si só, aumenta o alcance da teoria substituta. (Estou usando hipótese e teoria de modo mais ou menos equivalente.)
Em não poucos casos, ocorre ainda um processo de generalização da teoria anterior – a antiga fica como uma espécie de caso particular da nova teoria (como a teoria newtoniana pode ser vista como a física einsteniana a baixas velocidades e energias).
Desse modo, pode haver uma expansão heurística da teoria anterior – mas o que não faz com que ela deixe de ser falsa na forma anteriormente proposta.
A única ideologia ao qual se precisa recorrer aqui – e nisso não há diferença entre as posições concorrentes – é a de que os dados da natureza são indicativos da realidade. Isto é, se eu meço o comprimento de um campo e obtenho de modo sistemático o valor de 129 metros, existe uma realidade subjacente por trás disso que corresponde a um valor de cerca de 129 metros – talvez o comprimento real do campo ou talvez outra propriedade do aspecto da realidade que faça com que eu meça esse valor (digamos, deus quis assim ou uma distorção local do espaço ou qualquer outra coisa). Uma ideologia concorrente seria o solipsismo – não há uma realidade objetiva, apenas a minha subjetividade e tudo não passa de uma ilusão. (Se bem que mesmo nesse caso, tenderíamos a associar uma estrutura de nossa subjetividade com os dados que obtemos.)
É bom observar também que o certo e o errado na sociedade são uma coisa. O “certo” e o “errado” nas ciências são outra coisa. A correção e a incorreção social é uma construção complexa que pode envolver atos de poder (geralmente o faz). A correção e a incorreção científica baseiam-se nos dados da natureza, nos fatos. Falar que o céu é verde é incorreto – é um dado da natureza de que ele é azul (descontando-se o nascer e o pôr-do-sol e eventuais alterações da visão; mais rigorosamente, é um dado da natureza que o céu dispersa e transmite a luz solar de tal modo que esta, ao atingir nossas retinas e ser processada por nosso cérebro, causa-nos a sensação visual da cor azul).
O conhecimento científico, então, não é definitivo, é algo sempre provisório. Mas se pode dizer que qualquer conhecimento acerca da natureza – entendendo aqui o conhecimento como o conjunto de informações a respeito de um sistema, e informação como qualquer dado que diminua a incerteza a respeito do estado desse sistema – é sempre provisório (por conta das limitações que temos para acessar a verdade ou mesmo para saber se ela, a verdade, de fato existe). No entanto, isso deve ser entendido com cuidado. Pois, do contrário, poderá ficar-se com a impressão de que, nesse caso então, qualquer coisa é igualmente válida – que é simples questão de escolher o discurso que mais agrade a respeito de como o mundo funciona, de que qualquer coisa é possível. Qualquer coisa é possível? Impossivel não é. Algo só é impossível dentro de uma determinada teoria – se os fatos mostram que não é impossível, então o problema é da teoria e não dos fatos. Por exemplo, pela segunda lei da termodinâmica é impossível se criar um motoperpétuo. Mas se alguém conseguir criar isso, azar da termodinâmica. Por enquanto não criaram, então continuamos com essas leis. O que importam são os dados fatuais. Há bons indícios a favor? Há indícios contra? Se há bons indícios a favor, então temos uma corroboração. Se há fortes indícios contra, então possivelmente teremos que revisar a teoria - ou mesmo abandoná-la.
É irônico que Popper – que durante anos se bateu com a teoria da evolução como não falseável (até finalmente ceder aos argumentos que demonstravam o caráter de falseabilidade da evolução) – tenha dado uma resposta de certo modo “selecionista” do progresso científico: as teorias eram selecionadas de modo a darem melhor conta dos fenômenos naturais, não progredindo necessariamente para um suposto caráter mais verdadeiro (de modo similar a que uma população de organismos pode evoluir para formas mais adaptadas a um ambiente modificado, sem chegar a um estado de perfeição). (Claro, vários filósofos se bateram contra o argumento de Popper a respeito.)
Pode-se perguntar então: “Para que pesquisar, então, se sempre temos a mesma dúvida?”
Por vários motivos. Para Popper, os cientistas deveriam trabalhar na tentativa de derrubar uma hipótese estabelecida. (Não é à toa que vários crackpots também se juntam a essa tarefa – mostrar que Einstein, afinal, estava errado é algo que massagearia o ego de quase qualquer pessoa.) Além disso, as dúvidas não são exatamente as mesmas - move-se para o que Popper chamou de “problemas mais interessantes”.
Voltemos à água que ferve a 200°C. Derrubamos a hipótese de que ela sempre ferve a 100°C. Mas por que ela ferveu a 200°C? Vemos que nosso assistente, cansado dos respingos de água quente, resolveu tampar a panela, mas como a tampa ficava sambando com as bolhas que escapavam, ele selou a tampa. Surge uma hipótese: a tampa fez com que as bolhas não mais pudessem escapar e com isso aumentou-se a pressão no interior da panela, o que aumentou a temperatura de fervura. Criamos a hipótese de que há relação direta entre pressão e temperatura de fervura. Deixamos a hipótese “a água sempre ferve a 100°C” e passamos para uma nova hipótese que, talvez concordem, é mais interessante – dá mais pano para manga. Em vez de apenas esquentar a água da panela e medir sua temperatura, passamos a analisar também a pressão – variamos esse fator e verificamos como a temperatura de ebulição se altera. E se um dia nosso assistente – na verdade somos nós, mas botamos a culpa no assistente, que é mais fácil – derrubar sal na água à pressão de 1 atm, notaremos que a nossa hipótese da relação direta da temperatura de ebulição da água com a pressão vai pro espaço... E criamos uma nova hipótese: “a temperatura de ebulição da água é função da concentração de sais dissolvidos e da pressão ambiente a que está submetida”... E a brincadeira prossegue.
Outro motivo para se pesquisar é que conseguimos soluções práticas para muitos problemas – desenvolvemos tecnologia com o conhecimento, dominamos melhor a natureza. (A possibilidade de controle mostra exatamente o nosso grau de conhecimento. Uma comparação, quanto menos você conhece um carro, menos você é capaz de guiá-lo. Mas se você sabe que se apertar tal pedal o carro avança e se aperta o outro pedal o carro pára, já começa a ser capaz de fazer algumas
coisas.)
Além de ser divertido pesquisar.
Saindo um pouco de Popper, entre muitos físicos, aí sim encontraremos defensores de aumento gradativo do grau de certeza (embora eles mesmos defendam o popperismo). Há ainda uma análise bayesiana desse aumento do grau de certeza – essa é um tanto mais complexa e abordaremos em outra ocasião.
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O excerto abaixo é modificado de parte de um texto mais longo ao qual já me referi anteriormente. Publico aqui a propósito tanto da proposta trazida pelo novo sítio web de Gabriel Cunha (coautor do RNAm): o Ciensinando, quanto da discussão gerada pelo texto de Renato Azevedo no Polegar Opositor.
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Um esquema muito antiquado do processo de produção do conhecimento científico é como o que se segue: 1) observar e registrar os fatos do mundo real; 2) fazer uma generalização baseada nas observações; 3) formular uma hipótese para predizer os fatos; 4) fazer experimentos que comprovem a hipótese; 5) depois de muitos experimentos comprobatórios, a hipótese passa a ser uma teoria; 6) se a teoria se mantiver por muito tempo e sobreviver a mais experimentos, a teoria se transforma em uma lei científica.
Essa formulação acima se baseia na ideia do indutivismo e imagina um aumento gradativo na certeza a respeito de uma afirmação – indo do especulativo (“hipótese”), para o científico (“teoria”) e daí para a certeza (“lei”). Como dito, ela é antiquada e encontra-se em desuso na epistemologia das ciências.
Teoria são sempre teorias, elas não mudam para leis científicas. Leis científicas são apenas generalizações, normalmente na forma de relações matemáticas entre diferentes grandezas. Uma teoria é uma hipótese que procura explicar uma classe ampla de fenômenos. A hipótese é uma explicação que procura explicar um fenômeno em particular. Uma lei científica é um tipo de hipótese. Não há uma hierarquia entre elas no que se refere a graus de certeza, as denominações diferem apenas quanto ao grau de generalização e ao tipo de linguagem utilizada para expressá-las.
Considere a afirmação simples: “a água ferve sempre a 100°C”. Faz-se o experimento uma vez e se verifica que a água ferve a 100°C. Faz-se de novo e a mesma coisa. Fazem-se mil vezes e a água ferve a 100°C. No milésimo primeiro experimento, a água ferve a 200°C.
A hipótese é falsa por esse dado. O que ocorreria se a água fervesse a uma temperatura diferente de 100°C logo no primeiro experimento? A hipótese seria falseada. E se só ocorresse no ducentésimo milionésimo quadragésimo quinto experimento? Também a hipótese seria falseada.
A hipótese era verdadeira e de repente virou falsa? Não. Sempre foi falsa. Apenas descobrimos mais cedo ou descobrimos mais tarde que ela era falsa - na forma como proposta.
Não importa, então, quantas vezes obtenhamos o resultado previsto pela hipótese, sempre na próxima poderemos obter um resultado que a falseie. Assim, segundo Popper, não importa o número de corroborações, nunca a hipótese fica mais verdadeira.
O que muda, isso sim, é a nossa confiança na hipótese. Mas isso não se constitui em critério objetivo de veracidade. Não podemos ter certeza.
Mas como, então, pode haver um progresso científico? Vários relativistas negam que exista mesmo um progresso científico, porém é um posicionamento não defensável – sobretudo com o atrelamento do progresso tecnológico ao desenvolvimento das teorias científicas (somos mais e mais hábeis em manipular os elementos naturais a nosso favor ou contra nós).
Ocorre que a cada hipótese falseada, uma nova é colocada em seu lugar. Naturalmente essa nova hipótese deve cobrir toda a gama de dados que a anterior cobria e mais as que a antiga não cobria. Isso, por si só, aumenta o alcance da teoria substituta. (Estou usando hipótese e teoria de modo mais ou menos equivalente.)
Em não poucos casos, ocorre ainda um processo de generalização da teoria anterior – a antiga fica como uma espécie de caso particular da nova teoria (como a teoria newtoniana pode ser vista como a física einsteniana a baixas velocidades e energias).
Desse modo, pode haver uma expansão heurística da teoria anterior – mas o que não faz com que ela deixe de ser falsa na forma anteriormente proposta.
A única ideologia ao qual se precisa recorrer aqui – e nisso não há diferença entre as posições concorrentes – é a de que os dados da natureza são indicativos da realidade. Isto é, se eu meço o comprimento de um campo e obtenho de modo sistemático o valor de 129 metros, existe uma realidade subjacente por trás disso que corresponde a um valor de cerca de 129 metros – talvez o comprimento real do campo ou talvez outra propriedade do aspecto da realidade que faça com que eu meça esse valor (digamos, deus quis assim ou uma distorção local do espaço ou qualquer outra coisa). Uma ideologia concorrente seria o solipsismo – não há uma realidade objetiva, apenas a minha subjetividade e tudo não passa de uma ilusão. (Se bem que mesmo nesse caso, tenderíamos a associar uma estrutura de nossa subjetividade com os dados que obtemos.)
É bom observar também que o certo e o errado na sociedade são uma coisa. O “certo” e o “errado” nas ciências são outra coisa. A correção e a incorreção social é uma construção complexa que pode envolver atos de poder (geralmente o faz). A correção e a incorreção científica baseiam-se nos dados da natureza, nos fatos. Falar que o céu é verde é incorreto – é um dado da natureza de que ele é azul (descontando-se o nascer e o pôr-do-sol e eventuais alterações da visão; mais rigorosamente, é um dado da natureza que o céu dispersa e transmite a luz solar de tal modo que esta, ao atingir nossas retinas e ser processada por nosso cérebro, causa-nos a sensação visual da cor azul).
O conhecimento científico, então, não é definitivo, é algo sempre provisório. Mas se pode dizer que qualquer conhecimento acerca da natureza – entendendo aqui o conhecimento como o conjunto de informações a respeito de um sistema, e informação como qualquer dado que diminua a incerteza a respeito do estado desse sistema – é sempre provisório (por conta das limitações que temos para acessar a verdade ou mesmo para saber se ela, a verdade, de fato existe). No entanto, isso deve ser entendido com cuidado. Pois, do contrário, poderá ficar-se com a impressão de que, nesse caso então, qualquer coisa é igualmente válida – que é simples questão de escolher o discurso que mais agrade a respeito de como o mundo funciona, de que qualquer coisa é possível. Qualquer coisa é possível? Impossivel não é. Algo só é impossível dentro de uma determinada teoria – se os fatos mostram que não é impossível, então o problema é da teoria e não dos fatos. Por exemplo, pela segunda lei da termodinâmica é impossível se criar um motoperpétuo. Mas se alguém conseguir criar isso, azar da termodinâmica. Por enquanto não criaram, então continuamos com essas leis. O que importam são os dados fatuais. Há bons indícios a favor? Há indícios contra? Se há bons indícios a favor, então temos uma corroboração. Se há fortes indícios contra, então possivelmente teremos que revisar a teoria - ou mesmo abandoná-la.
É irônico que Popper – que durante anos se bateu com a teoria da evolução como não falseável (até finalmente ceder aos argumentos que demonstravam o caráter de falseabilidade da evolução) – tenha dado uma resposta de certo modo “selecionista” do progresso científico: as teorias eram selecionadas de modo a darem melhor conta dos fenômenos naturais, não progredindo necessariamente para um suposto caráter mais verdadeiro (de modo similar a que uma população de organismos pode evoluir para formas mais adaptadas a um ambiente modificado, sem chegar a um estado de perfeição). (Claro, vários filósofos se bateram contra o argumento de Popper a respeito.)
Pode-se perguntar então: “Para que pesquisar, então, se sempre temos a mesma dúvida?”
Por vários motivos. Para Popper, os cientistas deveriam trabalhar na tentativa de derrubar uma hipótese estabelecida. (Não é à toa que vários crackpots também se juntam a essa tarefa – mostrar que Einstein, afinal, estava errado é algo que massagearia o ego de quase qualquer pessoa.) Além disso, as dúvidas não são exatamente as mesmas - move-se para o que Popper chamou de “problemas mais interessantes”.
Voltemos à água que ferve a 200°C. Derrubamos a hipótese de que ela sempre ferve a 100°C. Mas por que ela ferveu a 200°C? Vemos que nosso assistente, cansado dos respingos de água quente, resolveu tampar a panela, mas como a tampa ficava sambando com as bolhas que escapavam, ele selou a tampa. Surge uma hipótese: a tampa fez com que as bolhas não mais pudessem escapar e com isso aumentou-se a pressão no interior da panela, o que aumentou a temperatura de fervura. Criamos a hipótese de que há relação direta entre pressão e temperatura de fervura. Deixamos a hipótese “a água sempre ferve a 100°C” e passamos para uma nova hipótese que, talvez concordem, é mais interessante – dá mais pano para manga. Em vez de apenas esquentar a água da panela e medir sua temperatura, passamos a analisar também a pressão – variamos esse fator e verificamos como a temperatura de ebulição se altera. E se um dia nosso assistente – na verdade somos nós, mas botamos a culpa no assistente, que é mais fácil – derrubar sal na água à pressão de 1 atm, notaremos que a nossa hipótese da relação direta da temperatura de ebulição da água com a pressão vai pro espaço... E criamos uma nova hipótese: “a temperatura de ebulição da água é função da concentração de sais dissolvidos e da pressão ambiente a que está submetida”... E a brincadeira prossegue.
Outro motivo para se pesquisar é que conseguimos soluções práticas para muitos problemas – desenvolvemos tecnologia com o conhecimento, dominamos melhor a natureza. (A possibilidade de controle mostra exatamente o nosso grau de conhecimento. Uma comparação, quanto menos você conhece um carro, menos você é capaz de guiá-lo. Mas se você sabe que se apertar tal pedal o carro avança e se aperta o outro pedal o carro pára, já começa a ser capaz de fazer algumas
coisas.)
Além de ser divertido pesquisar.
Saindo um pouco de Popper, entre muitos físicos, aí sim encontraremos defensores de aumento gradativo do grau de certeza (embora eles mesmos defendam o popperismo). Há ainda uma análise bayesiana desse aumento do grau de certeza – essa é um tanto mais complexa e abordaremos em outra ocasião.
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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010
Ciência é prioridade? (parte 7)
Na postagem anterior pude argumentar em defesa de uma cesta de investimentos que incluía não apenas investimentos diretos na questão social: saneamento, campanhas de vacinação, distribuição de alimentos, etc.; como também em pesquisas aplicadas à resolução de tais problemas: pesquisas na área médica, engenharia sanitária, agronomia, etc.
Mas e as pesquisas básica e aplicada em áreas totalmente díspares? É justificável a pesquisa, digamos, em um programa espacial ou em física das partículas?
Paradoxal o quanto seja, neste caso, talvez seja mais fácil justificar a pesquisa básica do que a aplicada: a pesquisa básica tem maior potencial de legar certos tipos de conhecimento que podem ser extrapolados a outras áreas, incluindo as tecnologias de cunho social.
Por exemplo, conhecer a biologia básica de um organismo modelo como a Arabidopsis thaliana ou um Caenorhabidtis elegans pode ajudar a entender a biologia de um cultivar como o milho ou de um patógeno como o nemátodo causador da cegueira dos rios.
A física das partículas ajuda a dominar a manipulação de altas energias - abrindo a perspectiva de um dia se dominar, p.e., o processo de fusão: o santo graal da energia que sustentaria a economia do hidrogênio (mais do que o processo de células-combustível à hidrogênio, já que a energia liberada no processo químico de combinação com o oxigênio é menor do que a energia gasta na hidrólise que gera o hidrogênio molecular).
Mas e uma missão à Marte? À parte promessas de uma colonização espacial, toda a tecnologia de automação e comunicação remota podem ter aplicações aqui na Terra: e.g., em cirurgias à distância; equipamentos de sensoriamento remoto e telemetria. Claro que são montantes assombrosos as cifras da casa de 20 bilhões de dólares investidos na Nasa anualmente. Mas o investimento total em P&D nos EUA ultrapassam os 350 bilhões de dólares anuais. Em uma análise puramente econômica, a corrida à Lua - do ponto de vista dos EUA, pelo menos - mais do que se pagou com as tecnologias spin-offs: especialmente na miniuaturização de equipamentos que desembocaram direta ou indiretamente em diversos eletroeletrônicos domésticos.
Claro que esses conhecimentos e tecnologias *não* são os objetivos de tais pesquisas. Mas devem ser levados em conta na hora de analisar a validade dos investimentos. Especialmente porque grande parte desses conhecimentos e tecnologias não seriam obteníveis de outro modo (ou teriam uma probabilidade muito baixa de sê-los). Não é possível, no entanto, analisar nestes termos: iremos investir no programa espacial para obter uma tecnologia X aplicável na resolução de problemas sociais Y. Se essa previsão fosse possível, então bastaria desenvolver a tecnologia X. O que se pode fazer é uma análise probabilística do tipo de expectativa de ganho.
Propositadamente não falarei aqui no valor intrínseco do conhecimento - p.e., o valor que há em se conhecer como surgiu o Universo, mesmo sem uma utilidade prática dessa informação: o conhecimento pelo conhecimento.
A modelagem dessas análises é complexa. Há vários estudos que focam em termos estritamente econômicos - usando a moeda propriamente dita como valor de referência, o padrão de comparação. A vantagem da monetização é que é tecnicamente mais fácil (ou menos difícil); há, no entanto, inconvenientes éticos, como dar preço a vidas humanas (o que não impede de que isso seja feito a todo momento, p.e., em planos de seguro de vida).
A defesa completa do investimento em ciências - dentro da grande premissa aqui adotada de prioridade absoluta ao combate à exclusão social - que não apenas de áreas diretamente relacionadas com questões sociais depende de uma modelagem realista com valores numéricos. Deixo isso para uma outra oportunidade. Espero ao menos ter conseguido mostrar a linha de raciocínio que sustenta essa defesa - dentro de um mix de investimentos.
Mas e as pesquisas básica e aplicada em áreas totalmente díspares? É justificável a pesquisa, digamos, em um programa espacial ou em física das partículas?
Paradoxal o quanto seja, neste caso, talvez seja mais fácil justificar a pesquisa básica do que a aplicada: a pesquisa básica tem maior potencial de legar certos tipos de conhecimento que podem ser extrapolados a outras áreas, incluindo as tecnologias de cunho social.
Por exemplo, conhecer a biologia básica de um organismo modelo como a Arabidopsis thaliana ou um Caenorhabidtis elegans pode ajudar a entender a biologia de um cultivar como o milho ou de um patógeno como o nemátodo causador da cegueira dos rios.
A física das partículas ajuda a dominar a manipulação de altas energias - abrindo a perspectiva de um dia se dominar, p.e., o processo de fusão: o santo graal da energia que sustentaria a economia do hidrogênio (mais do que o processo de células-combustível à hidrogênio, já que a energia liberada no processo químico de combinação com o oxigênio é menor do que a energia gasta na hidrólise que gera o hidrogênio molecular).
Mas e uma missão à Marte? À parte promessas de uma colonização espacial, toda a tecnologia de automação e comunicação remota podem ter aplicações aqui na Terra: e.g., em cirurgias à distância; equipamentos de sensoriamento remoto e telemetria. Claro que são montantes assombrosos as cifras da casa de 20 bilhões de dólares investidos na Nasa anualmente. Mas o investimento total em P&D nos EUA ultrapassam os 350 bilhões de dólares anuais. Em uma análise puramente econômica, a corrida à Lua - do ponto de vista dos EUA, pelo menos - mais do que se pagou com as tecnologias spin-offs: especialmente na miniuaturização de equipamentos que desembocaram direta ou indiretamente em diversos eletroeletrônicos domésticos.
Claro que esses conhecimentos e tecnologias *não* são os objetivos de tais pesquisas. Mas devem ser levados em conta na hora de analisar a validade dos investimentos. Especialmente porque grande parte desses conhecimentos e tecnologias não seriam obteníveis de outro modo (ou teriam uma probabilidade muito baixa de sê-los). Não é possível, no entanto, analisar nestes termos: iremos investir no programa espacial para obter uma tecnologia X aplicável na resolução de problemas sociais Y. Se essa previsão fosse possível, então bastaria desenvolver a tecnologia X. O que se pode fazer é uma análise probabilística do tipo de expectativa de ganho.
Propositadamente não falarei aqui no valor intrínseco do conhecimento - p.e., o valor que há em se conhecer como surgiu o Universo, mesmo sem uma utilidade prática dessa informação: o conhecimento pelo conhecimento.
A modelagem dessas análises é complexa. Há vários estudos que focam em termos estritamente econômicos - usando a moeda propriamente dita como valor de referência, o padrão de comparação. A vantagem da monetização é que é tecnicamente mais fácil (ou menos difícil); há, no entanto, inconvenientes éticos, como dar preço a vidas humanas (o que não impede de que isso seja feito a todo momento, p.e., em planos de seguro de vida).
A defesa completa do investimento em ciências - dentro da grande premissa aqui adotada de prioridade absoluta ao combate à exclusão social - que não apenas de áreas diretamente relacionadas com questões sociais depende de uma modelagem realista com valores numéricos. Deixo isso para uma outra oportunidade. Espero ao menos ter conseguido mostrar a linha de raciocínio que sustenta essa defesa - dentro de um mix de investimentos.
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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010
Ciência é prioridade? (parte 6)
Se temos uma quantidade finita de recursos e se temos a ocorrência de injustiças sociais e se a correção das injustiças sociais é uma prioridade, ou melhor, *a* prioridade, devemos investir todos os recursos mais ou menos diretamente no combate à desigualdade social?
A resposta é: depende. Argumentei anteriormente como o investimento em certas áreas de ciências ajuda na produção de conhecimento e tecnologia que permitem combater melhor os problemas sociais. Colocando todas as medidas de resultados sob uma mesma 'moeda' padrão - digamos redução do índice Gini - podemos proceder a uma comparação mais ou menos direta lançando mão da ferramenta da expectativa do ganho médio.
Investir em certas áreas de ciências pode trazer um ganho médio maior do que se investirmos o recurso diretamente no combate ao problema. Como? De diversas maneiras.
Aqui, uma comparação econômica é novamente útil: digamos que Alexandre tenha 1.000 reais, assim como Bianca também tenha 1.000 reais. Ambos querem comprar um computador novo que custa os mesmos 1.000 reais. Digamos que a taxa de inflação do preço do aparelho seja de 5% ao ano. Digamos ainda que a poupança renda 6% ao ano. Alexandre compra o equipamento na hora. Bianca resolve aplicar na poupança. Ao fim do ano, Alexandre terá o computador e zero de saldo. Bianca terá o computador e um saldo de 10 reais. (Desconsidere aqui a depreciação do computador, bem como os eventuais ganhos que Alexandre possa ter pelo usufruto antecipado - o aparelho poderia, por exemplo, ser encomendado e ser entregue somente ao fim do ano.)
Um investimento em pesquisa pode significar que um resultado permita um combate mais eficiente dos problemas sociais: poderia, p.e., descobrir uma nova forma de distribuição de alimentos que implique em menos perda durante o transporte, menor tempo de estocagem, menor custo por carga... Como o investimento na poupança, o investimento em pesquisa pode permitir obter o mesmo resultado final, mas com sobra de recursos.
Se assim for, seria melhor então investir tudo em pesquisa e deixar de lado o atendimento atual dos problemas sociais? Aqui temos que analisar a questão sob a perspectiva do ótimo de Pareto. Uma situação de ótimo real é obtida com *qualquer* alocação de recursos - lembremos que o ótimo de Pareto *não* diz respeito à equidade ou ao ótimo global. Se aplicarmos 100% dos recursos em pesquisa, teremos um ótimo de Pareto: pois não é possível aumentar os recursos para fins sociais sem prejudicar a pesquisa. Se aplicarmos 100% dos recursos em ações sociais, também temos um ótimo de Pareto pelo motivo inverso. Então como essa ferramenta nos ajuda aqui? Através do ótimo *potencial* de Pareto. A alocação de recurso, digamos, em pesquisa pode ser justificada, mesmo em prejuízo ao atendimento imediato de demandas sociais, se o ganho esperado for superior à perda. Nesse caso voltamos à questão de se poderíamos alocar 100% dos recursos em pesquisa se obtivermos um ganho social maior ao fim. Talvez possa ser justificado nesse caso, mas é pouco provável que uma alocação de 100% em pesquisa redunde em um melhor resultado global. Pois, como discutimos a respeito dos sapatos trocados entre Alexandre e Bianca, o 'preço' de uma 'mercadoria' muda de acordo com a situação. Um resultado mais imediato obtido com a aplicação direta de recursos nas ações sociais passam a valer mais quanto mais recursos é deslocado para a pesquisa, de modo simétrico, os resultados de maior prazo esperados com a aplicação dos recursos em pesquisa passam a valer mais quanto mais recursos são alocados para as ações sociais - além disso, a relação entre recursos investidos/resultados obtidos não é linear: a partir de um montante, quanto mais se gasta, proporcionalmente menos os resultados são melhorados - passam a entrar em ação diversos gargalos (ou fatores limitantes): o sistema pode não estar dimensionado para o tamanho do fluxo de recursos (podem faltar agentes, coordenadores, a corrupção pode tomar conta do sistema...).
Então a virtude estaria no meio? Não necessariamente em uma divisão 50%/50%. O quanto para um lado e o quanto para o outro lado depende, mais uma vez, de diversos fatores: por exemplo, o montante de recursos disponíveis e a gravidade da disparidade social presente. Quanto menos recursos e quanto mais grave a desigualdade social, maior a fração de recursos que tendem a ser mais bem alocados se utilizados diretamente em ações sociais.
No caso do Brasil, temos uma desigualdade grande, por outro lado, temos muitos recursos - mesmo econômicos. Certamente uma cesta mista é justificável - embora eu não arrisque a dizer exatamente a proporção, mas, claro, para o lado de um gasto maior em ações sociais.
Justificamos assim em uma base mais sólida a existência de uma cesta de investimentos - sob todas as perspectivas a prioridade é o combate à desigualdade social, é a ajuda aos necessitados; mas exatamente essa prioridade demanda a aplicação de recursos em outras áreas que proporcionem resultados indiretos.
Indiretos o quanto sejam, ainda são resultados muito mais diretos do que a aplicação de dinheiro na exploração espacial e na física de partículas. Como ficam elas nesse quadro? Abordaremos isso na parada final desta longa caminhada.
Parte 7
A resposta é: depende. Argumentei anteriormente como o investimento em certas áreas de ciências ajuda na produção de conhecimento e tecnologia que permitem combater melhor os problemas sociais. Colocando todas as medidas de resultados sob uma mesma 'moeda' padrão - digamos redução do índice Gini - podemos proceder a uma comparação mais ou menos direta lançando mão da ferramenta da expectativa do ganho médio.
Investir em certas áreas de ciências pode trazer um ganho médio maior do que se investirmos o recurso diretamente no combate ao problema. Como? De diversas maneiras.
Aqui, uma comparação econômica é novamente útil: digamos que Alexandre tenha 1.000 reais, assim como Bianca também tenha 1.000 reais. Ambos querem comprar um computador novo que custa os mesmos 1.000 reais. Digamos que a taxa de inflação do preço do aparelho seja de 5% ao ano. Digamos ainda que a poupança renda 6% ao ano. Alexandre compra o equipamento na hora. Bianca resolve aplicar na poupança. Ao fim do ano, Alexandre terá o computador e zero de saldo. Bianca terá o computador e um saldo de 10 reais. (Desconsidere aqui a depreciação do computador, bem como os eventuais ganhos que Alexandre possa ter pelo usufruto antecipado - o aparelho poderia, por exemplo, ser encomendado e ser entregue somente ao fim do ano.)
Um investimento em pesquisa pode significar que um resultado permita um combate mais eficiente dos problemas sociais: poderia, p.e., descobrir uma nova forma de distribuição de alimentos que implique em menos perda durante o transporte, menor tempo de estocagem, menor custo por carga... Como o investimento na poupança, o investimento em pesquisa pode permitir obter o mesmo resultado final, mas com sobra de recursos.
Se assim for, seria melhor então investir tudo em pesquisa e deixar de lado o atendimento atual dos problemas sociais? Aqui temos que analisar a questão sob a perspectiva do ótimo de Pareto. Uma situação de ótimo real é obtida com *qualquer* alocação de recursos - lembremos que o ótimo de Pareto *não* diz respeito à equidade ou ao ótimo global. Se aplicarmos 100% dos recursos em pesquisa, teremos um ótimo de Pareto: pois não é possível aumentar os recursos para fins sociais sem prejudicar a pesquisa. Se aplicarmos 100% dos recursos em ações sociais, também temos um ótimo de Pareto pelo motivo inverso. Então como essa ferramenta nos ajuda aqui? Através do ótimo *potencial* de Pareto. A alocação de recurso, digamos, em pesquisa pode ser justificada, mesmo em prejuízo ao atendimento imediato de demandas sociais, se o ganho esperado for superior à perda. Nesse caso voltamos à questão de se poderíamos alocar 100% dos recursos em pesquisa se obtivermos um ganho social maior ao fim. Talvez possa ser justificado nesse caso, mas é pouco provável que uma alocação de 100% em pesquisa redunde em um melhor resultado global. Pois, como discutimos a respeito dos sapatos trocados entre Alexandre e Bianca, o 'preço' de uma 'mercadoria' muda de acordo com a situação. Um resultado mais imediato obtido com a aplicação direta de recursos nas ações sociais passam a valer mais quanto mais recurso
Então a virtude estaria no meio? Não necessariamente em uma divisão 50%/50%. O quanto para um lado e o quanto para o outro lado depende, mais uma vez, de diversos fatores: por exemplo, o montante de recursos disponíveis e a gravidade da disparidade social presente. Quanto menos recursos e quanto mais grave a desigualdade social, maior a fração de recursos que tendem a ser mais bem alocados se utilizados diretamente em ações sociais.
No caso do Brasil, temos uma desigualdade grande, por outro lado, temos muitos recursos - mesmo econômicos. Certamente uma cesta mista é justificável - embora eu não arrisque a dizer exatamente a proporção, mas, claro, para o lado de um gasto maior em ações sociais.
Justificamos assim em uma base mais sólida a existência de uma cesta de investimentos - sob todas as perspectivas a prioridade é o combate à desigualdade social, é a ajuda aos necessitados; mas exatamente essa prioridade demanda a aplicação de recursos em outras áreas que proporcionem resultados indiretos.
Indiretos o quanto sejam, ainda são resultados muito mais diretos do que a aplicação de dinheiro na exploração espacial e na física de partículas. Como ficam elas nesse quadro? Abordaremos isso na parada final desta longa caminhada.
Parte 7
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domingo, 7 de fevereiro de 2010
Ciência é prioridade? (parte 5)
Falei sobre a expectativa de ganho médio na postagem anterior e agora iremos ver o ótimo de Pareto.
O ótimo de Pareto em um sistema é alcançado quando qualquer melhora na condição de um elemento implique em uma piora em outro elemento do sistema. Embora seja uma noção originalmente aplicada em análise econômica, esse conceito é aplicável em uma ampla variedade de áreas. Deve-se notar que o ótimo de Pareto não implica em equidade ou em otimização global.
Interessante ilustração de ótimos de Pareto encontra-se na figura 1 desta página: reproduzo abaixo uma adaptação.
Um exemplo envolvendo o equilíbrio de Pareto pela alocação de recursos envolvendo agentes conscientes pode ser uma relação de troca entre dois indivíduos.
Caso 1) Digamos que Alexandre tenha 50 sapatos e Bianca tenha também 50 sapatos - todos do mesmo modelo e tamanho dos sapatos de Alexandre. Mas Alexandre tem 50 sapatos para pé esquerdo (A50E) e Bianca tem 50 sapatos para pé direito (B50D). Uma solução simples é que eles troquem entre si 25 sapatos de cada conjunto. Cada um ficará com 25 pares para os dois pés (A25E' + A25D'; B25E' + B25D'). A situação incial é de não-equilíbrio de Pareto (ou situação não-ótima), a situação em que ambos têm 25 pares de calçados é de equilíbrio.
Caso 2) Consideremos agora que Alexandre tenha 50 sapatos para pé esquerdo (A50E) e Bianca tenha 50 sapatos - 25 para pé esquerdo e 25 para pé direito (B25E + B25D). Essa é uma situação de equilíbrio de Pareto: Alexandre não pode trocar sapatos para pé esquerdo sem que Bianca piore sua situação (A50E'; B25E' + B25D').
Caso 3) Uma outra possibilidade seria: A50E e B24E + B26D. A situação de equilíbrio seria: A49E' + A1D'; B25E' + B25D'.
Caso 4) E neste caso: A50E e B24E + B25D? A situação de equilíbrio é: A49E' + A1D'; B25E' + B24D'. Repare que Bianca não ganha com a troca (considerando-se aqui apenas a questão de ter pares de sapatos utilizáveis), mas Alexandre consegue formar um par.
Estamos aqui assumindo que as operações de troca tenham o mesmo custo para ambas as partes e, mais, que cada sapato tenha o mesmo valor para cada um independentemente da distribuição. Isso não é realista, em especial a segunda suposição. Reanalisemos o caso 4. Bianca não ganha nada com a troca, Alexandre, no entanto, tem um interesse bastante grande. Por outro lado, Alexandre tem uma quantidade de sapatos esquerdos muito grande - Bianca poderia, em vez de aceitar uma troca 1 a 1, jogar o 'preço' do pé direito para o alto: ela poderia exigir 2 sapatos esquerdos em troca ou até mais. Alexandre ainda sairia ganhando - os pés esquerdos não lhe seriam úteis de qualquer forma.
Esse raciocínio vale para situações mais reais - substituindo sapatos esquerdos e direitos por produto x dinheiro; salário x tempo; recurso x resultado...
Uma situação de melhoria de Pareto potencial envolve um ganho por partes do sistema que seja igual ou maior do que a soma das perdas por outras partes do sistema.
Com as duas ferramentas: expectativa de ganho médio e do ótimo de pareto, poderemos analisar a otimização da distribuição de recursos, tendo como base de otimização a grande premissa: "é prioridade ajudar os necessitados".
Upideite(07/fev/2010): A versão inicial desta postagem incluía uma figura 2 sobre equilíbrio de Pareto em relações de troca, mas ela estava errada.
Parte 6
O ótimo de Pareto em um sistema é alcançado quando qualquer melhora na condição de um elemento implique em uma piora em outro elemento do sistema. Embora seja uma noção originalmente aplicada em análise econômica, esse conceito é aplicável em uma ampla variedade de áreas. Deve-se notar que o ótimo de Pareto não implica em equidade ou em otimização global.
Interessante ilustração de ótimos de Pareto encontra-se na figura 1 desta página: reproduzo abaixo uma adaptação.
Figura 1. Ótimo de Pareto. Três círculos internos a um triângulo. Objetivo: cada círculo deve ter a maior área possível; restrição: não pode haver sobreposição. (a.) Situação não-ótima: o círculo C pode ter sua área aumentada sem prejuízo aos demais círculos; (b.), (c.) e (d.) Situações ótimas. (c.) Ótimo global: a soma das áreas dos círculos é maximizada; (d.) Equidade: as áreas dos círculos são iguais. Adaptado de Petrie et al. 1995.
Um exemplo envolvendo o equilíbrio de Pareto pela alocação de recursos envolvendo agentes conscientes pode ser uma relação de troca entre dois indivíduos.
Caso 1) Digamos que Alexandre tenha 50 sapatos e Bianca tenha também 50 sapatos - todos do mesmo modelo e tamanho dos sapatos de Alexandre. Mas Alexandre tem 50 sapatos para pé esquerdo (A50E) e Bianca tem 50 sapatos para pé direito (B50D). Uma solução simples é que eles troquem entre si 25 sapatos de cada conjunto. Cada um ficará com 25 pares para os dois pés (A25E' + A25D'; B25E' + B25D'). A situação incial é de não-equilíbrio de Pareto (ou situação não-ótima), a situação em que ambos têm 25 pares de calçados é de equilíbrio.
Caso 2) Consideremos agora que Alexandre tenha 50 sapatos para pé esquerdo (A50E) e Bianca tenha 50 sapatos - 25 para pé esquerdo e 25 para pé direito (B25E + B25D). Essa é uma situação de equilíbrio de Pareto: Alexandre não pode trocar sapatos para pé esquerdo sem que Bianca piore sua situação (A50E'; B25E' + B25D').
Caso 3) Uma outra possibilidade seria: A50E e B24E + B26D. A situação de equilíbrio seria: A49E' + A1D'; B25E' + B25D'.
Caso 4) E neste caso: A50E e B24E + B25D? A situação de equilíbrio é: A49E' + A1D'; B25E' + B24D'. Repare que Bianca não ganha com a troca (considerando-se aqui apenas a questão de ter pares de sapatos utilizáveis), mas Alexandre consegue formar um par.
Estamos aqui assumindo que as operações de troca tenham o mesmo custo para ambas as partes e, mais, que cada sapato tenha o mesmo valor para cada um independentemente da distribuição. Isso não é realista, em especial a segunda suposição. Reanalisemos o caso 4. Bianca não ganha nada com a troca, Alexandre, no entanto, tem um interesse bastante grande. Por outro lado, Alexandre tem uma quantidade de sapatos esquerdos muito grande - Bianca poderia, em vez de aceitar uma troca 1 a 1, jogar o 'preço' do pé direito para o alto: ela poderia exigir 2 sapatos esquerdos em troca ou até mais. Alexandre ainda sairia ganhando - os pés esquerdos não lhe seriam úteis de qualquer forma.
Esse raciocínio vale para situações mais reais - substituindo sapatos esquerdos e direitos por produto x dinheiro; salário x tempo; recurso x resultado...
Uma situação de melhoria de Pareto potencial envolve um ganho por partes do sistema que seja igual ou maior do que a soma das perdas por outras partes do sistema.
Com as duas ferramentas: expectativa de ganho médio e do ótimo de pareto, poderemos analisar a otimização da distribuição de recursos, tendo como base de otimização a grande premissa: "é prioridade ajudar os necessitados".
Upideite(07/fev/2010): A versão inicial desta postagem incluía uma figura 2 sobre equilíbrio de Pareto em relações de troca, mas ela estava errada.
Parte 6
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sábado, 6 de fevereiro de 2010
Ciência é prioridade? (parte 4)
Na postagem anterior argumentei que pelo menos para algumas áreas científicas (mais especificamente a área de saúde, mas o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a outras áreas como produção de alimentos, engenharia sanitária, construção e outras envolvidas na resolução de problemas sociais: fome, insegurança, falta de moradia, baixa escolaridade, etc.) podemos justificar o investimento.
Em uma análise mais detalhada, o que observamos aqui é um raciocínio econômico: estamos pensando em termos de custos e benefícios, de trade-offs - os recursos são finitos (seja dinheiro, mão-de-obra, tempo...), investir em A significa deixar de investir em B. O que esperamos é que o quanto deixamos de investir em B para investir em A traga um retorno: econômico, social, esportivo, o que for o nosso padrão (no caso, estamos falando em retorno social - em muitas situações, em termos de vidas salvas, como fizemos na discussão sobre vacinas e investimento em saúde), maior do que se tivéssemos investido esse recurso em B.
Esse tipo de raciocínio exige então duas ferramentas: a análise da eficiência de Pareto, tomada da teoria econômica, de caráter determinista, e a análise da expectativa (média) de retorno, tomada da teoria estatística (desenvolvida para a análise de jogos de azar), portanto, com característica probabilística.
Sim, mais duas digressões e, não, não estou enrolando.
Comecemos com a análise da expectativa (média) de retorno. Consideremos, p.e., o jogo da Mega Sena. Em uma aposta simples (seis dezenas), as chances de se ganhar é de 1 emaproximadamenetaproximadamente 50 milhões (mais exatamente 50.063.860). A aposta atual custa 2 reais. A expectativa de ganho então é igual ao valor do prêmio vezes as chances de ganhar - e devemos subtrair o valor da aposta do montante. Chamemos de P o valor do prêmio, então a expectativa G de ganho será:
G = P.(1/50.063.860) - 2
Se o valor do prêmio acumulado for de R$ 100.127.720,00, teremos uma expectativa nula de ganho - na média de um número infinito de jogos simples, esperamos não ter acumulado nenhum ganho: o quanto gastamos nas apostas é o quanto ganhamos nas vezes em que temos o bilhete premiado. Qualquer valor abaixo disso, a expectativa é de perda. Se o prêmio acumulado for maior, a expectativa de ganho é positiva. (O Ideias Cretinas apresenta uma análise equivalente aqui.) Note que isso é probabilístico: uma pessoa pode perfeitamente acertar na Mega Sena acumulada sozinha com um único bilhete de aposta simples - apenas que as chances disso ocorrer é muito baixa. (Observação lateral - se incluirmos na aposta o fator diversão, pode ser que a aposta compense. Pessoas gastam 20 reais por uma sessão de duas horas no cinema unicamente para se divertir - e até mais do que isso se incluir o programa completo com alimentação e estacionamento. Talvez a expressão "imposto sobre a ignorância" para os jogos oficiais de azar seja um tanto maldosa.)
Na próxima postagem falarei do equilíbrio de Pareto.
Parte 5
Em uma análise mais detalhada, o que observamos aqui é um raciocínio econômico: estamos pensando em termos de custos e benefícios, de trade-offs - os recursos são finitos (seja dinheiro, mão-de-obra, tempo...), investir em A significa deixar de investir em B. O que esperamos é que o quanto deixamos de investir em B para investir em A traga um retorno: econômico, social, esportivo, o que for o nosso padrão (no caso, estamos falando em retorno social - em muitas situações, em termos de vidas salvas, como fizemos na discussão sobre vacinas e investimento em saúde), maior do que se tivéssemos investido esse recurso em B.
Esse tipo de raciocínio exige então duas ferramentas: a análise da eficiência de Pareto, tomada da teoria econômica, de caráter determinista, e a análise da expectativa (média) de retorno, tomada da teoria estatística (desenvolvida para a análise de jogos de azar), portanto, com característica probabilística.
Sim, mais duas digressões e, não, não estou enrolando.
Comecemos com a análise da expectativa (média) de retorno. Consideremos, p.e., o jogo da Mega Sena. Em uma aposta simples (seis dezenas), as chances de se ganhar é de 1 em
G = P.(1/50.063.860) - 2
Se o valor do prêmio acumulado for de R$ 100.127.720,00, teremos uma expectativa nula de ganho - na média de um número infinito de jogos simples, esperamos não ter acumulado nenhum ganho: o quanto gastamos nas apostas é o quanto ganhamos nas vezes em que temos o bilhete premiado. Qualquer valor abaixo disso, a expectativa é de perda. Se o prêmio acumulado for maior, a expectativa de ganho é positiva. (O Ideias Cretinas apresenta uma análise equivalente aqui.) Note que isso é probabilístico: uma pessoa pode perfeitamente acertar na Mega Sena acumulada sozinha com um único bilhete de aposta simples - apenas que as chances disso ocorrer é muito baixa. (Observação lateral - se incluirmos na aposta o fator diversão, pode ser que a aposta compense. Pessoas gastam 20 reais por uma sessão de duas horas no cinema unicamente para se divertir - e até mais do que isso se incluir o programa completo com alimentação e estacionamento. Talvez a expressão "imposto sobre a ignorância" para os jogos oficiais de azar seja um tanto maldosa.)
Na próxima postagem falarei do equilíbrio de Pareto.
Parte 5
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sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010
Ciência é prioridade? (parte 3)
Dando seguimento à série, na postagem anterior eu disse que é relativamente fácil justificar o investimento em certas áreas como a pesquisa em saúde. É bom frisar o 'relativamente'. Não quer dizer que seja fácil de modo absoluto.
Poderíamos começar a justificar explicitando a quantidade de vidas salvas com as vacinas, p.e. No entanto, isso remete à condição passada - o quanto disso é extrapolável no presente? Alguns estudos projetam que o investimento de pouco mais de 5 bilhões de dólares anuais em 23 procedimentos já estabelecidos salvariam a vida de 6 milhões de crianças/ano. 3 milhões de crianças são salvas todos os anos pela aplicação de vacina e outras 2 milhões morrem por falta de imunização.
Então investir no desenvolvimento de vacinas foi importante. Hoje, no entanto, já temos tais vacinas. É importante continuar a investir nisso? Infelizmente, os agentes que hoje podem ser prevenidos com vacinas ou combatidos com antivirais e antibióticos evoluem com o tempo: individíduos resistentes são selecionados e seus descendentes proliferam, tornando os métodos atuais ineficazes. Mutações nas cepas de vírus e linhagens de bactérias tornam-nos capazes de escapar à proteção conferida por vacinas criadas contra cepas e linhagens ancestrais: vacinas contra gripes têm eficácia limitada às cepas de vírus da gripe circulando na temporada.
Além disso há um número muito maior de problemas de saúde para os quais ainda não se encontraram soluções adequadas. Um grande grupo de enfermidades conhecidas como doenças (tropicais) negligenciadas afeta mais de um bilhão de pessoas, mas a pesquisa para sua cura e tratamento recebe pouco investimento - especialmente da indústria farmacêutica pelo baixo potencial de retorno econômico (como afeta pessoas extremamente pobres, estas tendem a não ter condições de pagar pelo tratamento).
Claro que, para uma boa parte dos problemas de saúde, há uma solução tecnicamente muito simples, barata e bem documentada: mudança no hábito de vida - parar de fumar, diminuir a ingestão de bebidas alcoólicas e de alimentos gordurosos, moderar no uso de sal, não praticar a automedicação, ter hábitos de higiene pessoal (lavar as mãos antes e depois de manipular alimentos e utensílios domésticos e depois de usar o banheiro, escovar os dentes regularmente), praticar exercícios físicos leves, adotar dieta balanceada... (vide, e.g., aqui e aqui). E mesmo doenças infecciosas podem ser combatidas por medidas profiláticas que impeçam a proliferação de vetores ou o contato com os agentes etiológicos. Ainda assim um espaço importante só pode ser ocupado pelas eventuais soluções encontradas pela pesquisa científica na área médica.
Nessa de linha de raciocínio, não é à toa que a OMS considere a pesquisa em saúde como um investimento e não um custo. E isso pode ser pensado como mais do que uma metáfora, há estudos que analisam a questão realmente sob a perspectiva econômica.
Parte 4
Poderíamos começar a justificar explicitando a quantidade de vidas salvas com as vacinas, p.e. No entanto, isso remete à condição passada - o quanto disso é extrapolável no presente? Alguns estudos projetam que o investimento de pouco mais de 5 bilhões de dólares anuais em 23 procedimentos já estabelecidos salvariam a vida de 6 milhões de crianças/ano. 3 milhões de crianças são salvas todos os anos pela aplicação de vacina e outras 2 milhões morrem por falta de imunização.
Então investir no desenvolvimento de vacinas foi importante. Hoje, no entanto, já temos tais vacinas. É importante continuar a investir nisso? Infelizmente, os agentes que hoje podem ser prevenidos com vacinas ou combatidos com antivirais e antibióticos evoluem com o tempo: individíduos resistentes são selecionados e seus descendentes proliferam, tornando os métodos atuais ineficazes. Mutações nas cepas de vírus e linhagens de bactérias tornam-nos capazes de escapar à proteção conferida por vacinas criadas contra cepas e linhagens ancestrais: vacinas contra gripes têm eficácia limitada às cepas de vírus da gripe circulando na temporada.
Além disso há um número muito maior de problemas de saúde para os quais ainda não se encontraram soluções adequadas. Um grande grupo de enfermidades conhecidas como doenças (tropicais) negligenciadas afeta mais de um bilhão de pessoas, mas a pesquisa para sua cura e tratamento recebe pouco investimento - especialmente da indústria farmacêutica pelo baixo potencial de retorno econômico (como afeta pessoas extremamente pobres, estas tendem a não ter condições de pagar pelo tratamento).
Claro que, para uma boa parte dos problemas de saúde, há uma solução tecnicamente muito simples, barata e bem documentada: mudança no hábito de vida - parar de fumar, diminuir a ingestão de bebidas alcoólicas e de alimentos gordurosos, moderar no uso de sal, não praticar a automedicação, ter hábitos de higiene pessoal (lavar as mãos antes e depois de manipular alimentos e utensílios domésticos e depois de usar o banheiro, escovar os dentes regularmente), praticar exercícios físicos leves, adotar dieta balanceada... (vide, e.g., aqui e aqui). E mesmo doenças infecciosas podem ser combatidas por medidas profiláticas que impeçam a proliferação de vetores ou o contato com os agentes etiológicos. Ainda assim um espaço importante só pode ser ocupado pelas eventuais soluções encontradas pela pesquisa científica na área médica.
Nessa de linha de raciocínio, não é à toa que a OMS considere a pesquisa em saúde como um investimento e não um custo. E isso pode ser pensado como mais do que uma metáfora, há estudos que analisam a questão realmente sob a perspectiva econômica.
Parte 4
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Ciência é prioridade? (parte 2)
O Brasil é um país socialmente desigual. Mas não precisamos nos ater apenas ao lugar comum. Isso pode ser demonstrado objetivamente, p.e., através do índice Gini.
Outros parâmetros podem ser usados como: acesso ao saneamento básico, educação, emprego, etc. E uma análise em nível mundial também pode ser considerada, p.e., comparando-se os IDHs dos países - notamos um número muito grande de pessoas vivendo em países com más condições de vida.
Temos então uma situação bastante clara de desigualdade social. Há pessoas muito necessitadas - seja no Brasil, seja no mundo. Invocando então a grande premissa, não deveríamos fazer de tudo para ajudá-las?
Pela premissa é nosso dever ajudá-las e dar a elas prioridade. Mas isso significa fazer de tudo? Se exagerarmos poderemos imaginar a situação em que a morte deliberada de uma criança poderia ser justificada para salvar a todos - digamos, o sangue da criança possui um raro composto não sintetizável que ajudaria a curar a doença de todas as pessoas, porém teríamos que lhe drenar todo o sangue para produzir a panaceia em quantidade suficiente. Alguns até concordariam com o sacrifício em nome de um bem maior, mas a maior parte das pessoas certamente se recusaria - novamente não precisamos aqui fazer um simples exercício de imaginação para concluir o que a maioria pensaria, experimentos psicológicos com situações de tróleis desgovernados revelam essa tendência (ok, ao menos entre os americanos e entre os visitantes do website da Greene Moral Cognition Laboratory com seu teste de senso moral).
Nesse sentido é relativamente fácil justificar certas áreas científicas como as que envolvem o desenvolvimento de novos medicamentos, novos tratamentos, combate a pragas, cultivares mais produtivos, técnicas mais eficientes de produção e assim por diante. Seus produtos são (potencialmente) diretamente aplicáveis na solução dos problemas sociais.
Ok, então podemos justificar o investimento em ciências. Mas isso ainda está longe da justificativa em áreas como a exploração espacial e a física de partículas e astrofísica.
Seguiremos nessa direção e sentido, mas faremos ainda algumas escalas na continuação desta série.
Parte 3
Figura 1. Evolução do índice Gini no Brasil comparativamente a Canadá, EUA e México. Fonte: Ipea 2008.
Outros parâmetros podem ser usados como: acesso ao saneamento básico, educação, emprego, etc. E uma análise em nível mundial também pode ser considerada, p.e., comparando-se os IDHs dos países - notamos um número muito grande de pessoas vivendo em países com más condições de vida.
Temos então uma situação bastante clara de desigualdade social. Há pessoas muito necessitadas - seja no Brasil, seja no mundo. Invocando então a grande premissa, não deveríamos fazer de tudo para ajudá-las?
Pela premissa é nosso dever ajudá-las e dar a elas prioridade. Mas isso significa fazer de tudo? Se exagerarmos poderemos imaginar a situação em que a morte deliberada de uma criança poderia ser justificada para salvar a todos - digamos, o sangue da criança possui um raro composto não sintetizável que ajudaria a curar a doença de todas as pessoas, porém teríamos que lhe drenar todo o sangue para produzir a panaceia em quantidade suficiente. Alguns até concordariam com o sacrifício em nome de um bem maior, mas a maior parte das pessoas certamente se recusaria - novamente não precisamos aqui fazer um simples exercício de imaginação para concluir o que a maioria pensaria, experimentos psicológicos com situações de tróleis desgovernados revelam essa tendência (ok, ao menos entre os americanos e entre os visitantes do website da Greene Moral Cognition Laboratory com seu teste de senso moral).
Nesse sentido é relativamente fácil justificar certas áreas científicas como as que envolvem o desenvolvimento de novos medicamentos, novos tratamentos, combate a pragas, cultivares mais produtivos, técnicas mais eficientes de produção e assim por diante. Seus produtos são (potencialmente) diretamente aplicáveis na solução dos problemas sociais.
Ok, então podemos justificar o investimento em ciências. Mas isso ainda está longe da justificativa em áreas como a exploração espacial e a física de partículas e astrofísica.
Seguiremos nessa direção e sentido, mas faremos ainda algumas escalas na continuação desta série.
Parte 3
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quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010
Ciência é prioridade? (parte 1)
Farei antes algumas digressões, necessárias a meu ver.
Neste blogue procuro não expressar minhas visões propriamente políticas - não apenas políticas partidárias, mas até de política científica. Não que não tenha tais opiniões ou que não as expresse. Faço isso alhures, como aqui. Não tampouco que considere que ciência seja um corpo absolutamente neutro de conhecimentos e que possa ser vista isoladamente de uma análise política.
Vamosdigredirdigressionar* um pouco mais: política entendida aqui não na conotação um tanto preconceituosa, um tanto baseada na prática muito corriqueira que envolve a corrupção por parte das autoridades constituídas, de ações exclusivamente de poder - negociatas, acordos por baixo dos panos, puxadas de tapetes... Mas em seu sentido conforme entendido pelas sociologiaciências sociais, em seu ramo de ciências políticas, conjunto de atividades, preceitos e valores que procuram organizar a sociedade no atendimento de suas necessidades e resoluções de conflitos.
Mesmo considerando-se essa visão mais, digamos, neutra (nem é tão neutra assim) de política procuro não debatê-la neste blogue: em boa parte, justamente pela mencionada visão popular do que seja política. Em geral, o debate é prejudicado à partida por tal preconcepção.
No entanto, se vamos discutir a respeito de investimentos em ciências - se devemos investir, em que áreas investir, como investir - isso é inevitalmente uma discussão política. Ela envolve uma visão a respeito de como a sociedade deve organizar e direcionar seus recursos - seja através de instituições, seja através de um poder delegado, seja por meio de ações individuais.
A discussão não é fácil, cada pessoa tem sua visão particular e seus preceitos - não é algo estritamente objetivo, uma argumentação não irá se sustentar unicamente com dados e números sobre ciência e sociedade. Se a visão de cada um for irredutivelmente diferente e até incompatível, uma vez que haja um denominador comum do que podemos chamar de realidade, as conclusões tenderão a ser diferentes e até incompatíveis. Por exemplo, duas pessoas podem concordar que um indiozinho esteja doente - esse é um dado mais ou menos objetivo -, mas ambas podem discordar totalmente sobre como proceder com o curumim - tratá-lo ou não tratá-lo - com base em visões opostas sobre o que é ou não aceitável - podemos ou não interferir em outra cultura?
Para esta análise - de um ponto de vista absolutamente particular, eu sei, mas ainda assim espero poder convencê-lo, leitor solitário deste blogue, da validade da argumentação (se não concordar comigo, ao menos que veja que eu tenho um bom ponto a defender) - partirei da grande premissa:
- É prioridade ajudar os necessitados (o que inclui a questão de se remover as injutiças sociais, as iniquidades socioeconômicas, as oportunidades de acesso, a questão da educação, alimentação, moradia e coisas assim).
O ponto a que tentarei chegar é: considerando-se a grande premissa da prioridade social e dentro do diagnóstico que há muito o que se fazer para sanar os problemas sociais - no Brasil e no mundo - ainda assim é defensável a aplicação de recursos na casa dos bilhões de dólares em pesquisas como as que devem ser conduzidas no LHC ou na exploração espacial.
------------
Esta série se baseia na discussão relatada nesta postagem. @kenmori está a abordar a questão em seu blogue 100Nexos.
*Upideite(04/fev/2010): André Lima lembra nos comentários que 'digredir' não está dicionarizado. Não que eu tenha pudores de bancar neologismos - crio-os às pencas - e a palavra tem uso corrente mais ou menos disseminado (sem falar que é eufônica e expressiva), mas como já há polêmica suficiente no tema, não comprarei mais uma por ora nesta série de postagens.
Parte 2
Neste blogue procuro não expressar minhas visões propriamente políticas - não apenas políticas partidárias, mas até de política científica. Não que não tenha tais opiniões ou que não as expresse. Faço isso alhures, como aqui. Não tampouco que considere que ciência seja um corpo absolutamente neutro de conhecimentos e que possa ser vista isoladamente de uma análise política.
Vamos
Mesmo considerando-se essa visão mais, digamos, neutra (nem é tão neutra assim) de política procuro não debatê-la neste blogue: em boa parte, justamente pela mencionada visão popular do que seja política. Em geral, o debate é prejudicado à partida por tal preconcepção.
No entanto, se vamos discutir a respeito de investimentos em ciências - se devemos investir, em que áreas investir, como investir - isso é inevitalmente uma discussão política. Ela envolve uma visão a respeito de como a sociedade deve organizar e direcionar seus recursos - seja através de instituições, seja através de um poder delegado, seja por meio de ações individuais.
A discussão não é fácil, cada pessoa tem sua visão particular e seus preceitos - não é algo estritamente objetivo, uma argumentação não irá se sustentar unicamente com dados e números sobre ciência e sociedade. Se a visão de cada um for irredutivelmente diferente e até incompatível, uma vez que haja um denominador comum do que podemos chamar de realidade, as conclusões tenderão a ser diferentes e até incompatíveis. Por exemplo, duas pessoas podem concordar que um indiozinho esteja doente - esse é um dado mais ou menos objetivo -, mas ambas podem discordar totalmente sobre como proceder com o curumim - tratá-lo ou não tratá-lo - com base em visões opostas sobre o que é ou não aceitável - podemos ou não interferir em outra cultura?
Para esta análise - de um ponto de vista absolutamente particular, eu sei, mas ainda assim espero poder convencê-lo, leitor solitário deste blogue, da validade da argumentação (se não concordar comigo, ao menos que veja que eu tenho um bom ponto a defender) - partirei da grande premissa:
- É prioridade ajudar os necessitados (o que inclui a questão de se remover as injutiças sociais, as iniquidades socioeconômicas, as oportunidades de acesso, a questão da educação, alimentação, moradia e coisas assim).
O ponto a que tentarei chegar é: considerando-se a grande premissa da prioridade social e dentro do diagnóstico que há muito o que se fazer para sanar os problemas sociais - no Brasil e no mundo - ainda assim é defensável a aplicação de recursos na casa dos bilhões de dólares em pesquisas como as que devem ser conduzidas no LHC ou na exploração espacial.
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Esta série se baseia na discussão relatada nesta postagem. @kenmori está a abordar a questão em seu blogue 100Nexos.
*Upideite(04/fev/2010): André Lima lembra nos comentários que 'digredir' não está dicionarizado. Não que eu tenha pudores de bancar neologismos - crio-os às pencas - e a palavra tem uso corrente mais ou menos disseminado (sem falar que é eufônica e expressiva), mas como já há polêmica suficiente no tema, não comprarei mais uma por ora nesta série de postagens.
Parte 2
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quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010
Mais sobre os emails roubados - agora pegaram uma coisa séria
Agora parece que encontraram um problema gravíssimo naqueles emails roubados do grupo CRU/EAU. A suspeita - até mais do que suspeita - é de uma falha muito séria de conduta e até fraude. Detalhes aqui.
A questão afeta um ponto importante no último relatório do IPCC, a influência da urbanização no aumento da temperatura na China. O artigo questionado (Jones et al. 1990) apontava que não havia influência (ou melhor, que a influência era 10 vezes menor do que a variação total da temperatura). Porém, quando os dados da localização das estações urbanas e rurais foram liberadas - sob o FOI britânico (lei de liberdade de informação) -, 40 de 42 localizações rurais não batiam.
Refazendo as contas, em 2008, Jones et al. detectaram uma influência do efeito de ilha de calor urbana de 39,55% - 0,81oC da variação de temperatura na China continental entre 1951 e 2004 seria devido ao aquecimento global propriamente dito e 0,53oC à urbanização.
Bem, até aí são dados publicados e a reinterpretação era conhecida. O que vem à tona é a possibilidade de manipulação dos dados no artigo publicado originalmente na Nature. A suspeita recai sobre Wei-Chyung Wang, coautor do trabalho. Por quê, uma vez alertado/ameaçado por email sobre as falhas das localizações, Jones não optou por anular (retract) o artigo é algo que ele precisa responder. O tom de ameaça talvez o tenha feito imaginar que seria ceder à chantagem; explicaria, mas a retirada ainda seria a coisa certa fazer.
Um ponto que é bom deixar claro. Isso não afeta a conclusão geral do aquecimento global antropogênico. Por quê? Esse resultado corrigido reflete a situação da China (e notemos que a maior parte ainda é imputável ao aquecimento global propriamente dito), mas o aumento de temperatura é detectado também em regiões em que não ocorreu um aumento tão intenso de urbanização e também é detectado nas temperaturas superficiais oceânicas, além de em regiões terrestres mais afastadas de zonas urbanas - com estações de localização conhecida. Além de ser uma tendência detectada também por medidas de satélite - mas para uma série mais curta.
(Via Marcelo Leite/Ciência em Dia)
Referências
Jones, P., Groisman, P., Coughlan, M., Plummer, N., Wang, W., & Karl, T. (1990). Assessment of urbanization effects in time series of surface air temperature over land Nature, 347 (6289), 169-172 DOI: 10.1038/347169a0
Jones, P., Lister, D., & Li, Q. (2008). Urbanization effects in large-scale temperature records, with an emphasis on China Journal of Geophysical Research, 113 (D16) DOI: 10.1029/2008JD009916
A questão afeta um ponto importante no último relatório do IPCC, a influência da urbanização no aumento da temperatura na China. O artigo questionado (Jones et al. 1990) apontava que não havia influência (ou melhor, que a influência era 10 vezes menor do que a variação total da temperatura). Porém, quando os dados da localização das estações urbanas e rurais foram liberadas - sob o FOI britânico (lei de liberdade de informação) -, 40 de 42 localizações rurais não batiam.
Refazendo as contas, em 2008, Jones et al. detectaram uma influência do efeito de ilha de calor urbana de 39,55% - 0,81oC da variação de temperatura na China continental entre 1951 e 2004 seria devido ao aquecimento global propriamente dito e 0,53oC à urbanização.
Bem, até aí são dados publicados e a reinterpretação era conhecida. O que vem à tona é a possibilidade de manipulação dos dados no artigo publicado originalmente na Nature. A suspeita recai sobre Wei-Chyung Wang, coautor do trabalho. Por quê, uma vez alertado/ameaçado por email sobre as falhas das localizações, Jones não optou por anular (retract) o artigo é algo que ele precisa responder. O tom de ameaça talvez o tenha feito imaginar que seria ceder à chantagem; explicaria, mas a retirada ainda seria a coisa certa fazer.
Um ponto que é bom deixar claro. Isso não afeta a conclusão geral do aquecimento global antropogênico. Por quê? Esse resultado corrigido reflete a situação da China (e notemos que a maior parte ainda é imputável ao aquecimento global propriamente dito), mas o aumento de temperatura é detectado também em regiões em que não ocorreu um aumento tão intenso de urbanização e também é detectado nas temperaturas superficiais oceânicas, além de em regiões terrestres mais afastadas de zonas urbanas - com estações de localização conhecida. Além de ser uma tendência detectada também por medidas de satélite - mas para uma série mais curta.
(Via Marcelo Leite/Ciência em Dia)
Referências
Jones, P., Groisman, P., Coughlan, M., Plummer, N., Wang, W., & Karl, T. (1990). Assessment of urbanization effects in time series of surface air temperature over land Nature, 347 (6289), 169-172 DOI: 10.1038/347169a0
Jones, P., Lister, D., & Li, Q. (2008). Urbanization effects in large-scale temperature records, with an emphasis on China Journal of Geophysical Research, 113 (D16) DOI: 10.1029/2008JD009916
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terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
O velho dilema do investimento prioritário
Certo que cada país tem suas prioridades; no caso do Brasil, temos necessidades básicas ainda longe de serem atendidas: saneamento, acesso a alimentos seguros, segurança...
Com base nisso e na nova ameaça de corte de orçamentos da Nasa, uma ótima discussão rolando no twitter entre: @luizbento, @kenmori, @balamagica, @carloshotta, @sibelefausto, @Rafael_RNAm e eu - participações especiais de @joeysalgado e @uoleo.
Abaixo uma compilação da discussão até agora: do mais antigo para o mais recente (mais tarde talvez eu faça uma postagem sobre o assunto - naturalmente sob o meu ponto de vista).
--------------------------
luizbento Obama: No, we can´t http://ff.im/-fg8ok
Rafael_RNAm Corte no investimento da NASA. Mas mandar gente pro espaço é prioridade em um mundo em crise? RT @luizbento: http://ff.im/-fg8ok
Rafael_RNAm Prefiro áreas mais estratégicas como Obama fez: educação, previdência, e pesquisa básica em outras áreas.
luizbento RT @Rafael_RNAm: Corte no investimento da NASA. Mas mandar gente pro espaço é prioridade em um mundo em crise?
luizbento Se investir em mandar alguém pro espaço não é prioridade pros EUA, imagina o dinheiro gasto no programa espacial brasileiro?
kenmori @Rafael_RNAm @luizbento Se não tivessem mandado gente para a Lua, talvez nem tivéssemos Internet. Eu lamentei a decisão.
Rafael_RNAm A não, essa história não cola mais. A internet resolveu o q? O mundo esta melhor mesmo? acho q não. @kenmori @luizbento
luizbento @Rafael_RNAm @kenmori Acho que entramos em uma discussão conceitual. O que seria "Melhorar o mundo?"
joeysalgado @luizbento @kenmori Concordo com o @Rafael_RNAm. Aliás, se a internet não existisse, não sentiríamos a falta dela, por definição.
uoleo Internet só serve para resolver problemas que ela mesma cria.
kenmori @joeysalgado @luizbento @Rafael_RNAm O mundo está melhor e o impacto disto será melhor visto nos próximos anos.
joeysalgado @kenmori @Rafael_RNAm Mas aí cabe a pergunta do @luizbento: o que é um mundo melhor?
kenmori @Rafael_RNAm @luizbento Sem contar q o Obama perde o q resta da janela de comb fóssil acessível. Ir para as estrelas só vai ficar + difícil
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori Há q se investir em prioridades, mas não apenas em prioridades. Digamos que investíssemos em prioridaeds...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori ... todo o recurso disponível. Não teríamos spinoffs q ajudam a combater os problemas prioritários...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori Spinoffs gerados por tecnologia não prioritária. Game é prioritário? Não. Mas muita tecnologia de gestão...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori ...é derivada de games: através de conceitos, hardwares ou algoritmos.
rmtakata @luizbento Ou pense no caso da mixameba que formou o mapa ferroviário do Japão... E daí? Qual a utilidade daquilo? Não sabemos.
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori Ou qual a utilidade de se escrever um blogue frente a ir plantar algum alimento?
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori A questão é saber fazer uma cesta de investimentos. Alguns mais seguros - prioritários ...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori ...outros mais ousados - arriscados, mas com potencial de gerar mais coisas.
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado: e sendo mequetrefe (:P), meu pitaco é...
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado: ...que a internet apareceu tbm devido à Guerra Fria: a corrida espacial...
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado... e não só a net, como tb inúmeras outras tecnologias. Aí vem a questão:
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado ... é lícito investir em guerra?
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado Guerra gera um baita spinoff...
rmtakata @sibelefausto A lógica da guerra é diferente. Como estavam em corrida armamentista. Se um abdicasse, o outro conquistava. A menos q tenha...
rmtakata @sibelefausto ...vocação para Gandhi ou para gado, isso gera reação.
sibelefausto @rmtakata Não coloco em questão se a lógica é diferente ou não. O fato é que havia uma Guerra ideológica (Fria) e isso alavancou...
sibelefausto @rmtakata uma enxurrada de novas tecnologias. Hoje, sem Guerra Fria, é compreensível que o programa espacial dos EUA seja descontinuado...
sibelefausto @rmtakata ... mas ainda há desenvolvimento tecnológica baseado no esforço de guerra (as do Golfo, Afeganistão e Iraque estão aí p/ provar)
rmtakata @sibelefausto Essas guerras (q não são guerras, são massacres) apresentam um custo extra.
sibelefausto Guerras sempre foram o principal leitmotiv para novas tecnologias.
sibelefausto @rmtakata sim? E qual seria?
rmtakata @sibelefausto Qual seria o q?
sibelefausto @rmtakata o custo extra... (sou ingênua, sou não?) :P
rmtakata @sibelefausto Digamos dezenas de milhares de mortos.
sibelefausto @rmtakata Por isso mesmo repito a questão: embora gere um colossal spinoff, *é lícito investir em guerras*?
rmtakata @sibelefausto Mas alguém estava falando em guerras?
sibelefausto @rmtakata Falava-se do fim do programa espacial dos EUA. O @kenmori questionou tal medida, pois muita tecnologia é derivada disso,..
rmtakata @sibelefausto Programa espacial =/= guerra.
sibelefausto @rmtakata ...e eu só coloquei que o tal programa só surgiu, só existiu devido `a Guerra Fria. E q *toda* guerra gera tecnologias variadas...
sibelefausto @rmtakata Então, indiretamente, falava-se sim em guerras, tá? :P
rmtakata @sibelefausto Não, ninguém estava falando em guerra.
rmtakata @sibelefausto Se vc mostrar que morreram vários civis inocentes diretamente decorrente da corrida espacial terá algum argumento.
sibelefausto @rmtakata Bem, os mísseis teleguiados derivados das tecnologis espaciais vale?
rmtakata @sibelefausto Derivados, não.
rmtakata @sibelefausto Senão vc proíbe vacina pelas armas biológicas derivadas.
sibelefausto @rmtakata Ué, mas para desenvolver vacina precisa tb criar armas biológicas?
rmtakata @sibelefausto A discussão era sobre investimentos em áreas aparentemente inúteis e não em áreas malévolas.
rmtakata @sibelefausto Ué, mas para mandar o homem à Lua tb precisa desenvolver mísseis teleguiados?
sibelefausto @rmtakata É, mas ninguém, ninguém mesmo vai admitir que está investindo numa área malévola, não?
sibelefausto @rmtakata E precisar não precisa... mas foram desenvolvidos, não?
rmtakata RT @sibelefausto ninguém mesmo vai admitir que está investindo numa área malévola<=Possivelmte não, mas a discussão não era essa.
Rafael_RNAm Qual a chance de um spinoff para problemas mais sociais indo pra Lua ou investindo em agric. e energia? @rmtakata @luizbento @kenmori
Rafael_RNAm ...Pensando estatisticamente. Só lembramos das pesquisas q deram certo. qtas não deram em nada? @rmtakata @luizbento @kenmori
luizbento @Rafael_RNAm @rmtakata @kenmori Além disso umq boa parte dessas "descobertas ao acaso" não são completamente verdadeiras...
carloshotta @Rafael_RNAm s[o que náo h[a um mecanismo de se financiar s[o pesquisas que dáo certo...
carloshotta @Rafael_RNAm @luizbento o problema é que vcs partem do princípio de que se "investe um dinheirão" em pesquisa!
carloshotta @Rafael_RNAm @luizbento qualquer banco que vá à falência, no mundo inteiro, já dá esse trocado dado à pesquisa pelos governantes
carloshotta @luizbento @Rafael_RNAm isso torna toda a discussão meio inútil não?
uoleo Eu estou achando essa discussão inútil desde sempre. Internet só serve pra atazanar os outros e ir pro espaço não deu em nada até agora.
uoleo Só conseguimos medir melhor a dilatação espaçotemporal da gravidade, mas do lado da minha casa tem uma favela.
Rafael_RNAm @carloshotta @luizbento Pouco dinheiro, por isso o mínimo é investir estrategicamente o pouco q se tem. Ideal é aumentar em tudo #utopia
Rafael_RNAm @carloshotta @luizbento Sinceramente, por mim acaba investimento em ciência e qquer outra coisa enqto ñ há um mínimo de paridade social.
carloshotta @Rafael_RNAm @luizbento tem que aumentar o bolo, gente.
rmtakata @Rafael_RNAm Bem, o processo de conversação de alimentos permite, ao menos potencialmente, uma melhor distribuição de alimentos.
rmtakata @Rafael_RNAm O processo de racionalização de produção e armazenamento de lixo - em uma nave o espaço é beeeem limitado.
rmtakata @Rafael_RNAm A cirurgia à distância tem um grande potencial de levar medicina de alto nível a rincões.
rmtakata @Rafael_RNAm Estatisticamente, a pesquisa aplicada tem muito menos spinoffs. E menos aplicação na própria área.
rmtakata @Rafael_RNAm Isso porq, em pesquisa básica não tem muito o "não dar certo": qualquer resultado é um resultado.
rmtakata @Rafael_RNAm E em pesquisa não-prioritária, o objetivo não é mesmo produzir coisas para áreas prioritárias.
rmtakata @carloshotta @luizbento @rafael_RNAm @kenmori Basta ver o qto os governos gastam em publicidade...
rmtakata... sem falar em qto é desviado por corrupção e má gestão.
Rafael_RNAm @rmtakata Meu problema é: qdo o q JÁ se sabe for aplicado a TODOS, podemos sonhar em pesquisar o q bem intendermos. Nasa é desperdício sim
Rafael_RNAm Sério mesmo? RT @rmtakata: @Rafael_RNAm Estatísticamente, a pesquisa aplicada tem muito menos spinoffs. E menos aplicação na própria área.
rmtakata Dinheiro tem. Pro social, pras ciências, pra infraestrutura...
rmtakata @Rafael_RNAm Já fizeram estudos de retorno econômico. Aplicando-se a lei de Keynes, há um retorno de até 8 vezes.
balamagica RT @rmtakata: @Rafael_RNAm Estatísticamente,a pesquisa aplicada tem muito menos spinoffs.E menos aplicação na própria área.//qualé a fonte?
rmtakata @Rafael_RNAm Aqui uma lista de alguns spinoffs do programa espacial americano: http://migre.me/izfh
rmtakata @balamagica Por definição, a pesquisa aplicada tem um objetivo muito específico. Ela não tem muito potencial de spinoffs.
Rafael_RNAm @rmtakata é a mesma coisa q justificar o investimento no projeto manhatan, q era a bomba, citando usinas nucleares. Não sei se paga.
Rafael_RNAm @rmtakata @balamagica Os spinoffs da Nasa são do departamento de pesquisa aplicada: energia era necessária, investiram em painés solares.
Rafael_RNAm Precisamos de energia limpa aqui na Terra. Vamos investir DIRETAMENTE nisso
Rafael_RNAm ... Não tem pq deixar a Nasa intocada. Todo setor da sociedade hj em dia tem q se justificar sempre. Aumenta até a tranparencia.
rmtakata @Rafael_RNAm Como discuti com a @sibelefausto mais cedo, como estamos discutindo ética de investimentos, natualmente investir em armas...
rmtakata @Rafael_RNAm ... está fora de cogitação.
balamagica @rmtakata @Rafael_RNAm puxa, mas os exemplos de spinoff que se vê por aí são todos resultado da pesquisa aplicada, não são?
rmtakata @balamagica Sim, aplicada, mas com base no conhecimento gerado por outras áreas.
rmtakata Naturalmente, para ser um spinoff é preciso aplicação. O que ocorre é que nessa adaptação, poucas vezes se geram novas ideias.
rmtakata Uma pesquisa, digamos, q enfoque "melhoria da produtividade de arroz em latossolo da região de Aguachuva" tem pouco potencial de gerar...
rmtakata ... outra coisa q não o arroz adaptado ao latossolo de Aguachuva.
balamagica @rmtakata mas uma inovação pode ser incremental, não precisa ser necessariamente radical
rmtakata Agora, uma pesquisa sobre "assimilação de sais de nitrato por bactérias Abecedefa geagais" pode esclarecer mais coisas.
rmtakata Claro q *não* quer dizer o contrário: que não seja importante desenvolver a rizicultura em Aguachuva.
rmtakata @balamagica Mesmo para esse tipo de inovação uma pesquisa aplicada tem menos potencial.
balamagica @rmtakata Você já leu O Quadrante de Pasteur? Trata sobre essas questões, muito bom!
Com base nisso e na nova ameaça de corte de orçamentos da Nasa, uma ótima discussão rolando no twitter entre: @luizbento, @kenmori, @balamagica, @carloshotta, @sibelefausto, @Rafael_RNAm e eu - participações especiais de @joeysalgado e @uoleo.
Abaixo uma compilação da discussão até agora: do mais antigo para o mais recente (mais tarde talvez eu faça uma postagem sobre o assunto - naturalmente sob o meu ponto de vista).
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luizbento Obama: No, we can´t http://ff.im/-fg8ok
Rafael_RNAm Corte no investimento da NASA. Mas mandar gente pro espaço é prioridade em um mundo em crise? RT @luizbento: http://ff.im/-fg8ok
Rafael_RNAm Prefiro áreas mais estratégicas como Obama fez: educação, previdência, e pesquisa básica em outras áreas.
luizbento RT @Rafael_RNAm: Corte no investimento da NASA. Mas mandar gente pro espaço é prioridade em um mundo em crise?
luizbento Se investir em mandar alguém pro espaço não é prioridade pros EUA, imagina o dinheiro gasto no programa espacial brasileiro?
kenmori @Rafael_RNAm @luizbento Se não tivessem mandado gente para a Lua, talvez nem tivéssemos Internet. Eu lamentei a decisão.
Rafael_RNAm A não, essa história não cola mais. A internet resolveu o q? O mundo esta melhor mesmo? acho q não. @kenmori @luizbento
luizbento @Rafael_RNAm @kenmori Acho que entramos em uma discussão conceitual. O que seria "Melhorar o mundo?"
joeysalgado @luizbento @kenmori Concordo com o @Rafael_RNAm. Aliás, se a internet não existisse, não sentiríamos a falta dela, por definição.
uoleo Internet só serve para resolver problemas que ela mesma cria.
kenmori @joeysalgado @luizbento @Rafael_RNAm O mundo está melhor e o impacto disto será melhor visto nos próximos anos.
joeysalgado @kenmori @Rafael_RNAm Mas aí cabe a pergunta do @luizbento: o que é um mundo melhor?
kenmori @Rafael_RNAm @luizbento Sem contar q o Obama perde o q resta da janela de comb fóssil acessível. Ir para as estrelas só vai ficar + difícil
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori Há q se investir em prioridades, mas não apenas em prioridades. Digamos que investíssemos em prioridaeds...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori ... todo o recurso disponível. Não teríamos spinoffs q ajudam a combater os problemas prioritários...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori Spinoffs gerados por tecnologia não prioritária. Game é prioritário? Não. Mas muita tecnologia de gestão...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori ...é derivada de games: através de conceitos, hardwares ou algoritmos.
rmtakata @luizbento Ou pense no caso da mixameba que formou o mapa ferroviário do Japão... E daí? Qual a utilidade daquilo? Não sabemos.
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori Ou qual a utilidade de se escrever um blogue frente a ir plantar algum alimento?
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori A questão é saber fazer uma cesta de investimentos. Alguns mais seguros - prioritários ...
rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori ...outros mais ousados - arriscados, mas com potencial de gerar mais coisas.
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado: e sendo mequetrefe (:P), meu pitaco é...
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado: ...que a internet apareceu tbm devido à Guerra Fria: a corrida espacial...
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado... e não só a net, como tb inúmeras outras tecnologias. Aí vem a questão:
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado ... é lícito investir em guerra?
sibelefausto @rmtakata @Rafael_RNAm @luizbento @kenmori @joeysalgado Guerra gera um baita spinoff...
rmtakata @sibelefausto A lógica da guerra é diferente. Como estavam em corrida armamentista. Se um abdicasse, o outro conquistava. A menos q tenha...
rmtakata @sibelefausto ...vocação para Gandhi ou para gado, isso gera reação.
sibelefausto @rmtakata Não coloco em questão se a lógica é diferente ou não. O fato é que havia uma Guerra ideológica (Fria) e isso alavancou...
sibelefausto @rmtakata uma enxurrada de novas tecnologias. Hoje, sem Guerra Fria, é compreensível que o programa espacial dos EUA seja descontinuado...
sibelefausto @rmtakata ... mas ainda há desenvolvimento tecnológica baseado no esforço de guerra (as do Golfo, Afeganistão e Iraque estão aí p/ provar)
rmtakata @sibelefausto Essas guerras (q não são guerras, são massacres) apresentam um custo extra.
sibelefausto Guerras sempre foram o principal leitmotiv para novas tecnologias.
sibelefausto @rmtakata sim? E qual seria?
rmtakata @sibelefausto Qual seria o q?
sibelefausto @rmtakata o custo extra... (sou ingênua, sou não?) :P
rmtakata @sibelefausto Digamos dezenas de milhares de mortos.
sibelefausto @rmtakata Por isso mesmo repito a questão: embora gere um colossal spinoff, *é lícito investir em guerras*?
rmtakata @sibelefausto Mas alguém estava falando em guerras?
sibelefausto @rmtakata Falava-se do fim do programa espacial dos EUA. O @kenmori questionou tal medida, pois muita tecnologia é derivada disso,..
rmtakata @sibelefausto Programa espacial =/= guerra.
sibelefausto @rmtakata ...e eu só coloquei que o tal programa só surgiu, só existiu devido `a Guerra Fria. E q *toda* guerra gera tecnologias variadas...
sibelefausto @rmtakata Então, indiretamente, falava-se sim em guerras, tá? :P
rmtakata @sibelefausto Não, ninguém estava falando em guerra.
rmtakata @sibelefausto Se vc mostrar que morreram vários civis inocentes diretamente decorrente da corrida espacial terá algum argumento.
sibelefausto @rmtakata Bem, os mísseis teleguiados derivados das tecnologis espaciais vale?
rmtakata @sibelefausto Derivados, não.
rmtakata @sibelefausto Senão vc proíbe vacina pelas armas biológicas derivadas.
sibelefausto @rmtakata Ué, mas para desenvolver vacina precisa tb criar armas biológicas?
rmtakata @sibelefausto A discussão era sobre investimentos em áreas aparentemente inúteis e não em áreas malévolas.
rmtakata @sibelefausto Ué, mas para mandar o homem à Lua tb precisa desenvolver mísseis teleguiados?
sibelefausto @rmtakata É, mas ninguém, ninguém mesmo vai admitir que está investindo numa área malévola, não?
sibelefausto @rmtakata E precisar não precisa... mas foram desenvolvidos, não?
rmtakata RT @sibelefausto ninguém mesmo vai admitir que está investindo numa área malévola<=Possivelmte não, mas a discussão não era essa.
Rafael_RNAm Qual a chance de um spinoff para problemas mais sociais indo pra Lua ou investindo em agric. e energia? @rmtakata @luizbento @kenmori
Rafael_RNAm ...Pensando estatisticamente. Só lembramos das pesquisas q deram certo. qtas não deram em nada? @rmtakata @luizbento @kenmori
luizbento @Rafael_RNAm @rmtakata @kenmori Além disso umq boa parte dessas "descobertas ao acaso" não são completamente verdadeiras...
carloshotta @Rafael_RNAm s[o que náo h[a um mecanismo de se financiar s[o pesquisas que dáo certo...
carloshotta @Rafael_RNAm @luizbento o problema é que vcs partem do princípio de que se "investe um dinheirão" em pesquisa!
carloshotta @Rafael_RNAm @luizbento qualquer banco que vá à falência, no mundo inteiro, já dá esse trocado dado à pesquisa pelos governantes
carloshotta @luizbento @Rafael_RNAm isso torna toda a discussão meio inútil não?
uoleo Eu estou achando essa discussão inútil desde sempre. Internet só serve pra atazanar os outros e ir pro espaço não deu em nada até agora.
uoleo Só conseguimos medir melhor a dilatação espaçotemporal da gravidade, mas do lado da minha casa tem uma favela.
Rafael_RNAm @carloshotta @luizbento Pouco dinheiro, por isso o mínimo é investir estrategicamente o pouco q se tem. Ideal é aumentar em tudo #utopia
Rafael_RNAm @carloshotta @luizbento Sinceramente, por mim acaba investimento em ciência e qquer outra coisa enqto ñ há um mínimo de paridade social.
carloshotta @Rafael_RNAm @luizbento tem que aumentar o bolo, gente.
rmtakata @Rafael_RNAm Bem, o processo de conversação de alimentos permite, ao menos potencialmente, uma melhor distribuição de alimentos.
rmtakata @Rafael_RNAm O processo de racionalização de produção e armazenamento de lixo - em uma nave o espaço é beeeem limitado.
rmtakata @Rafael_RNAm A cirurgia à distância tem um grande potencial de levar medicina de alto nível a rincões.
rmtakata @Rafael_RNAm Estatisticamente, a pesquisa aplicada tem muito menos spinoffs. E menos aplicação na própria área.
rmtakata @Rafael_RNAm Isso porq, em pesquisa básica não tem muito o "não dar certo": qualquer resultado é um resultado.
rmtakata @Rafael_RNAm E em pesquisa não-prioritária, o objetivo não é mesmo produzir coisas para áreas prioritárias.
rmtakata @carloshotta @luizbento @rafael_RNAm @kenmori Basta ver o qto os governos gastam em publicidade...
rmtakata... sem falar em qto é desviado por corrupção e má gestão.
Rafael_RNAm @rmtakata Meu problema é: qdo o q JÁ se sabe for aplicado a TODOS, podemos sonhar em pesquisar o q bem intendermos. Nasa é desperdício sim
Rafael_RNAm Sério mesmo? RT @rmtakata: @Rafael_RNAm Estatísticamente, a pesquisa aplicada tem muito menos spinoffs. E menos aplicação na própria área.
rmtakata Dinheiro tem. Pro social, pras ciências, pra infraestrutura...
rmtakata @Rafael_RNAm Já fizeram estudos de retorno econômico. Aplicando-se a lei de Keynes, há um retorno de até 8 vezes.
balamagica RT @rmtakata: @Rafael_RNAm Estatísticamente,a pesquisa aplicada tem muito menos spinoffs.E menos aplicação na própria área.//qualé a fonte?
rmtakata @Rafael_RNAm Aqui uma lista de alguns spinoffs do programa espacial americano: http://migre.me/izfh
rmtakata @balamagica Por definição, a pesquisa aplicada tem um objetivo muito específico. Ela não tem muito potencial de spinoffs.
Rafael_RNAm @rmtakata é a mesma coisa q justificar o investimento no projeto manhatan, q era a bomba, citando usinas nucleares. Não sei se paga.
Rafael_RNAm @rmtakata @balamagica Os spinoffs da Nasa são do departamento de pesquisa aplicada: energia era necessária, investiram em painés solares.
Rafael_RNAm Precisamos de energia limpa aqui na Terra. Vamos investir DIRETAMENTE nisso
Rafael_RNAm ... Não tem pq deixar a Nasa intocada. Todo setor da sociedade hj em dia tem q se justificar sempre. Aumenta até a tranparencia.
rmtakata @Rafael_RNAm Como discuti com a @sibelefausto mais cedo, como estamos discutindo ética de investimentos, natualmente investir em armas...
rmtakata @Rafael_RNAm ... está fora de cogitação.
balamagica @rmtakata @Rafael_RNAm puxa, mas os exemplos de spinoff que se vê por aí são todos resultado da pesquisa aplicada, não são?
rmtakata @balamagica Sim, aplicada, mas com base no conhecimento gerado por outras áreas.
rmtakata Naturalmente, para ser um spinoff é preciso aplicação. O que ocorre é que nessa adaptação, poucas vezes se geram novas ideias.
rmtakata Uma pesquisa, digamos, q enfoque "melhoria da produtividade de arroz em latossolo da região de Aguachuva" tem pouco potencial de gerar...
rmtakata ... outra coisa q não o arroz adaptado ao latossolo de Aguachuva.
balamagica @rmtakata mas uma inovação pode ser incremental, não precisa ser necessariamente radical
rmtakata Agora, uma pesquisa sobre "assimilação de sais de nitrato por bactérias Abecedefa geagais" pode esclarecer mais coisas.
rmtakata Claro q *não* quer dizer o contrário: que não seja importante desenvolver a rizicultura em Aguachuva.
rmtakata @balamagica Mesmo para esse tipo de inovação uma pesquisa aplicada tem menos potencial.
balamagica @rmtakata Você já leu O Quadrante de Pasteur? Trata sobre essas questões, muito bom!
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